Ele fez cara de espanto, disse um não paternalista e depois partilhou o
segredo bibliográfico: livros de colorir. Parou a digestão. A minha, não
a dele. Brincadeira? Não era.
Em janeiro, ele descobrira os livros de colorir dos filhos. Mas o egoísmo da pequenada obrigou-o a procurar livros de colorir para adultos. Encontrou. Depois, com lápis de todas as cores, começou um hobby que dura até hoje. "Uma pessoa esquece tudo", diz ele. Até a massa cinzenta, pensei eu.
E quando não são livros de colorir, são jogos de celular. Devo ser uma
das raras pessoas que desconhecia o Pokémon Go. Mas também aqui os
amigos são úteis. Um deles tentou explicar a lógica do jogo: com a
câmera de celular e o GPS, ele avança pelo mundo –literalmente– e tenta
"caçar" figurinhas virtuais.
Dei uma risada. E lembrei-me do filme série B que John Carpenter dirigiu no final da década de 1980. Titulo: "They Live". É a história de um vagabundo que consegue localizar alienígenas no planeta Terra usando uns óculos de sol especiais.
A ficção científica deixou de ser exclusiva do cinema. Saltou para a "vida real" (grotesca expressão). Os meus amigos são como os filhos deles: quando não estão a colorir livros, andam pelas ruas, como alucinados, brincando de índios e caubóis. Como explicar o fenômeno?
Os especialistas do óbvio garantem: são formas de aliviar o estresse do cotidiano. Depois de um dia nas galés do trabalho, o escravo sai e precisa de uma hora, talvez duas, de relax total. Voltar a ser criança é uma forma de esquecer o adulto em que ele se tornou.
A explicação é poética e eu prometo chorar no final da crônica. Mas, por enquanto, mantenho os olhos enxutos e proclamo: era inevitável.
Houve tempos em que os adultos também relaxavam depois da labuta. Ainda me lembro: o meu pai, advogado, gostava de tomar um copo com os amigos –e, atividade maléfica, fumar um cigarro ou dois. Pensar que o meu pai, ou os amigos dele, andaria a colorir livros ou a tentar "caçar" figuras virtuais é tão crível como imaginar que o Estado Islâmico se converterá ao pacifismo.
Tudo mudou. E, como se escreveu nesta coluna vezes sem conta, os Estados paternalistas do Ocidente tiveram como missão suprema infantilizar os cidadãos. Isso tomou várias formas.
Na versão "light", através de conselhos alarmantes sobre o álcool, as comidas gordurosas, os açúcares e tudo aquilo que dá algum tempero à vida. Morrer, sim, mas apenas saudáveis, o que sem dúvida constitui um consolo para o moribundo.
Quando não são conselhos, são proibições. O fumo é um caso. E, na França, parece que será um caso cômico, ou trágico, consoante o sentido de humor: François Hollande, que tem o país em desagregação com o terrorismo interno, pretende ilegalizar os Gitanes e os Gauloises, não porque eles são maus para a saúde (isso é óbvio), mas porque estão associados a estilos de vida "cool" (Serge Gainsbourg, Albert Camus etc.). Os jovens fumam porque querem ser Gainsbourg (e ter as mulheres dele) ou Camus (idem).
O caso não é apenas ridículo, o que seria normal, tratando-se de Hollande. O caso também mostra o autoritarismo demencial de um Estado que proíbe o que lhe passa pela cabeça mesmo quando não existe uma cabeça.
Perante esse clima, no qual os vícios do passado são crimes no presente, o que resta aos homens adultos para darem descanso ao corpo e à alma?
Agir em conformidade: se o Estado trata os cidadãos como crianças, eles se transformam em crianças. Compram livros de colorir. Andam na rua a "caçar" figuras virtuais com o celular. Não será de se estranhar que as academias do bairro comecem a ter escorregadores ou balanços.
Claro que, na histeria securitária em que vivemos, nem o Pokémon Go escapa. Leio nos jornais que já existem agências de seguros que têm pacotes especiais para fanáticos de Pokémon. Você sabe: durante as caçadas, o jogador pode atropelar um pedestre –ou, pior, cair ele próprio em algum buraco. Compreendo o drama. E pergunto: Não seria mais prudente cortar o mal pela raiz e proibir o Pokémon?
