Há quatro meses das eleições primárias da direita e há nove meses da eleição presidencial, Hollande e Valls querem despedaçar o campo da direita, e atrair de novo o redil socialista a seus aliados habituais, comunistas, verdes e radicais.
A
lassidão e a cegueira oficial continuam vigentes na França. Insensível
ao clamor popular que pede mão dura contra o terrorismo islâmico,
especialmente após a matança de 84 pessoas em Nice, o presidente
François Hollande freou, através de seu primeiro-ministro Manuel Valls,
tudo o que pôde para que o novo plano de segurança, negociado com a
oposição na Assembléia Nacional, seja magro e mesquinho. Após sete horas
de acalorado debate parlamentar com a direita, o compromisso que saiu
disso só consta de três pontos: o prolongamento do estado de urgência
até janeiro próximo, a possibilidade de realizar invasões domiciliares
sem permissão de um juiz e a possibilidade de explorar os dados que se
encontrarem em computadores e telefones apreendidos.
Com esse arsenal jurídico mínimo, a dupla Hollande-Valls pensa enfrentar a guerra bestial que o Daesh (ISIS) decretou à França.
O
primeiro-ministro Valls teve de agüentar uma sabatina dos deputados
quando sugeriu que seu governo havia feito “todo o necessário” contra o
terrorismo. Cinco dias depois do massacre de Nice e oito meses depois da
matança no Bataclan e no Hyper Cacher, em Paris, esse balanço é, para
muitos, inaceitável. O partido gaullista Los Republicanos (LR) propõe há
meses uma série de medidas que, sem ser milagrosas, poderiam melhorar a
luta anti-terrorista e proteger mais eficazmente a população: reforçar o
estado de urgência, aumentar o poder dos governadores, utilizar o
direito de fazer invasões domiciliares administrativas, criar centros de
retenção para os jihadistas que regressam à França, expulsar os
estrangeiros condenados por haver cometido delitos, pôr tornozeleiras
eletrônicas nos suspeitos de poder atentar contra a segurança nacional,
fechamento das mesquitas salafistas, expulsão dos imanes estrangeiros
que predicam o ódio anti-francês e anti-semita, culpabilizar os que
consultam os portais web islâmicos e deter provisoriamente os menores
envolvidos em delitos relacionados com a empresa terrorista.
Só
três desses pontos foram adotados na noite da terça-feira passada.
Nesse debate Manuel Valls mostrou-se resistente a adotar uma “legislação
de exceção”, alegando que isso equivaleria a “abandonar o Estado de
direito”.
Nada disso, retrucou Gérard Larcher, presidente do Senado: “O Senado presta grande atenção a respeito das liberdades, porém também procura de forma permanente a eficácia”, declarou. E insistiu: “Estamos em estado de guerra. O Estado de direito deve se ajustar ao estado de guerra”.
O momento mais candente ocorreu quando Laurent Vauquiez, do LR, ante a
insistência de Valls sobre a inconveniência de adotar um arsenal
repressivo conseqüente, lhe lançou: “O senhor invoca a liberdade pessoal dos terroristas. Não há liberdade para os inimigos da República”.
A
carga foi violenta e gerou protestos na bancada de esquerda, pois alude
forçosamente a um caso de consciência que racha a credibilidade de
Hollande: se seu governo não houvesse derrogado uma disposição do
governo anterior, durante a presidência de Nicolas Sarkozy, o terrorista
que massacrou 84 pessoas em Nice não teria podido cometer essa
atrocidade: em sua qualidade de delinqüente estrangeiro, ele teria sido
expulso da França após haver sido condenado, em março de 2006, por atos
violentos cometidos contra um particular. Não o foi, pois,
lamentavelmente, a ministra da Justiça de Hollande, Christiane Taubira,
campeã da lassidão, desbaratou, por puro sectarismo, quase todas as
reformas penais da era Sarkozy.
Na
realidade, a lógica jurídica não é o que explica o angelicalismo
suicida de Valls. A virulência do discurso governamental contra a
oposição, contra suas propostas anti-terroristas, inclusive contra o
informe da comissão parlamentar Fenech-Pietrasanta, deve-se, temem
alguns observadores, a cálculos políticos egoístas.
A
quatro meses das eleições primárias da direita e a nove meses da
eleição presidencial, Hollande e Valls querem despedaçar o campo da
direita e atrair de novo ao curral socialista seus habituais aliados
comunistas, verdes e radicais, e preparar as profundas divisões no seio
do PS, o qual está em crise, perde militantes e conta até com frações
muito hostis ao governo Valls na Assembléia Nacional. Toda concessão no
terreno da segurança seria vista, eles calculam, como um triunfo da
direita e da extrema-direita, e como uma capitulação antes tais
formações, o que reduziria ainda mais a escassa margem que François
Hollande teria - no caso de ser de novo candidato da esquerda - de
chegar ao segundo turno na eleição presidencial.
Tal
estratégia explica por que, antes do atentado de Nice, muitas
concessões foram feitas em matéria de (in)segurança, na perspectiva de
impedir que a brecha não se amplie ainda mais no campo esquerdista.
Os
resultados de tal política foram desastrosos porém, o que mais indigna a
opinião pública é ver que a catástrofe de Nice não levou Hollande a
reconhecer seus erros. “O tríptico emoção, comunicação e banalização, a partir do momento em que nos afastamos da tragédia, já não funciona”,
denunciou Eric Ciotti. O deputado LR assinala assim o pernicioso
trabalho de certa imprensa de esquerda, escrita e audio-visual, que
insistia, no começo, no caráter islâmico do atentado de Nice, tese que o
procurador François Moulains derrubou. Ele explicou as fases da rápida
radicalização islâmica do terrorista, que havia começado a planejar sua
matança sete meses antes deste 14 de julho. Ciotti aponta igualmente
contra a tentativa da mesma imprensa de censurar, quando não de
desvirtuar e ridicularizar as exigências da oposição. A imprensa adicta
ao governo sugere, por exemplo, que a vaia massiva contra Valls em Nice
foi instigada pela “extrema-direita fascista”, quando foi, na realidade,
uma reação expontânea das pessoas ante a ira desatada pela ausência de
força pública na terrível noite do atentado”.
Tradução: Graça Salgueiro
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