Com mudança na lei, país terá ‘reforma sindical’
Entidades criadas só para receber imposto obrigatório devem fechar
João Sorima Neto e Chico Prado - O Globo
O fim do imposto sindical, previsto pela reforma trabalhista para 2018,
tem potencial para provocar uma verdadeira reforma sindical no país,
segundo especialistas, caso o governo e as centrais sindicais não
encontrem uma fonte alternativa de receita. Nesse novo cenário,
sindicatos criados apenas para receber o imposto obrigatório, sem
qualquer representatividade junto aos trabalhadores, tendem a
desaparecer. Entidades que representam categorias semelhantes devem
concorrer entre si para atrair mais contribuintes e há até espaço para
fusões entre elas, dizem os especialistas. Também há oportunidade de
criação de novos tipos de sindicatos, por exemplo, para reunir pessoas
que trabalhem em home office.
— Hoje, muitos sindicatos estão distantes dos representados.
Há sindicatos relevantes como os dos metalúrgicos, metroviários e
bancários, que são exceções. Esses conseguem sobreviver porque as
adesões são muitas e espontâneas. De resto, sobra pouco — diz o sócio do
escritório Siqueira Castro Advogados e professor de Direito do Trabalho
da USP, Otávio Pinto e Silva.
HORA DE ‘MOSTRAR SERVIÇO’
Só
este ano, o volume de imposto sindical recolhido, referente a 2016,
somou R$ 3,5 bilhões. Os sindicatos recebem 60% desses recursos, e o
restante é dividido entre federações, confederações, centrais sindicais e
Ministério do Trabalho.
Na prática, o fim do imposto sindical obrigará as entidades a
“mostrar serviço” aos representados. Os sindicatos que conseguirem
maior representatividade e melhores negociações tendem a atrair mais
associados.
— Será preciso ampliar as campanhas de sindicalização. Mais
do que isso, será preciso mostrar serviço, provando que as conquistas
dos sindicatos, com acordos coletivos atraentes, são muito importantes —
afirma o especialista.
Uma das saídas para sindicatos que representam categorias
semelhantes seria uma fusão, dizem os especialistas. Atualmente, há
sindicatos diferentes para representar empregados de restaurantes de
fast-food e funcionários de restaurantes tradicionais. Para tornar a
entidade mais forte, uma alternativa, apontam os especialistas, seria a
união entre as duas representações.
Há 10.817 sindicatos de trabalhadores no Brasil, e a
distribuição geográfica mostra que a base das entidades é,
essencialmente, local e restrita a uma cidade ou pequena região. Hoje,
só 19,5% da população ocupada, o equivalente a 18,4 milhões de
brasileiros, são filiados. Os especialistas apontam o desconhecimento
como fator para a baixa filiação.
— Na base de cada sindicato, em média, há 1.603 filiados. A
estrutura é muito pulverizada, fragmentada, com a base territorial muito
restrita. O desconhecimento do trabalhador em relação à atuação dessas
entidades é a principal razão para a procura não ser maior — diz o
técnico do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) André Gambier
Campos, autor do estudo “Sindicatos no Brasil: o que esperar no futuro
próximo”, publicado em dezembro de 2016.
Para o professor de Economia do Insper, Sergio Firpo, a
mudança em curso abre espaço para o surgimento de sindicatos que podem
organizar sua base através de redes sociais. Pessoas que trabalham em
regime de home office poderiam ser representadas por essas entidades:
— Para essa categoria não há assembleia de porta de fábrica. As redes sociais surgem como alternativa de organização.
Firpo avalia que, como os acordos coletivos não poderão mais
ser questionados pela Justiça do Trabalho, como acontece atualmente,
com juízes dando vantagens aos trabalhadores em disputas judiciais com a
empresa, a negociação feita pelos sindicatos ganha mais importância.
— Essa mudança vai trazer mais concorrência entre os
sindicatos. Os sindicalistas terão que ter mais sensibilidade nas
negociações, levando em conta o momento econômico. Não adianta pedir um
reajuste de 20% dos salários, mas a empresa demitir boa parte dos
trabalhadores — diz Firpo.
