Caso Santander: opiniões, direito, Antonio Obá e a resposta de Felipe Diehl
Olavo de Carvalho - MSM
O
caminho normal da formação de opiniões passa por três fases: partimos
de um SÍNTESE CONFUSA de várias impressões, em seguida procedemos à sua
ANÁLISE e por fim chegamos a uma SÍNTESE DISTINTA.
Esse trajeto, no Brasil, tornou-se proibitivo. Incapaz de análise,
cada um se apega à sua síntese confusa inicial e a defende com unhas e
dentes, batendo no peito com o orgulho sublime de ser um paladino da
verdade e da justiça.
Isso acontece EM TODO E QUALQUER DEBATE PÚBLICO DE QUALQUER ASSUNTO QUE SEJA.
Tudo palhaçada, teatro, pose e, no fim das contas, loucura.
O caso Santander não poderia ser exceção.
A eventual IMORALIDADE de uma obra artística ou literária pode ser
absorvida e transcendida pela sua forma estética, porque a finalidade
dela está na forma e não no mero assunto representado. Por isso é que
uma mesma obra pode ser interpretada segundo valores morais, políticos e
religiosos opostos entre si, sem que seja possível alegá-la,
conclusivamente, em favor de uns ou dos outros. Por isso há um
Dostoiévski marxista e um Dostoiévski reacionário, o mesmo acontecendo
com Balzac. Por isso há um Baudelaire cristão e um Baudelaire
anticristão, e haverá sempre.
Também por essa razão é que qualquer obra de real valor estético tem o
direito de ficar imune ao julgamento da censura de diversões públicas.
Totalmente diferente é o caso de uma obra que infrinja, não os meros
códigos morais majoritários (ou a censura de diversões públicas, o que
dá na mesma), mas a LEI PENAL VIGENTE. Nesse caso a qualidade artística
não exime o artista de culpabilidade, mas, ao contrário, a agrava. É o
que acontece com o ultraje a culto (art. 208 do C.P.). Se o próprio
conteúdo da obra constitui um vilipêndio a objeto de culto em vez de
simplesmente representar esse vilipêndio, absorvendo-o e neutralizando-o
na forma estética, a qualidade artística dessa obra já não constitui a
sua FINALIDADE, mas apenas o INSTRUMENTO usado para a prática do crime,
instrumento que configura e prova o intuito deliberado e doloso com que o
artista a produziu. Tanto mais deliberado e doloso quanto mais
aprimorada a forma artística.
Tanto os críticos quanto os defensores da exposição do Santander se
mostraram incapazes de fazer essa distinção, os primeiros oferecendo aos
segundos o subterfúgio capcioso de alegar-se vítimas de “censura”, os
segundos aproveitando-se gostosamente desse subterfúgio.
*
O que DEFINE o caráter estético de uma obra é justamente a
impossibilidade prática de julgá-la conclusivamente por um critério fora
do estético, toda tentativa nesse sentido resultando em conclusões
mutuamente contraditórias.
No caso das obras do Antonio Obá, no entanto, não existe a menor
possibilidade lógica de interpretá-las num sentido pró-cristão, como se
pode fazer, por exemplo, com os poemas de Baudelaire, cujo satanismo
jamais se saberá se é literal ou irônico, ou com os livros de Henry
Miller, que são imorais sob certo aspecto e altamente moralizantes por
outro.
Os quadros do referido pintor não desfrutam dessa ambiguidade
característica da obra estética: são decididamente e conclusivamente
anticristãos. O ultraje a culto, quando neles se manifesta, não é
simplesmente o seu assunto, mas a sua finalidade.
*
Nesse sentido, o Obá é um pintor, mas não um artista. Ele é um
propagandista de idéias, que usa a habilidade artística como mero
instrumento.
*
Até as peças de Bertolt Brecht, que na intenção eram pura propaganda
comunista, podem ser apreciadas fora e contra essa finalidade, o que
prova que, boas ou más, são obras de arte. Mas tire o anticristianismo
dos quadros do Obá. e eles ficarão totalmente esvaziados de sentido.
A finalidade dos quadros desse pintor é ofender o mais artisticamente possível a sensibilidade cristã. Nada mais.
*
Se o intuito de estimular a pedofilia é difícil de provar, de vez que
a mera representação pictórica não configura tomada de posição em favor
do objeto representado, o crime de ultraje a culto é um dado objetivo,
inegável e mais que demonstrado no caso do Santander, e é também uma
constante nas obras do Antonio Obá. Se o ultraje é “artístico” ou não, é
uma questão que pode ser debatida, inconclusivamente, até o fim dos
tempos. Esse debate faria sentido no caso de um ato de censura,
nas não na qualificação puramente penal do episódio. A exposição do
Santander não está sendo enquadrada em nenhum Código de Censura de
Diversões Públicas, e sim no Código Penal Brasileiro. O Art. 208 do
Código Penal não admite nenhuma ressalva artística e não tem NADA a ver
com considerações estéticas. Se o próprio Michelangelo Buonarotti saísse
do túmulo e pintasse um quadro de hóstias com a inscrição “cu”, ele
talvez não merecesse ter a sua obra censurada, mas sem a menor sombra de
dúvida estaria enquadrado no Art. 208. Mesmo porque o quadro não seria a
mera representação de um ultraje, e sim o próprio ultraje em ação,
exatamente como no caso presente: O artista, nesse episódio, não pintou
alguém escrevendo palavrões nas hóstias, mas ele mesmo tomou a
iniciativa de escrevê-los. Ele não está “representando” um crime, mas
cometendo-o. Isso é tão óbvio e patente que qualquer tentativa de
desconversa só pode ser canalhice ou estupidez.
*
No caso do Santander, não são só os defensores da exposição que
confundem, como verdadeiros retardados mentais, censura de diversões
públicas com enquadramento penal. Os próprios líderes do movimento
CONTRA a exposição já entraram em cena confundindo essas duas coisas,
dando margem, portanto, a que os santanderistas devotos posassem de
vítimas de censura.
O Roberto Campos dizia que a burrice, no Brasil, tinha um passado glorioso e um futuro promissor. O FUTURO JÁ CHEGOU.
*
O Felipe Diehl confirma honestamente o que eu disse a seu respeito. Parabéns pela sua franqueza, Felipe.
NOTA DE ESCLARECIMENTO
Nunca declarei, seja para a Época, seja para qualquer outro veículo
de imprensa, ser aluno do Prof. Olavo de Carvalho. Não declarei,
primeiro porque seria mentira (nunca me inscrevi no COF), segundo porque
sei o meu lugar e teria vergonha de me equiparar com isso a amigos que
são infinitamente mais inteligentes, capazes e dedicados do que eu. No
mundo olavético, sou um admirador genérico do professor como outros
tantos milhares que se limitaram a ler o Mínimo e compartilham seus
posts. Sei o meu humilde lugar.
De fato, afirmar que eu seja “devotado ao ideário” (seja lá o que
isso signifique) do Olavo de Carvalho não é a única imprecisão da
matéria da Época. Ela também atribui a mim uma camiseta que jamais usei e
reproduz a mentira mil vezes repetida da esquerda de que o Rafinha BK
teria agredido a Dep. Juliana Brizola (só se tiver sido com perigosas
perguntas), entre outras coisas.
Peço perdão ao Prof. Olavo se, ainda que involuntariamente, fui
motivo de constrangimento para ele. Tudo o que faço de bom ou de ruim,
de útil ou contraproducente, faço exclusivamente em nome deste
grosseirão de Uruguaiana aqui.
Nenhum comentário:
Postar um comentário