Alerj beneficiou Fetranspor com créditos de R$ 90 milhões do RioCard
Condução coercitiva atingiu presidentes da Assembleia e da federação
Chico Otavio / Daniel Biasetto - O Globo
Uma pequena mudança na legislação, aprovada pela Assembleia
Legislativa do Rio em dezembro do ano passado, abriu caminho para as
empresas de ônibus embolsarem R$ 90 milhões em créditos do RioCard pagos
pelos passageiros. A nova lei, nº 7.506/16, incluiu os cartões
eletrônicos na relação de passagens com prazo de validade de um ano.
Embora o RioCard seja uma bolsa de crédito em dinheiro do consumidor, a
Alerj desobrigou os empresários, após o prazo, a devolver os valores não
utilizados.
Entre as 17 pessoas levadas na quarta-feira, sob condução
coercitiva, à Polícia Federal no Rio, estão o presidente da Alerj, Jorge
Picciani (PMDB), e o presidente da Federação das Empresas de
Transportes (Fetranspor), Lélis Marcos Teixeira. Picciani é suspeito de
organizar o pagamento de propina pela Fetranspor ao Tribunal de Contas
do Estado (TCE), para favorecer o setor em atos de fiscalização do
tribunal. Foram auditores do TCE os responsáveis pela descoberta dos
créditos de R$ 90 milhões retidos pelas empresas. O processo é de 2014,
mas até hoje não chegou ao plenário do órgão.
A
Operação O Quinto do Ouro, deflagrada na quarta por determinação do
Superior Tribunal de Justiça (STJ), também investiga a suspeita de que
Picciani organizava repasses aos conselheiros do TCE de 15% dos valores
liberados pelo Fundo Especial de Modernização do tribunal para
pagamentos, a título de emergência, de faturas vencidas de fornecedores
de alimentação para presos e adolescentes submetidos a medidas de
internação. Em dezembro, o então presidente do TCE e agora delator Jonas
Lopes de Carvalho liberou R$ 160 milhões do fundo para as
penitenciárias, alegando que a situação era grave.
No caso do RioCard, as empresas ganharam com a lei aprovada
pela Alerj, no dia 26 de dezembro de 2016, um trunfo na batalha judicial
travada contra os autores de uma ação civil pública que os obrigaria a
devolver os R$ 90 milhões retidos. A ação, de autoria do Ministério
Público Estadual e da Defensoria Pública, já havia obtido uma decisão
favorável na primeira instância da Justiça fluminense. Quando caminhava
para ser confirmada do Tribunal de Justiça, os empresários pediram o
arquivamento sob a alegação de perda de objeto.
Os créditos do RioCard, alegam os autores da ação, não podem
ser confundidos com bilhete eletrônico, vale transporte ou passagens
adquiridas antecipadamente. Pela lei que regulamenta o serviço, a de nº
5.628/2009, o passageiro está impedido de utilizar os bilhetes ou
passagens após mais de um ano porque o valor pago ficaria defasado. Se
ele pagou inicialmente R$ 3,80 por uma passagem e ela subiu para R$ 4,10
no período, o transportador não está obrigado a arcar com a diferença.
A situação é diferente no caso do RioCard, sustenta a ação.
Por ser crédito adquirido em dinheiro, se o usuário creditou R$ 10 e só
utilizou R$ 9,50 em um ano, os empresários não teriam direito a embolsar
os R$ 0,50 restantes, pois o valor continua pertencendo ao consumidor e
o serviço não foi prestado.
BILHETES LIGADOS A CRIANÇAS
O
impasse sobre o destino dos R$ 90 milhões começou quando o TCE decidiu,
em 2014, fazer uma devassa na operação das empresas. A auditoria do
órgão concluiu que, apenas nas linhas intermunicipais, em cinco anos, as
empresas de ônibus embolsaram R$ 90 milhões desses créditos.
O valor se refere a serviços prestados por 62 empresas, que
operam 660 linhas, responsáveis pelo transporte diário de 1,8 milhão de
pessoas. Mas a quantia pode ser maior. Isso porque a regra de
cancelamento de créditos pelo RioCard, que é controlado pela Fetranspor,
vale para qualquer tipo de transporte público operado com bilhetagem
eletrônica, incluindo metrô, trens, barcas e vans.
A auditoria também encontrou casos em que o número declarado
de passageiros era 19 vezes maior que o transportado. Em tese, isso
pode levar um operador a receber subsídios indevidos. Os auditores
descobriram casos em que praticamente na mesma hora, em locais
distantes, o sistema registrava um mesmo passageiro usando o Bilhete
Único. Outra irregularidade foi o uso excessivo de bilhetes vinculados a
CPFs de crianças com até 5 anos. Nessa faixa etária, as crianças são
isentas de pagar passagem, desde que fiquem no colo dos pais.
Os achados nunca produziram uma providência concreta do TCE.
O relator do assunto era o atual presidente do órgão, Aloysio Neves, um
dos presos na quarta. Somente no dia 17 de fevereiro, o TCE encaminhou o
processo ao Ministério Público Especial, que tem prazo de até 60 dias
para analisar a o tema.
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