Em teoria, talvez. Na prática, todos sabemos como são as crianças quando fazem birra.
Melhor não arriscar.
Em janeiro, ele descobrira os livros de colorir dos filhos. Mas o egoísmo da pequenada obrigou-o a procurar livros de colorir para adultos. Encontrou. Depois, com lápis de todas as cores, começou um hobby que dura até hoje. "Uma pessoa esquece tudo", diz ele. Até a massa cinzenta, pensei eu.
Binho Barreto/Editoria de Arte/Folhapress | ||
Dei uma risada. E lembrei-me do filme série B que John Carpenter dirigiu no final da década de 1980. Titulo: "They Live". É a história de um vagabundo que consegue localizar alienígenas no planeta Terra usando uns óculos de sol especiais.
A ficção científica deixou de ser exclusiva do cinema. Saltou para a "vida real" (grotesca expressão). Os meus amigos são como os filhos deles: quando não estão a colorir livros, andam pelas ruas, como alucinados, brincando de índios e caubóis. Como explicar o fenômeno?
Os especialistas do óbvio garantem: são formas de aliviar o estresse do cotidiano. Depois de um dia nas galés do trabalho, o escravo sai e precisa de uma hora, talvez duas, de relax total. Voltar a ser criança é uma forma de esquecer o adulto em que ele se tornou.
A explicação é poética e eu prometo chorar no final da crônica. Mas, por enquanto, mantenho os olhos enxutos e proclamo: era inevitável.
Houve tempos em que os adultos também relaxavam depois da labuta. Ainda me lembro: o meu pai, advogado, gostava de tomar um copo com os amigos –e, atividade maléfica, fumar um cigarro ou dois. Pensar que o meu pai, ou os amigos dele, andaria a colorir livros ou a tentar "caçar" figuras virtuais é tão crível como imaginar que o Estado Islâmico se converterá ao pacifismo.
Tudo mudou. E, como se escreveu nesta coluna vezes sem conta, os Estados paternalistas do Ocidente tiveram como missão suprema infantilizar os cidadãos. Isso tomou várias formas.
Na versão "light", através de conselhos alarmantes sobre o álcool, as comidas gordurosas, os açúcares e tudo aquilo que dá algum tempero à vida. Morrer, sim, mas apenas saudáveis, o que sem dúvida constitui um consolo para o moribundo.
Quando não são conselhos, são proibições. O fumo é um caso. E, na França, parece que será um caso cômico, ou trágico, consoante o sentido de humor: François Hollande, que tem o país em desagregação com o terrorismo interno, pretende ilegalizar os Gitanes e os Gauloises, não porque eles são maus para a saúde (isso é óbvio), mas porque estão associados a estilos de vida "cool" (Serge Gainsbourg, Albert Camus etc.). Os jovens fumam porque querem ser Gainsbourg (e ter as mulheres dele) ou Camus (idem).
O caso não é apenas ridículo, o que seria normal, tratando-se de Hollande. O caso também mostra o autoritarismo demencial de um Estado que proíbe o que lhe passa pela cabeça mesmo quando não existe uma cabeça.
Perante esse clima, no qual os vícios do passado são crimes no presente, o que resta aos homens adultos para darem descanso ao corpo e à alma?
Agir em conformidade: se o Estado trata os cidadãos como crianças, eles se transformam em crianças. Compram livros de colorir. Andam na rua a "caçar" figuras virtuais com o celular. Não será de se estranhar que as academias do bairro comecem a ter escorregadores ou balanços.
Claro que, na histeria securitária em que vivemos, nem o Pokémon Go escapa. Leio nos jornais que já existem agências de seguros que têm pacotes especiais para fanáticos de Pokémon. Você sabe: durante as caçadas, o jogador pode atropelar um pedestre –ou, pior, cair ele próprio em algum buraco. Compreendo o drama. E pergunto: Não seria mais prudente cortar o mal pela raiz e proibir o Pokémon?
Em teoria, talvez. Na prática, todos sabemos como são as crianças quando fazem birra.
Melhor não arriscar.
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