Janot denuncia Temer sob acusação de organização criminosa e obstrução
REYNALDO TUROLLO JR., LETÍCIA CASADO, BELA MEGALE, CAMILA MATTOSO E ÂNGELA BOLDRINI - FSP
O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, denunciou ao STF
(Supremo Tribunal Federal) o presidente Michel Temer sob acusação de
obstrução da Justiça e participação em organização criminosa que teria
recebido ao menos R$ 587 milhões de propina.
A denúncia foi apresentada na tarde desta quinta-feira (14). Os
delatores Joesley Batista, um dos donos da JBS, e Ricardo Saud,
executivo do grupo, também foram denunciados, acusados dos mesmos
crimes. O procurador-geral pede ao STF que o caso deles seja desmembrado
e julgado em primeira instância pelo juiz federal Sergio Moro, já que
os acusados não têm foro privilegiado.
Presos temporariamente em Brasília, Joesley e Saud perderam a imunidade penal,
acordada com a PGR (Procuradoria-Geral da República) em maio, quando
assinaram a delação, porque Janot entendeu que agora surgiram indícios
de que eles omitiram informações relevantes –o que era vetado em uma
cláusula do acordo.
Foram acusados ainda os ex-deputados do PMDB Eduardo Cunha (RJ),
Henrique Alves (RN), Geddel Vieira Lima (BA), Rodrigo Loures (PR) e os
ministros Eliseu Padilha (Casa Civil) e Moreira Franco
(Secretaria-Geral). Segundo a denúncia, eles cometeram crimes em troca
de propina vinda de vários órgãos públicos como Petrobras, Furnas, Caixa
Econômica Federal, Ministério da Integração Nacional e Câmara dos
Deputados. Temer é apontado como o líder da organização criminosa desde
maio de 2016.
De acordo com a denúncia, o esquema permitiu que os denunciados
recebessem ao menos R$ 587 milhões de propina. "Para Janot, em maio de
2016, com a reformulação do núcleo político da organização criminosa
[que antes incluía também membros do PP e do PT], os integrantes do
'PMDB da Câmara', especialmente Michel Temer, passaram a ocupar papel de
destaque que antes havia sido dos integrantes do PT em razão da
concentração de poderes na Presidência da República", informou a PGR.
A acusação contra Temer de obstrução da Justiça refere-se ao suposto
aval dado pelo presidente para que a JBS comprasse o silêncio de Cunha e
do operador financeiro Lúcio Funaro, ambos presos.
Joesley, da JBS, gravou uma conversa com Temer na noite de 7 de março na
garagem do Palácio do Jaburu. No entendimento de Janot, o presidente
concordou quando Joesley contou que estava pagando a Cunha e Funaro para
que eles não contassem o que sabem sobre os esquemas ilícitos.
A acusação de envolvimento em organização criminosa resulta de uma
investigação sobre o suposto "quadrilhão do PMDB da Câmara". Relatório
da Polícia Federal concluído na segunda-feira (11) já havia indicado que
Temer tinha poder de comando nesse grupo e utilizava terceiros para executar tarefas sob seu controle.
Para que a denúncia contra o presidente possa virar uma ação penal, é
preciso a autorização de dois terços dos deputados da Câmara. Se houver
autorização, o Supremo poderá analisar a denúncia para julgar o seu
recebimento e abrir a ação. Só então Temer e os demais acusados virarão
réus. Durante eventual julgamento no STF, o presidente é afastado por
180 dias.
Essa é a segunda denúncia contra o Temer oferecida por Janot. Em junho,
na esteira da delação da JBS, a Procuradoria acusou o presidente de
corrupção passiva, por supostamente ter sido o real beneficiário de uma
mala com R$ 500 mil entregue pela JBS ao ex-deputado Rocha Loures.
HISTÓRICO
A nova denúncia faz um resgate de nomeações e cargos desde que Lula
venceu a eleição em 2002 e precisava ganhar apoio no Congresso. Sobre o
"PMDB da Câmara", "as negociações de apoio passaram a orbitar, por volta
de 2006, primordialmente em torno de dois interesses: a prorrogação da
Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF); e a
necessidade de ampliação da base do governo em razão do processo do
'mensalão', que havia enfraquecido o poder político da cúpula do Poder
Executivo integrada por membros do PT", segundo a PGR.
"Esses temas foram negociados por Michel Temer e Henrique Alves, na
qualidade de presidente e líder do PMDB, que concordaram com ingresso do
'PMDB da Câmara' na base do governo em troca de cargos chaves, tais
como a presidência de Furnas, a vice-presidência de Fundos de Governo e
Loterias na Caixa Econômica, o Ministério da Integração Nacional, a
Diretoria Internacional da Petrobras, entre outros. No dia 30 de
novembro de 2006, o Conselho Nacional do PMDB aprovou a integração da
legenda, em bloco, à base aliada do governo Lula", informou a
Procuradoria.
Segundo a PGR, "todos estavam interessados nos cargos públicos que lhes
garantissem a melhor rentabilidade em termos de arrecadação de propina".
Pela denúncia, o papel de negociar os cargos junto aos demais membros do
núcleo político da organização criminosa, no caso do "PMDB da Câmara",
era desempenhado por Temer de forma mais estável, por ter sido ele o
articulador para a unificação do partido em torno do governo Lula.
Depois de definidos os espaços que seriam ocupados pelo grupo, Temer e
Henrique Alves –que foi líder do PMDB de 2007 e 2013– eram os principais
responsáveis pela distribuição interna dos cargos, e por essa razão
recebiam parcela da propina arrecadada por Moreira Franco, Geddel,
Padilha e, especialmente, Cunha.
Padilha, Geddel, Alves, Moreira Franco e Rocha Loures têm relação
próxima e antiga com Temer, segundo a PGR, "daí porque nunca precisaram
se valer de intermediários nas conversas diretas com aquele".
"Eram eles que faziam a interface junto aos núcleos administrativo e
econômico da organização criminosa a respeito dos assuntos ilícitos de
interesse direto de Michel Temer, que, por sua vez, tinha o papel de
negociar junto aos demais integrantes do núcleo político da organização
criminosa os cargos a serem indicados pelo seu grupo e era o único do
grupo que tinha alguma espécie de ascensão sobre todos", segundo nota da
PGR.
"O procurador-geral informa que, além de praticar infrações penais no
Brasil, a organização criminosa adquiriu caráter transnacional, o que
pode ser demonstrado, principalmente, por dois de seus mecanismos de
lavagem de dinheiro: transferências bancárias internacionais, na maioria
das vezes com o mascaramento em três ou mais níveis para distanciar a
origem dos valores; e a aquisição de instituição financeira com sede no
exterior, com o objetivo de controlar as práticas de compliance e,
assim, dificultar o trabalho das autoridades."
Segundo Janot, a recente relação com a JBS demonstra que o grupo
continuava na ativa, o que permite denunciar Temer durante o exercício
do mandato.
"O negócio escuso firmado com o grupo J&F é prova cabal de que a
organização ora denunciada continuou suas atividades criminosas com o
término do governo Dilma [Rousseff], sendo que desde então os
integrantes do núcleo político do PMDB assumiram o protagonismo nessa
organização, em especial Michel Temer, em razão de ser hoje o chefe do
Poder Executivo Federal", afirmou o procurador na denúncia.
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