O remédio é veneno
Depois que o estatismo e os gastos causaram a crise, usar as mesmas políticas é um desatino
O Globo
Parte do debate econômico brasileiro costuma ser contaminada por projetos
ideológicos, o que impede que argumentos sejam ouvidos, que a própria
realidade exerça seu papel pedagógico. Neste período de grande
turbulência, iniciado de forma mais nítida em 2014, ano da campanha de
reeleição de Dilma, e que vem até hoje, em que a economia se recupera,
mas não na velocidade desejada, fica exposta de maneira nítida esta
característica. O esgarçamento da situação política e econômica aguçou o
Fla-Flu na sociedade. Mas, em algum momento, verdades indiscutíveis se
imporão. Entende-se, porém, que a militância, de perfil religioso,
messiânico e sectário — à direita e à esquerda —, seja refratária a
reconhecer erros.
A presidente Dilma cometeu estelionato eleitoral ao se reeleger com
uma proposta estatista, mas já sabendo que esta via era equivocada.
Tanto que ela sofreu impeachment — ao descumprir a Lei de
Responsabilidade Fiscal e ainda manipular as contas públicas —, enquanto
ministros seus buscavam aplicar um arremedo de ajuste fiscal, termo
demonizado por ela e o PT.
Seu
próprio governo, pautado por teorias heterodoxas que não funcionam
mesmo repetidas inúmeras vezes — não é por falta de ensaio que falham,
mas por equívocos estruturais —, reconhecera que precisava arrumar as
contas públicas, depois de praticado o estelionato. A característica
religiosa e sectária da militância fica exposta quando defende curar a
recessão com o mesmo veneno que a provocou: mais gastos. Tudo é questão
de crença. Pois o desregramento de despesas, principalmente as
engessadas — previdência, outros gastos ditos sociais, salários do
funcionalismo —, o aumento da dívida pública também para turbinar
investimentos subsidiados, somados à concessão descuidada de incentivos
tributários ao consumo, com as famílias já endividadas, corroeram a
confiança dos empresários e não estimularam o consumo.
A economia, então, desacelerou, investimentos e consumo se retraíram,
enquanto a dívida e o déficit públicos, em relação ao PIB, decolaram. A
nota de risco de crédito do país caiu, foi para a faixa de “lixo”
(junk). Estima-se que do final do último governo Lula ao impeachment de
Dilma foram perdidos dez anos de boas práticas fiscais e monetárias. A
década perdida do PT.
O estrago é mastodôntico: o déficit público total (incluindo os
juros) está na faixa de 8% a 9% do PIB (3% é o máximo permitido na zona
do euro); e a dívida escala em direção a 90% do PIB. Medidas sensatas
tomadas pela equipe econômica do governo Temer, em direção oposta às de
Dilma, cortaram a espinha dorsal da inflação (em pouco mais de um ano,
ela caiu de dois dígitos para abaixo de 4%), e a economia já ensaia
alguma recuperação, depois que o PIB perdeu aproximadamente 8% em dois
anos, queda histórica.
Sem a reforma da Previdência, contra a qual PT, aliados e populistas
de direita estão unidos, não se irá longe, pois as contas públicas
continuarão em desequilíbrio estrutural. Tudo devido a visões
estatistas. Não entenderam o passado, não percebem o presente.
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