domingo, 1 de novembro de 2015

Diplomatas temem 'calote seletivo' do Brasil a instituições internacionais
MARCELO NINIO - FSP
Com uma dívida bilionária em contribuições a organismos internacionais, o governo brasileiro estuda a criação de uma comissão interministerial para estabelecer uma escala de prioridades nos pagamentos. Segundo dados do ministério do Planejamento, no fim de julho a dívida total do Brasil passava de R$ 2,7 bilhões, pelo câmbio atual.
As dificuldades do país em pagar suas contribuições aos organismos, agravadas com o aumento das dívidas devido à desvalorização do real, têm arranhado a imagem do Brasil no exterior e limitado a ação diplomática do país, chegando a ser motivo de chacota em reuniões.
A proposta da comissão interministerial causou preocupação entre alguns diplomatas, temerosos de que uma avaliação puramente financeira, sem o conhecimento das obrigações do Brasil em acordos internacionais, possa levar a um calote seletivo decretado por uma aliança entre os ministérios do Planejamento e da Fazenda.
A minuta do decreto ao qual a Folha teve acesso explica que a proposta "foi motivada pelo protagonismo brasileiro nos órgãos internacionais", numa referência à expansão da ação internacional do país nos últimos anos, que significou também um aumento nas despesas.
Em seguida, no artigo 7º, estabelece que será da competência da comissão "recomendar critérios ou requisitos para as propostas de adesão a novos organismos internacionais, deliberar sobre aumentos nas contribuições já estabelecidas, bem como rever, periodicamente, a oportunidade de manter a participação naqueles aos quais o país já está vinculado".
O decreto propõe que a comissão, que já passou por várias versões, seja composta pelos ministérios do Planejamento, da Fazenda, das Relações Exteriores e da Casa Civil. No Itamaraty, que acompanha 78 organismos internacionais (o pagamento é atribuição do Planejamento), há opiniões divergentes.
Alguns consideram que a proposta pode ser válida, se tornar o processo mais transparente, enquanto outros fazem campanha para que seja derrubada, por receio de que o Itamaraty seria voto vencido diante das considerações orçamentárias do Planejamento e da Fazenda.
A preocupação tem base na resistência do Planejamento em efetuar alguns pagamentos. Num exemplo recente, o Itamaraty teve de se esforçar para justificar as contribuições do Brasil às operações de paz da ONU.
Buscando uma brecha para evitar a contribuição, num momento de aperto nas finanças do governo, o Planejamento insistia em saber qual é a base legal para o pagamento, resistindo a aceitar o argumento dos diplomatas de que era a Carta da ONU. Até 30 de julho, o Brasil acumulava uma dívida de cerca de US$ 100 milhões às missões de paz (R$ 386 milhões).
Na mesma data, de acordo com planilha elaborada pelo Ministério do Planejamento a pedido do deputado Heráclito Fortes (PSB-PI), a dívida do Brasil com o orçamento regular da ONU somava US$ 156,4 milhões. A Folha pediu à pasta os números atuais, mas não teve resposta.
TEMPESTADE PERFEITA
Em meio à crise econômica e ao rombo nas contas públicas, o Brasil ainda terá de arcar com uma contribuição maior à ONU no próximo biênio 2016-2017. De acordo com a metodologia que calcula a cota de cada país, serão considerados dados econômicos entre 2008 e 2013, anos em que o Brasil tinha boas taxas de crescimento do PIB.
O resultado é a "tempestade perfeita", como definiu um diplomata: enquanto no mundo real o Brasil vai terminar o ano caindo de sétima para a nona economia do mundo, segundo o FMI, na ONU subirá de décimo para sétimo maior contribuinte.
Além disso, há uma pressão de países desenvolvidos, como EUA, Alemanha, França e Japão, para elevar a cota de países em desenvolvimento, como o Brasil.
A negociação sobre o próximo orçamento da ONU e a divisão das cotas, já em andamento, promete ser ferrenha. Na última, em 2013, negociadores passaram o Natal nas Nações Unidas, e um acordo só saiu no dia 29.
Além do peso ao caixa do governo, a questão das dívidas nas organizações internacionais virou motivo de constrangimento.
Na OEA (Organização dos Estados Americanos), as finanças foram afetadas pelo débito do Brasil, de US$ 15,29 milhões, já que o país é o segundo maior contribuinte, só atrás dos Estados Unidos.
"Tenho de ouvir gracinhas por causa da nossa dívida", conta um brasileiro que trabalhou 15 anos na OEA e não teve o contrato renovado devido ao aperto financeiro. "Nunca vi a imagem do Brasil tão por baixo", diz ele, pedindo anonimato. 

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