Ritmos distintos
O futuro político do país está tão concentrado nos
tribunais superiores quanto no Congresso, com as reformas estruturais, o
que mostra bem o estágio de judicialização a que chegamos. Por isso
mesmo, a ministra Cármen Lúcia, embora muito criticada, decidiu dedicar a
pauta do STF de abril a temas de repercussão geral, e deixou de fora
temas polêmicos como a discussão do foro privilegiado.
Com a decisão, ela não apenas favorece que o acúmulo de processos se
reduza, já que com a repercussão geral cerca de 100 mil processos são
resolvidos automaticamente, ajudando a agilizar as decisões, como evita
que o STF se intrometa em assunto que está sendo debatido no Congresso.
O caso que suscitaria uma decisão do Supremo sobre esse tema central
da política brasileira hoje trata do atual prefeito de Cabo Frio, no Rio
de Janeiro, Marcos da Rocha Mendes, que foi empossado como suplente do
deputado cassado Eduardo Cunha, mas renunciou para assumir o cargo.
O prefeito responde a uma ação penal no STF por suposta compra de
votos, mas, em função da posse, o processo deve ser remetido para a
Justiça de Rio. O ministro Luís Roberto Barroso liberou o caso para
julgamento pelo plenário, e em seu despacho, diz que os detentores de
foro privilegiado somente devem responder a processos criminais no STF
se os fatos imputados a eles ocorrerem durante o mandato.
No caso de fatos que ocorreram antes do mandato, a competência para
julgamento seria da Primeira Instância da Justiça. A presidente Carmem
Lucia teve também o cuidado de não criar embaraços para o ministro Luis
Facchin, que já anunciou que dedicará o mês de abril para analisar os
processos da Operação Lava Jato relacionados às delações premiadas da
empreiteira Odebrecht.
Uma decisão do STF a esta altura daria chance para que os advogados
de defesa dos acusados tentassem anular as decisões de Facchin, e ele
mesmo ficaria inseguro para julgar antes que o plenário chegasse a uma
votação final.
No mesmo momento político tenso, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE)
começa a julgar o processo de cassação da chapa Dilma/Temer. Na
terça-feira, 4 de abril, serão duas sessões, uma às 9 horas e outra às
19 horas. No dia seguinte, uma sessão às 19 horas e na quinta-feira
outra às 9 horas. Teoricamente essas sessões seriam suficientes para uma
definição rápida do caso, só que não.
O julgamento começa com o relator Herman Benjamin lendo um resumo com
as diligências, os depoimentos, enfim todas providências tomadas na
fase de instrução. Em seguida, os advogados de acusação e de defesa
subirão à tribuna. Depois, falará o representante do Ministério Público
Eleitoral.
O voto do relator deveria ser dado na sequência, mas existe a
possibilidade de que defesa e acusação levantem questões que já estão
colocadas nas declarações pela imprensa: pedem a ampliação do prazo para
que tomem conhecimento do conteúdo dos documentos enviados nos últimos
dias pelo juiz federal Sérgio Moro, pela Polícia Federal e pelo
Ministério Público.
Eles se referem aos depoimentos de Marcelo Odebrecht e diversos
ex-executivos da empreiteira, e não apenas seu conteúdo. Também os
documentos enviados por Moro com planilhas, demonstrações de horários de
encontros e depósitos que comprovam os depoimentos não foram
apresentados aos advogados de defesa e acusação em tempo hábil, alegam.
Houve a tentativa de um acordo com o relator Herman Benjamim para que
ele desse mais alguns dias para os advogados, mas ele não acatou o
pedido. Se, no entanto, o plenário do TSE acatá-lo, o julgamento será
suspenso.
Outro obstáculo será um pedido de vista, provavelmente do
ministro Napoleão Nunes Maia, que já comentou que ainda não conseguiu
ler as mil páginas do relatório do ministro Herman Benjamim. Como ele é o
primeiro ministro a votar depois do relator, provavelmente o julgamento
parará em suas mãos.
No meio disso tudo, há os feriados da Semana Santa, uma viagem do
presidente do TSE Gilmar Mendes ao exterior e dois ministros que
encerram seus mandatos entre abril e maio. Muita coisa ainda vai
acontecer antes que o TSE dê sua decisão final.
O ritmo da Justiça é diferente do da ansiedade da sociedade.
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