O Brasil na inércia do lixão
Vinicius Torres Freire - FSP
"AS RUAS" é uma expressão que desapareceu das conversas, dos jornais,
das redes insociáveis. O país da gente comum está quieto, esquecido de
morder, como abstrato ao luar, parafraseando Drummond (sim, o poeta).
A cada dia estouram mais buracos dos canos do esgoto político-empresarial, mas o povo miúdo ou médio continua inerte.
Na prática, não reage às audácias dos gângsteres ou a privatizações, a
reformas trabalhistas, ao desemprego, a coisa alguma, até porque nem há
um bonde de protesto para tomar, uma força política organizada e
interessada em agitar.
A inércia não está apenas aí.
Credores do governo e donos do dinheiro em geral, o "mercado", dão
indícios de que acreditam nas melhorias tópicas da economia e em uma
estabilidade de curto prazo. Basta olhar previsões e preços do mercado financeiro até 2018 e mesmo 2019.
O povo dos mercados daqui está contaminado pela alegria de seus
confrades do dinheiro grosso do resto do mundo, decerto, mas não é só
isso.
Essas coisas que, por hábito nominalista, ainda chamamos de partidos
estão quase todas absortas em estratégias para fugir da polícia e se
virar nas eleições de 2018 ("O hábito é a coleira que prende o cão a seu
vômito", para fazer mais literatura, no caso Samuel Beckett, que
escreveu tal coisa tratando de Proust, mas passemos).
Estão soltas nas ruas as nossas eleições primárias avacalhadas e
precoces, a escolha tumultuária de candidatos a presidente: Alckmin ou
Doria, Lula ou o "B do PT", testes para saber quem será o grande
outsider ou aventureiro.
O núcleo principal do governo está na cadeia ou lá estaria, não fossem
mumunhas legais. Gente da cúpula dos Poderes trata de modo nada velado
de tiros em seus inimigos ou da morte deles, entre outras tantas
degradações da vida pública.
Foram os casos de Marco Aurélio Mello, ministro do STF, a respeito da
rixa com seu par Gilmar Mendes (sugeriu um duelo de pistolas); de Mendes
a respeito de Rodrigo Janot, procurador-geral da República de saída
(que saiba morrer, pois não soube viver). Nem é preciso resumir o jorro
contínuo de notícias da bandalheira.
Nas casas de estimativas econômicas e nos negócios futuros da finança se prevê uma paz de cemitério.
Desemprego alto quase estável até 2019, indústria muito ociosa por uns
dois anos e, portanto, juros baixos e estáveis por um tempo raramente
longo (juros reais, ora em 3%, ficariam por aí por dois, três anos).
Os povos dos mercados desligam do risco de revertério na finança
mundial; sabem, mas por ora deixam para lá, que as finanças públicas vão
agonizar a partir de 2019.
Sem reforma grande ou "milagre do crescimento" (do PIB), não vai haver
dinheiro para quase nada ou o "teto" de gastos vai cair. Isto é, ou a
coisa vai dar em cortes ainda piores de serviços públicos ou esta
presente moratória da crise fiscal, o "teto", tende a acabar em algum
tumulto financeiro.
O povo bestializado, o mercado embriagado e os candidatos ensimesmados
não conversam entre si e parecem desligados da destruição institucional e
dos enormes problemas restantes da ruína econômica.
Quem sabe o país tenha feito um arranjo para funcionar de outro modo, um mistério para este jornalista. Ou não.
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