Análise: Empenho do Congresso para aprovar fim do foro é cortina de fumaça
Proposta mantém, na prática, tratamento diferenciado a parlamentares
Carolina Morand - O Globo
A disposição dos senadores para aprovar a PEC do fim do foro
privilegiado pode parecer, num primeiro momento, uma ação em prol da
ética na política, atendendo a um clamor da sociedade. Não é. Trata-se
de uma cortina de fumaça para permitir a aprovação do projeto que pune
juízes e promotores por abuso de poder, acalentado desde o ano passado
pelo ex-presidente do Senado Renan Calheiros.
Em dezembro de 2016, o projeto foi retirado de pauta pelo próprio
Renan, depois de receber duras críticas, que atribuíam à iniciativa a
intenção de cercear a atuação dos investigadores e magistrados na
operação Lava-Jato. O texto pode até ter saído temporariamente da pauta,
mas seus defensores apenas aguardavam o momento ideal para trazê-lo
novamente à tona.
PERGUNTAS E RESPOSTAS SOBRE O FIM DO FORO
A
oportunidade surgiu com a pirotécnica operação Carne Fraca, da Polícia
Federal, que lançou suspeitas sobre toda a carne produzida no Brasil,
mas não conseguiu apresentar evidências que justificassem tamanha
repercussão. Os investigadores responsáveis pela ação foram duramente
criticados pelo governo e por empresários do setor.
A polêmica atuação da PF no caso da carne transformou-se em argumento
para que parlamentares voltassem a defender a limitação dos poderes do
Ministério Público e da Justiça. Aproveitando o momento, senadores
atrelaram o projeto que pune o abuso de autoridade à aprovação do fim do
foro privilegiado para a classe política e propõem que sejam votados em
sequência.
O diabo mora nos detalhes. O fim do foro, em si uma boa medida, se
aprovado, vale também para autoridades da Justiça e do Ministério
Público. E os parlamentares já articulam a criação de uma vara especial
para julgar autoridades, que só poderão ser denunciadas pelo
procurador-geral da República e não por promotores em primeira
instância. Ou seja, na prática continuariam recebendo tratamento
diferenciado.
Parlamentares condicionam a aprovação da PEC do fim do foro à
limitação dos poderes dos promotores e juízes, sob a justificativa de
evitar que pratiquem abusos contra quem deixará de ter privilégio de
foro. Um discurso muito bem articulado, que soa como música num Senado
cheio de políticos citados na Lava-Jato, às vésperas da possível
suspensão do sigilo da nova lista de Janot.
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