Vivemos os últimos dias de Janot, o cadáver adiado
Reinaldo Azevedo - FSP
Rodrigo Janot é hoje um "cadáver adiado que procria". Quando eu voltar a
publicar neste espaço, no dia 22, ele já será um ex-procurador-geral.
Estará, então, ainda que em férias, aboletado em algum órgão público,
provavelmente o STJ - que o homem tentou fazer seu refém -, para
conservar o foro especial, que seus soldadecos com cérebro de chumbo
chamam "privilegiado". Vai que um juiz de primeira instância mais
espevitado resolvesse mandar o doutor para a cadeia. Está morto, sim,
mas renderá frutos perversos por muito tempo.
Ao se despedir do Conselho Nacional do Ministério Público, no dia 5, o
doutor evidenciou ser capaz de ir além das flechas de bambu nas
metáforas da autolisonja. Comparou-se a Dom Duarte, um dos reis
portugueses (1433-1438) homenageados por Fernando Pessoa no livro
"Mensagem". E citou: "Cumpri contra o Destino o meu dever. /
Inutilmente? Não, porque o cumpri." Sei lá se colheu a coisa nesses
apanhados de frases pós-Google. Uma coisa é certa: ignora o papel
desempenhado pelo soberano de tão curto reinado. E não! Janot,
definitivamente, não veio de D. Filipa de Lencastre, a "Princesa do
Santo Graal", cujo seio "só gênios concebia".
"Cadáver adiado que procria"? É outro verso de "Mensagem", de um poema
em homenagem a Dom Sebastião. Emprega-se aqui, sabe o leitor pessoano, o
verso com uma ligeira torção de sentido. Mas está na medida para o
ainda procurador-geral. O processo de desinstitucionalização a que ele
conduziu o país, em parceria com setores do STF, vai nos custar caro por
alguns anos. Poderíamos, nesse tempo, cumprindo as regras do estado de
direito, ter conduzido reformas essenciais, inclusive contra a
roubalheira e impunidade, que estão longe de ser os únicos problemas
graves do país. Em vez disso, o que se tem é a proliferação de atos
atrabiliários tendentes a produzir ainda mais desordem.
Todos sabemos que virá à luz, saído literalmente de porões, conteúdo de
gravações quem vão degradar um pouco mais as instituições de uma país
que, apesar de tudo, insiste em crescer... O Brasil que produz é hoje
refém de celerados com concepções muito pessoais do que seja justiça,
que não encontram respaldo na lei. A esquerda xucra escoiceia a direita.
A direita xucra escoiceia a esquerda. Ambas se unem contra os
fundamentos da democracia liberal. Ao chegar ao poder, em 2003, o PT
percebeu que poderia avançar muito na captura do Estado e da sociedade.
Em vez de fortalecer instituições, resolveu aparelhá-las. Janot, meus
caros, é o fruto mais nefasto desse monstrengo, que hoje não poupa nem
seus criadores. Querem ver?
Lula voltou a Curitiba nesta quarta. Respondeu a perguntas de Sérgio
Moro e de Isabel Groba Vieira, "doutora, senhora, douta procuradora,
Rainha dos Raios". E, em tempos de "Game of Thrones", também "Mãe de
Dragões, Rainha de Mereen e Rainha dos Ândalos e dos Primeiros Homens". O
petista a chamou de "querida", mero vício de linguagem, e ela se
zangou. Também dava suspiros de impaciência quando o depoente não dava a
"resposta certa". Por duas vezes, ela se espantou que o réu não se
auto-incriminasse e não exibisse provas negativas a atestar sua
inocência. Presente, Moro, como se saído do seio de Dona Filipa de
Lencastre, garantia o cala-boca da defesa.
Segundo a denúncia do MPF, oito contratos da Odebrecht com a Petrobras
geraram a propina que Lula teria recebido na forma de um terreno e de um
apartamento. Doutora Groba, Rainha dos Ventos e dos Mares, não fez uma
miserável pergunta sobre os contratos. Dom Moro também não. A denúncia é
uma. As razões para condenar serão outras. Como no caso do tríplex. Na
grande imprensa, só este "direitista liberal" se ocupou da questão. É
que os esquerdistas estão muito ocupados tentando derrubar Temer, com a
ajuda de Janot, o cadáver adiado que procria. E os direitistas sabem que
Lula já nasceu com a língua presa e depois perdeu um dedo ou por
desídia ou por cálculo.
Ainda não é o fundo do poço, vocês verão. Quando chegarmos a ele, será a boa notícia.
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