domingo, 31 de julho de 2016

Mais 20 anos? 
AMIR KHAIR - OESP
É natural que haja otimismo em algumas análises quanto às expectativas favoráveis com o governo Temer. Dados recentes chegam a apontar que o fundo do poço já foi atravessado. Não compartilho dessa avaliação. Há de se ter cautela.
Completado o impeachment, novas medidas mais amargas poderão aparecer. Outras virão após completado o período eleitoral municipal. Estão e estarão na linha da economia de despesas primárias (que excluem juros) do governo federal.
Talvez o governo consiga aprovar antes das eleições de outubro mais um pacote: a PEC 241 (que prevê o congelamento de despesas primárias). Creio, no entanto, que isso só vá ocorrer após as eleições municipais, dado o impacto desfavorável com a população na área social e previdenciária. Além disso, há todo um processo de negociações com o Congresso, de olho nas eleições de outubro, e, em se tratando de emenda constitucional, tem trâmite mais demorado, devendo passar pela Câmara e pelo Senado com quórum de aprovação elevado.
Mais complicado e difícil politicamente é a aprovação da reforma da Previdência, cujo debate talvez só ocorra com o início dos trabalhos legislativos em 2017. Segundo a equipe econômica, é necessário que as novas regras de aposentadoria sejam aplicadas o quanto antes, prevendo um período curto de transição do atual regime para o novo, onde deveria constar idade mínima de aposentadoria, desvinculação do piso previdenciário do salário mínimo e acabar com os regimes especiais para a mulher, trabalhador rural e professores. Não vai ser fácil e as centrais sindicais de trabalhadores estão unidas, não aceitando redução de direitos para quem já está no mercado de trabalho, portanto, com transição longa.
Admitindo que a PEC 241 seja aprovada ainda neste ano, que a reforma da Previdência ocorra como deseja a equipe econômica e não ocorram problemas maiores com a rigidez de despesas, a despesa primária do governo federal ficaria congelada por pelo menos dez anos: de 2017 a 2026, podendo ser estendida até 2036, perfazendo 20 anos de congelamento. Em um cenário como esse, o que poderia ocorrer com a situação fiscal?
Perspectivas fiscais. Vamos supor que ocorra nesse período, de 2017 a 2036: a) um crescimento médio anual de 2%; b) inflação anual de 5% em 2017 e de 4% de 2018 em diante e; c) a taxa média de juros da dívida dos títulos federais seja de 12% em 2017 (Boletim Focus), caindo para 10% em 2018. E três alternativas para 2019 a 2036: permanecer em 10%, baixar para 8% e baixar para 6%.
Nessas condições, ocorreria no governo federal em relação ao PIB: a) déficit primário até 2023 e em 2026 o superávit primário estaria abaixo de 1%; b) déficit nominal (que considera juros) caindo de 10,2% em 2016 para em 2026 atingir 3,2% no caso de taxa de juros de 6%, 5,2% no caso de taxa de juros de 8% e ao redor de 8% até 2028 no caso da taxa de juros de 10%.
No início deste ano, a dívida bruta do setor público estava em R$ 3,9 trilhões (66,5% do PIB) e a dívida mobiliária do governo federal estava em R$ 2,6 trilhões (44,7% do PIB), portanto 2/3 da dívida bruta. A evolução que teria essa dívida mobiliária em relação ao PIB seria: a) de elevação até 68,7% em 2023 no caso de taxa de juros de 6%; b) de elevação até 78,2% em 2028 e; c) de elevação contínua até o fim de 2036, quando atingiria 107,1%.
Essas projeções mostram que, para um mesmo resultado primário, na hipótese de congelamento por 20 anos, o déficit nominal e a dívida mobiliária federal apresentam resultados elevados até 2023, mesmo com taxa de juros de 6%. Somente depois de 2023, com taxa de juros de 6%, é que reflui lentamente a relação dívida/PIB.
Proposta. Para se ter resultado nominal tendendo mais rápido para o equilíbrio, é necessário um forte abatimento até o fim de 2017 da dívida mobiliária, que se encontra ao fim de maio em R$ 2,7 trilhões (45,6% do PIB). Isso poderia ocorrer de diversas iniciativas: a) venda de excesso de reservas internacionais (US$ 200 bilhões); b) redução da Selic para o nível de 6% até o fim deste ano; c) acelerar a devolução dos R$ 513 bilhões em créditos do Tesouro Nacional no BNDES; d) redução pela metade na disponibilidade de R$ 926 bilhões do Tesouro Nacional no Banco Central, que não rendem nada; e) venda de ativos desnecessários à finalidade pública.
Admitindo que se proceda à política de redução da dívida mobiliária com ativos mal aplicados e, mesmo sem novas privatizações como a venda de participações acionárias do governo, seria possível até o fim de 2017 reduzir pela metade a dívida mobiliária prevista para o fim de 2017 (R$ 3,6 trilhões).
Na hipótese de venda desses ativos se teria: a) déficits nominais fortemente cadentes e inferiores a 4% do PIB a partir de 2018 por causa da redução dos juros de 7,4% do PIB no fim deste ano para o nível de 2% do PIB a partir de 2018; b) equilíbrio fiscal (déficit nominal zero) em 2029 e superávits a partir de 2030 e; c) a dívida mobiliária federal cairia de 53% do PIB ao fim deste ano para níveis entre 30% e 35% do PIB de 2018 até 2029.
Alternativas viáveis e independente de negociações com o Congresso existem. Para isso, é necessário uma discussão mais abrangente sobre a questão fiscal envolvendo o resultado nominal, para não ficar no samba de uma nota só do déficit primário e do corte social que vem de Dilma com Levy e Barbosa para Temer com Meirelles.
O Banco Central aguarda o esforço fiscal do governo como condição necessária para reduzir a Selic. Enquanto isso, ao praticar a Selic elevada, é o principal causador da elevação de despesas. Já são 22 anos, desde o Plano Real, que o BC espera, também, a redução da inflação para reduzir a taxa de juros. Mais 20 anos?

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