Expectativas sobre a procuradora-geral Raquel Dodge
A crise contaminou de aspectos políticos a
indicação por Michel Temer, mas o perfil dela não faz prever recuo no
combate à corrupção
O Globo
Depois que a procuradora-geral da República indicada, Raquel Dodge, passou
pela sabatina no Senado, em meados de julho, por acachapantes 74 votos a
1, Rodrigo Janot distribuiu um texto na instituição em que parabenizava
a sucessora e a alertava para desafios. Destacou que grupos poderosos
que se beneficiam de desvios de dinheiro público lutarão para manter
privilégios e barrar o combate à corrupção.
Correto o alerta, mas é certo que a sucessora de Janot conhece a
estrada que percorrerá. Respeitada no MP, também qualificada, com curso
de extensão em Harvard, desde 1987 no MP, Raquel passou por experiências
profissionais que a credenciam à luta contra o roubo do dinheiro
público. Atuante em áreas dos direitos humanos em sentido amplo
(indígenas, escravidão), Dodge, em 2009, coordenou a Operação Pandora,
que gerou cenas inesquecíveis em que políticos de Brasília recebiam
maços de dinheiro vivo, como sempre sem escrúpulos. Entre eles, o
governador, José Roberto Arruda, trancafiado a pedido de Dodge. Foi o
“mensalão do DEM”.
O alerta de Janot vem dos quatro anos dos dois mandatos consecutivos
como procurador-geral, durante os quais passaram por sua agenda de
trabalho fases-chave da Lava-Jato, lançada em março de 2014, e muitos
desdobramentos sérios da operação: denúncias de Lula, de Dilma, da
cúpula do PMDB no Senado, de um outro “quadrilhão, o do PT, e de
políticos de vários partidos, incluindo alguns denunciados que
dessacralizaram o PSDB, como Aécio Neves. Além de Temer.
As
circunstâncias da escolha de Raquel Dodge por Temer não foram felizes
para a procuradora. Menos pelo fato de, como não vinha sendo usual, ela
ter ficado em segundo lugar na lista votada por procuradores a ser
encaminhada ao presidente. Durante os governos do PT, sempre o mais
votado foi o indicado — por Lula e Dilma. Mas não havia, nem há,
obrigação legal de o indicado ser o mais votado. No caso da substituição
de Janot, isso não seria possível porque o vencedor, no voto, foi
Nicolao Dino, subprocurador eleitoral, voto contrário a Temer no
julgamento da chapa com Dilma no TSE, e ainda irmão do governador do
Maranhão, Flávio Dino (PCdoB), desafeto histórico do clã Sarney,
ex-presidente de enorme poder de influência no PMDB, partido de Temer.
Como já havia o choque entre o procurador-geral e o presidente, a
escolha de Raquel, que se opunha a Janot na PGR, foi entendida por
alguns como sinal de mudanças de rumo no combate à corrupção. Não é
crível. Porque os desencontros entre Dodge e Janot parecem mais de
método e de estilo gerencial do que de entendimento da essência do papel
do Ministério Público no Brasil de hoje.
Na montagem da equipe, Dodge emite sinais positivos: indica para a
força-tarefa da Lava-Jato, por exemplo, procuradores que pediram a
prisão preventiva de Geddel Vieira, pessoa de confiança do presidente
Temer, afastado do ministério e, hoje, preso.
Há extensa pauta a cumprir pela nova procuradora-geral, logo ao
assumir, com pedidos de indiciamento que chegarão à sua mesa de
políticos com foro privilegiado. Logo não haverá mais dúvidas acerca do
que Raquel Dodge entende sobre o papel da PGR nos dias de hoje.
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