Reinaldo Azevedo - VEJA
Brinquei
ontem com um amigo: “Daqui a pouco, vou começar a defender que Dilma
fique no poder até 2018. Só para ver o PT contrariado…”. É uma ironia,
claro! Não sei o que pode acontecer com mais três anos e três meses de
governo da “presidenta”. Ou melhor, sei… Até porque vamos pensar:
digamos que ela consiga se safar do impeachment: e depois? Já citei aqui
algumas vezes o maravilhoso poema À Espera dos Bárbaros,
do grego Constantino Kaváfis (1863-1933). Tenho pra mim, sem querer
acionar o complicômetro psicanalítico, que até a própria presidente acha
que não reúne condições de chegar ao fim do mandato. Daí que ela fale
obsessivamente sobre o impeachment. Até na ONU.
Caso ela não
caia, vai ficar como os romanos do poema de Kaváfis: eles se prepararam
para a chegada dos inimigos, e eles não vieram. O que ela fará,
coitada? O poema termina assim:
“Porque é já noite, os bárbaros não vêm
e gente recém-chegada das fronteiras
diz que não há mais bárbaros.
“Porque é já noite, os bárbaros não vêm
e gente recém-chegada das fronteiras
diz que não há mais bárbaros.
Sem bárbaros o que será de nós?
Ah! eles eram uma solução.”
Ah! eles eram uma solução.”
Pois é…
O PT reuniu
seus intelectuais — esse delicioso paradoxo — para elaborar um documento
sobre a crise e sobre o futuro. Nesta home, vocês encontram o link para
os dois textos. É evidente que a legenda já entregou a presidente às
cobras. Nas sugestões de curto prazo, os ditos pensadores, como já
demonstrei em outro post, sugerem que Dilma recobre o padrão Guido
Mantega de gestão da economia, justamente aquele que conduziu o Tesouro à
falência. Eles sabem que isso não vai acontecer. Como não vai, estão a
defender, Dilma fique ou saia, que o partido passe para a franca
oposição.
Nas
sugestões de longo prazo, bem…, aí, meus caros, já se trata de um
partido elaborando um plano de governo para as próximas eleições,
recuperando, é impressionante!, as mesmas cascatas que a agremiação
pregava em 2002. O sotaque do documento é
“neonacional-desenvolvimentista”, pregando a centralidade do estado e a
defesa contra a cupidez internacional e o capital financeiro. Nem parece
que esses mesmos caras venceram uma eleição há parcos 11 meses. Onde
estavam os ditos “intelectuais”?
Sim, vocês
podem não acreditar, mas os luminares que produziram os dois textos
querem agora que o PT se reinvente como partido de… oposição. Mas de
oposição a quem? Ah, sei lá: aos banqueiros, aos entreguistas, aos
neoliberais, aos conservadores, aos “white walkers”, de Game of
Thrones… O partido quer esquecer que governa o país há 13 anos.
Querem a evidência dessa ousadia? Leiam isto:
“A opção macroeconômica que vem sendo adotada caminha na direção oposta do objetivo maior de construir uma sociedade mais coesa e menos desigual. O ajuste fiscal ortodoxo – justificado pelo diagnóstico liberal equivocado, mas hegemônico na narrativa dos fatos econômicos – está jogando o país numa recessão com consequências sociais inquietantes, deterioração das contas públicas e consequente restrição da capacidade de atuação do Estado em prol do desenvolvimento. Mais grave é a regressão da estrutura social, adequando-se, gradativamente, ao quadro de possibilidades oferecidas pela ortodoxia econômica. Alerta-se para o fato de que se os rumos adotados não forem alterados, o governo cumprirá o roteiro traçado pelos setores conservadores nos antecedentes da campanha eleitoral, agora redesenhado para impedir sua continuidade ou desgastá-lo até 2018.”
“A opção macroeconômica que vem sendo adotada caminha na direção oposta do objetivo maior de construir uma sociedade mais coesa e menos desigual. O ajuste fiscal ortodoxo – justificado pelo diagnóstico liberal equivocado, mas hegemônico na narrativa dos fatos econômicos – está jogando o país numa recessão com consequências sociais inquietantes, deterioração das contas públicas e consequente restrição da capacidade de atuação do Estado em prol do desenvolvimento. Mais grave é a regressão da estrutura social, adequando-se, gradativamente, ao quadro de possibilidades oferecidas pela ortodoxia econômica. Alerta-se para o fato de que se os rumos adotados não forem alterados, o governo cumprirá o roteiro traçado pelos setores conservadores nos antecedentes da campanha eleitoral, agora redesenhado para impedir sua continuidade ou desgastá-lo até 2018.”
Num momento
de notável picaretagem, os intelectuais do PT sugerem que Dilma foi
abduzida por ETs do neoliberalismo, que, segundo o texto, inventaram uma
crise que não existia. Leiam:
“Para a elite econômica nacional e internacional, a derrota da candidata da situação era crucial, pois afastaria a ‘ameaça da perda do controle político sobre a política econômica’, dado que, para esta elite, ‘é inaceitável que a oitava maior economia do mundo, busque um caminho de maior autonomia e, sob vários aspectos, se contraponha a esses interesses’ . Mas, vale acrescentar que, caso ela fosse eleita, cumpria fazer com que a presidenta viesse a alterar seu programa e abandonasse seus compromissos de campanha. O fato grave é que a visão liberal passou a ser hegemônica junto à opinião pública e mesmo dentro das hostes progressistas, onde a necessidade imperativa de ‘ajustes’, em sua maioria de caráter recessivo, foi aceita e passou a pautar os debates. A criação de um clima de crise fiscal e econômica ganhou a batalha, contribuindo, dentre outros fatores, para que o governo alterasse sua rota e produzisse a própria crise que os mercados alegavam existir.”
“Para a elite econômica nacional e internacional, a derrota da candidata da situação era crucial, pois afastaria a ‘ameaça da perda do controle político sobre a política econômica’, dado que, para esta elite, ‘é inaceitável que a oitava maior economia do mundo, busque um caminho de maior autonomia e, sob vários aspectos, se contraponha a esses interesses’ . Mas, vale acrescentar que, caso ela fosse eleita, cumpria fazer com que a presidenta viesse a alterar seu programa e abandonasse seus compromissos de campanha. O fato grave é que a visão liberal passou a ser hegemônica junto à opinião pública e mesmo dentro das hostes progressistas, onde a necessidade imperativa de ‘ajustes’, em sua maioria de caráter recessivo, foi aceita e passou a pautar os debates. A criação de um clima de crise fiscal e econômica ganhou a batalha, contribuindo, dentre outros fatores, para que o governo alterasse sua rota e produzisse a própria crise que os mercados alegavam existir.”
Parece ter
sido redigido no hospício, eu sei, mas não foi, não! Um partido se dá
conta da falência do seu modelo. Seus mais caros “pensadores” são
desmoralizados pela realidade e pelo resultado da aplicação de suas
ideias velhas e mesquinhas. Sendo assim, qual a saída? Reconhecer o
erro? Não! Fazer de conta que não estão dando as cartas no país há 13
anos, jogar nas costas de um tal “ajuste conservador” os desatinos que
produziram e tentar rearticular as forças progressistas”, como eles
dizem, para disputar as eleições em 2018.
E Dilma?
Bem, o PT lutará, sim, até o fim para que ela fique no cargo porque a
máquina partidária depende vitalmente do estado para sobreviver. O
partido já não vive sem as tetas oficiais. Mas vai falar uma linguagem
de oposição e vai ignorar o seu comando.
Que nome isso tem? Mau-caratismo.
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