Delações cruzadas
A Operação Lava Jato está entrando em uma fase
interessante, em que as delações premiadas cumprem um papel mais
fundamental do que até agora tiveram. Delações reveladoras como a de
Antonio Palocci, ex-ministro e homem forte do governo Lula, são
fundamentais para fechar o cerco, confirmar suspeitas e encerrar
definitivamente as dúvidas em torno de acusações que até o momento
podiam ser tratadas pelos militantes como meras especulações, sem
provas.
Agora, Lula está tendo que se desvencilhar de fatos concretos
apontados por gente de seu círculo íntimo, e começa a demonstrar as
fragilidades de suas versões. Disse que não se lembra do homem que
comprou o apartamento vizinho ao seu e o “alugou” sem receber pagamentos
durante mais de três anos.
Tanta generosidade assim causa estranheza, ainda mais de um
desconhecido. Mas esse desconhecido, Glauco da Costa Marques, era amigo
de José Carlos Bumlai, um dos melhores amigos do ex-presidente, e foi
atendendo a seu pedido que ele comprou o apartamento, para que Lula não
tivesse um vizinho inconveniente. E não gastou um tostão de seu,
conforme admitiu para o juiz Sérgio Moro. Serviu como laranja, na
linguagem popular.
Lula não tem, ao que tudo indica, os comprovantes de que pagou o
aluguel nesses anos todos. Da mesma maneira, ao tentar desmentir que
tenha tido uma reunião com a presidente eleita Dilma a pedido da
Odebrecht, na qual acertou-se a continuidade do “relacionamento”
especial do governo petista, Lula disse que a reunião não durou nem 10
minutos.
Pela agenda que Palocci apresentou aos procuradores, no entanto, a
reunião foi detalhadíssima, com diversos assuntos elencados, inclusive
um item principal: o histórico da parceria. Também “disponibilizaram”
apoio no Congresso; fizeram uma exposição sobre a atuação no exterior
alinhada com a geopolítica brasileira (leia-se financiar os governos
bolivarianos com o mesmo esquema feito no Brasil, com obras
superfaturadas que estão sendo investigadas em diversos países da
América Latina).
Com Lula, houve uma agenda à parte em que constava o estádio do
Corinthians, obras no sítio, primeira palestra em Angola e Instituto
(Lula). É o tal “pacote de propina” a que aludiu Palocci, registrado na
agenda oficial da presidência. Se trataram disso em meia hora, são uns
gênios. Se trataram e não falaram em dinheiro, também são uns gênios.
Outra delação que está mexendo com os nervos de outro grupo, o do
PMDB instalado no Palácio do Planalto, é a de Geddel Vieira Lima. O
próprio Temer pretende assumir a coordenação dos trabalhos na Comissão
de Constituição e Justiça da Câmara, que vai receber a segunda denúncia
de Janot depois que o Supremo liberá-la.
Por si só é um escândalo que o presidente se reúna com deputados que
vão julgá-lo antes do julgamento. A ideia é apressar ao máximo os
trâmites na Câmara para que a votação não seja atropelada por uma
provável denúncia de Geddel, que já revelou a amigos que não aguenta
ficar preso “nem uma semana”.
O prazo já está expirando, e não há sinal de que conseguirá voltar à
prisão domiciliar. E há ainda a possibilidade concreta de delações
cruzadas de Joesley Batista e Ricardo Saud, cada qual temendo que o
outro o delate. Ela se insere no célebre Dilema do Prisioneiro da Teoria
dos Jogos, que os procuradores de Curitiba conhecem como poucos.
Os dois já foram separados, Joesley foi para São Paulo e o Ricardo
Saud para a prisão da Papuda, em Brasília. Além do fato de sua defesa
estar preocupada com a segurança dos dois, pois na Papuda estão presos
que Saud delatou, a separação dificulta uma combinação de ações e agora
cada um está por si, sem saber o que se passa na cabeça do outro. A
chance de que haja uma delação cruzada é grande, o que ajudaria as
investigações. Se cada um delatasse o outro, os dois ganhariam uma
redução de pena, mas nenhum está certo de que o outro o fará, e em que
termos. O dilema do prisioneiro trabalha a favor da Lava Jato.
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