quarta-feira, 1 de junho de 2016

As barreiras europeias cedem diante dos populistas
Alain Salles - Le Monde
Dieter Nagl/AFP
Alexander van der Bellen, do Partido Verde, foi o vencedor das eleições presidenciais na ÁustriaAlexander van der Bellen, do Partido Verde, foi o vencedor das eleições presidenciais na Áustria
Afinal, a barreira austríaca resistiu, embora parecesse frágil, representada por um candidato que é longe de ser consenso em seu país, Alexander Van der Bellen. A Europa estava em estado de tensão, uma vez que a vitória do candidato do FPÖ, Norbert Hofer, parecia inicialmente inevitável, após um primeiro turno amplamente dominado por ele, no dia 24 de abril. O sobressalto austríaco permitiu evitar a eleição daquele que teria sido o primeiro presidente de extrema-direita de um país europeu.
Nas capitais europeias, assim como em Bruxelas, o alívio era evidente, mas ninguém está comemorando: a pequena diferença de votos entre os dois candidatos e o desempenho recorde do FPÖ, com 49,7% traduzem o avanço de uma corrente que está se expandindo em todo o Velho Continente, com a erosão de partidos tradicionais e a crise dos imigrantes.
A extrema-direita sabe o que está fazendo. A Frente Nacional comemorou o "belíssimo resultado" desse partido que é seu companheiro no Parlamento Europeu dentro do grupo Europa das Nações e das Liberdades, que "anuncia sucessos futuros" na Áustria e "em outros lugares". Na Holanda, o Partido pela Liberdade está na frente nas pesquisas e seu líder, Geert Wilders, poderá tentar formar uma coalizão após as legislativas de 2017. Na França, Marine Le Pen tem condições de ir para o segundo turno da eleição presidencial em 2017. Na Finlândia, os Verdadeiros Finlandeses estão no governo junto com a direita, enquanto na Dinamarca o governo liberal só se mantém graças ao apoio, sem participação, da extrema-direita.

Um voto "não natural"

"É um alívio simbólico não ter um presidente de extrema-direita na Áustria", explica Yves Bertoncini, diretor do Instituto Jacques Delors. "Isso mostra que, para os eleitores, não é natural votar na extrema-direita e levá-la ao poder, como se tem visto na França. Continua sendo difícil institucionalmente para eles vencerem eleições. Mas é um problema político, uma vez que a influência deles cresce quando suas ideias são adotadas pelos partidos no governo."
Foi o que aconteceu quando o ex-chanceler social-democrata austríaco Werner Faymann endureceu sua política de imigração, ao organizar em fevereiro o fechamento da "rota dos Bálcãs", abandonando Angela Merkel para se aproximar do dirigente populista húngaro Viktor Orban.
"Essas eleições devem lembrar todos os partidos moderados que eles não devem ceder à tentação ilusória de correr atrás dos movimentos populistas e se inspirar em suas ideias contestáveis", lembrou na última segunda-feira (23) Martin Schulz, presidente social-democrata do Parlamento Europeu.
A desintegração das duas principais famílias da direita e da esquerda está em andamento na maior parte dos países europeus, e a eliminação dos conservadores e dos social-democratas do primeiro turno da eleição presidencial austríaca é seu sinal mais evidente.
Em toda a Europa, o desempenho dos partidos de governo está em queda, beneficiando a esquerda radical no Sul, em razão das políticas de austeridade, e a extrema-direita na maior parte dos outros países.
E isso desde a Grécia, onde o partido socialista (Pasok) afundou, até a Espanha, que não consegue encontrar uma maioria, passando pela Irlanda, onde o primeiro-ministro, Enda Kenny, foi reeleito como líder de um governo minoritário no Parlamento, e pela França, onde o Partido Socialista e o Les Républicains chegaram atrás da Frente Nacional no primeiro turno das regionais de 2015.
Mesmo na Alemanha, os dois partidos da grande coalizão só têm o apoio de um entre cada dois eleitores, e o Alternativa para a Alemanha (AfD) está com 15% das intenções de voto desde que adotou o discurso anti-imigrantes e anti-muçulmanos.
"Esses partidos estão tentando responder a angústias xenófobas que são primeiramente nacionais, mas também europeias", ressalta Yves Bertoncini, diante do sentimento de que o mundo será cada vez menos eurocêntrico.
"Se a UE passa a impressão de que não está controlando a situação, como se viu na crise financeira e na crise migratória, isso dá força aos votos xenófobos."

Maré

A onda de imigrantes para a UE (1 milhão em 2015) e os medos que ela causa --como ameaças à identidade europeia e suas fronteiras, entrada de alguns dos jihadistas dos atentados de Paris através da rota dos Bálcãs, violência sexual na noite de Ano Novo em Colônia— alimentaram a maré de correntes populistas europeias.
A crítica contra a política considerada excessivamente generosa de Angela Merkel se tornou um ponto de união entre as extremas-direitas, mas também entre os partidos tradicionais mais nacionalistas, na Polônia, na Hungria e na Eslováquia.
Nesses três países, foram partidos ligados às formações responsáveis pelo projeto comunitário —Partido Popular Europeu (PPE) e Partido Socialista Europeu (PSE)— que se opuseram às políticas de cotas de refugiados exigidas pela Comissão. Seus líderes também deram declarações sobre os riscos de doenças veiculadas pelos refugiados e sobre a vigilância de muçulmanos, que não ficam devendo nada aos partidos de extrema-direita.
São raras —e de qualquer forma, minoritárias— as vozes dentro dos grandes partidos representados em Estrasburgo que exigem a exclusão de seus pares poloneses, húngaros e eslovacos. O primeiro-ministro húngaro, que adora criticar a política de Angela Merkel, é defendido com frequência pelo PPE, enquanto os membros do PSE praticamente não reagiram à nova aliança entre o primeiro-ministro eslovaco e um partido de extrema-direita.
O trabalho de solapamento do grupo de Marine Le Pen —aliada do FPÖ, da Liga Norte italiana e do Partido pela Liberdade de Geert Wilders— e o dos eurófobos do UKIP de Nigel Farage no Reino Unido, figura emblemática do próximo referendo sobre o "Brexit", no dia 23 de junho, só estão sendo facilitados. E banalizados.

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