Para profissionais que não têm contrato de trabalho com a
empresa, como é o caso dos motoristas do Uber, Firpo vê espaço para que
eles também se organizem e cobrem mudanças.
— O Uber é que presta um serviço aos motoristas, oferecendo
sua plataforma digital que permite a conexão entre o veículo e o
cliente. Não há contrato de trabalho e, portanto, juridicamente não
poderia haver sindicato formal que os represente legalmente. Mas nada
impede que eles se organizem em grupo, façam contribuições e consigam
pressionar a empresa por melhores condições de trabalho — diz Firpo.
Na internet, já existe um site que se destina a reunir
motoristas de Uber e se autodenomina como o sindicato dessa categoria. O
GLOBO tentou contato, mas não obteve resposta.
CENTRAIS NÃO TÊM PLANO B
Na
aprovação da Constituição de 1988, o modelo de sindicato já existente no
Brasil foi institucionalizado e cresceu na base da criação de muitas
categorias. Mas a “Convenção 87” da Organização Internacional do
Trabalho (OIT), de 1948, diz que cabe aos trabalhadores a escolha da
melhor maneira de se organizar.
Hoje, no Brasil, só o sindicato dos bancários pode
representar quem trabalha em banco. Uma das possíveis mudanças, no
futuro, seria cada trabalhador escolher quem será seu representante,
independentemente da categoria, dizem os especialistas.
Procuradas as centrais sindicais afirmam que não têm um
plano B para o custeio dos sindicatos se o governo não ajudar na criação
de uma alternativa ao fim dos imposto sindical. O presidente da União
Geral dos Trabalhadores, Ricardo Patah, por exemplo, não acredita que o
imposto sindical será extinto:
— Vamos fazer ações para conscientizar a sociedade sobre a
gravidade dessa lei (reforma trabalhista). Não podemos entender que o
Congresso acabe com o custeio dos sindicatos, e vamos dialogar pra
construir um custeio democrático. Não tem plano B.
O secretário-geral da Força Sindical, João Carlos Gonçalves,
o Juruna, preferiu esperar a discussão “amadurecer”, antes de pensar
num plano B para o fim do imposto. Segundo ele, a relação entre
empregado e trabalhador precisa ser fortalecida com a participação dos
sindicatos:
— Esse debate vai voltar a ocorrer dentro do Congresso. Não
queria falar de plano B porque trabalho com o seguinte quadro: quando o
Executivo mandou o projeto para o Legislativo, não tinha a retirada do
financiamento dos sindicatos. Foi o deputado relator do texto (Rogério
Marinho, do PSDB-RN) que acrescentou dezenas de pontos não previstos. Se
ficar assim, vai virar um problema para os trabalhadores.
O presidente da Nova Central Sindical de Trabalhadores
(NCST), José Calixto Ramos, comparou o custeio dos sindicatos, a partir
do imposto sindical, aos impostos que o governo usa para financiar áreas
essenciais.
— Será que o governo tem plano B para sustentar saúde,
educação e outras coisas? Precisamos dessa contribuição compulsória, mas
vamos discutir outros pontos da lei (reforma trabalhista). A luta pelo
imposto não invalida a luta por outros direitos trabalhistas, e o
sindicalismo vai sobreviver, com mais ou menos dificuldades.
Na semana passada, o presidente da Central Única dos
Trabalhadores (CUT), Vagner Freitas, disse que a alternativa de
contribuição que as demais centrais sindicais negociam com o governo,
com exceção da CUT, é defendida há décadas pela entidade. Mas, nem em
momentos de maior estabilidade política e econômica, a ideia saiu do
papel.
— Não conseguimos criar uma contribuição alternativa nem no
governo Lula. Somos contra o imposto sindical desde 1984 e apoiamos
contribuição com limite estabelecido, regras e ouvindo o trabalhador —
disse Freitas.
O presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, Wagner
Santana, defende o fim da contribuição sindical. Para Santana, a
definição do custeio das instituições deve seguir os critérios
escolhidos em cada sindicato:
— Cada um pode definir o que acha melhor, desde que tenha
assembleia com número mínimo de participantes. Defendo que qualquer
acordo coletivo só beneficie quem é associado ao sindicato.
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