segunda-feira, 18 de setembro de 2017

Lula em transe
Mais afetado pela recessão econômica, Nordeste é grande aposta do ex-presidente em pré-campanha
Com 6 milhões de novos pobres, economia poderá definir 2018
Fernando Canzian - FSP
O Brasil entrará na campanha eleitoral de 2018 com uma piora abrupta nos seus indicadores sociais e com o surgimento de quase 6 milhões de novos pobres por conta da crise econômica iniciada em 2014.
Mas a atual recuperação da economia, que tende a ganhar força no ano que vem, poderá favorecer as forças tradicionais da política, como PMDB e PSDB, partidos com mais emendas regionais, tempo de TV e fundos públicos para campanhas.
No Nordeste, que garantiu as quatro últimas vitórias do PT e onde Lula iniciou sua pré campanha em caravana de 20 dias martelando avanços em seu governo, a recuperação segue mais lenta.
Mesmo assim, especialistas identificam a região mais com “governismo” do que com “lulismo” ou petismo.
A melhora econômica também no Nordeste daqui em diante, emendas de parlamentares governistas e um reajuste quase certo do Bolsa Família em 2018, sustentam esses analistas, podem aumentar as chances de candidaturas aliadas ao governo Temer (PMDB) e minar a de “outsiders”, como Jair Bolsonaro (PSC).
Entre o fim de agosto e o início de setembro, a Folha viajou atrás da caravana de Lula pelo Nordeste e visitou dezenas de áreas atingidas severamente pela recessão.
O ex-presidente segue muito popular na região. Nos discursos, procurou vincular o cenário de crise ao “governo golpista de Michel Temer”, minimizando os erros da gestão de sua sucessora, Dilma Rousseff (PT).
A recessão iniciada no governo Dilma impôs o pior resultado para os pobres desde 1989, com a combinação de renda do trabalho em queda e piora na desigualdade por dois anos seguidos, em 2015 e 2016.
Como resultado, o total de novos pobres no país (renda domiciliar per capita até R$ 223) aumentou em 5,9 milhões de pessoas, a maior parte concentrada no Nordeste.
A crise levou a que sejam agora considerados pobres 11,2% população, ante 8,4% em 2014, quando o percentual caiu ao menor patamar.
Desde 2003, ano em que 27,9% da população era considerada pobre, o país não via a piora nesse indicador, segundo dados do FGV Social, da Fundação Getulio Vargas, coordenado pelo economista Marcelo Neri.
Além do aumento do total de pobres, a desigualdade social ainda segue piorando, principalmente por conta do desemprego e do Nordeste, onde Lula aposta suas fichas.
Nos dois últimos anos, enquanto a renda nacional caiu 1,7%, a dos nordestinos afundou 2,6%.
Para Mauro Paulino, diretor-geral do Datafolha, mesmo que lenta (e com defasagem no Nordeste), a recuperação econômica em curso deve mudar o foco da campanha em 2018 para temas como corrupção, segurança e saúde.
Paulino lembra que Lula, mesmo depois dos escândalos do PT, detém cerca de 30% das intenções de voto no país; e 48% no Nordeste, segundo maior colégio eleitoral com 27% dos votantes.
Para o economista Antonio Delfim Netto, apesar da forte recessão, seu impacto entre os mais pobres pôde ser amenizado pelas políticas de transferência de renda identificadas com Lula, como o Bolsa Família.
Delfim acha que se não ficar fora da corrida eleitoral por uma condenação na Justiça, “Lula estará no segundo turno”. “Será uma eleição com uns dez candidatos, e quem tiver 20% dos votos, deve ir para o segundo turno.”
Outros especialistas relativizam as chances de Lula e do PT no Nordeste, apesar do histórico de quatro vitórias determinantes na região nas últimas eleições.
Em três dessas vitórias (2006, 2010 e 2014), o PT de Lula detinha a máquina do governo federal, o que não ocorrerá desta vez.
GOVERNISMO
“O Nordeste não é petista, é governista, pois as administrações locais dependem muito do governo federal. Por isso, não me impressionaria nada se, em 2018, um candidato apoiado por Temer, que sabe articular e liberar emendas, tiver mais de 60% dos votos no Nordeste”, afirma Alexandre Rands, economista e presidente da Datamétrica, consultoria do Recife.
Como exemplo do peso federal no Nordeste, quando a caravana de Lula passou pelo Ceará no fim de agosto, o governo Temer anunciou R$ 49 milhões em investimentos para 33 obras do Estado, a maioria destinada a áreas sociais de grande impacto, como saúde e combate à seca.
Em 2018, é quase certo que o governo federal reajustará o Bolsa Família, não corrigido sequer pela inflação neste ano. Mais da metade de beneficiários do programa estão no Nordeste.
BANDEIRA DA INCLUSÃO
Para Marcus Melo, cientista político da Universidade Federal de Pernambuco, por conta do nível de pobreza no país, a “bandeira” da inclusão social é a que mais atrai votos.
“Lula se tornou muito popular no Nordeste por boas razões ao patrocinar forte inclusão. Mas qualquer incumbente de turno que promova transferências de renda e políticas para municípios terá apoio”, diz.
“Há uma adesão racional a quem quer que ofereça um aumento do bem-estar.”
Melo argumenta ainda que, sem financiamento privado na corrida de 2018, a provável união de partidos como PMDB e PSDB ficará com a maior parte dos fundos públicos de campanha e tempo de TV, além da “caneta presidencial”.
Para Sérgio Vale, economista-chefe da MB Associados, a melhora da economia em 2018 também deverá favorecer candidaturas governistas e tenderá a minar o discurso da oposição e do PT, de que “a crise é de Temer”.
Na última semana de sua caravana pelo Nordeste, enquanto Lula responsabilizava Temer pela crise, o IBGE anunciou novo crescimento do PIB no segundo trimestre e melhora no mercado de trabalho, com 721 mil pessoas a menos na fila por um emprego.
Na semana seguinte, em que Lula prestou mais um depoimento à Justiça em Curitiba, a Bolsa atingiu novo recorde numérico, fechando acima dos 74 mil pontos.
No Nordeste, eleitores identificam ex-presidente Lula com ‘rouba, mas faz’
Entre os eleitores nordestinos que participaram de todos os pleitos em que Luiz Inácio Lula da Silva (PT) concorreu, 53% votaram nele em todos. Na média nacional, esse percentual é de 38%, segundo o Datafolha.
No segundo turno em 2014, Dilma Rousseff (PT) derrotou Aécio Neves (PSDB) nos nove Estados nordestinos, com sete em cada dez eleitores (71,7%) votando nela (foram 51,6% na média do país).
Foi com base nessa preferência regional que Lula, 71, iniciou pelo Nordeste sua pré-campanha eleitoral no final de agosto, apelando ao eleitorado mais pobre que o aclamou espontaneamente em passagem por estradas ou em comícios pré-arranjados.
Nos anos Lula e em parte do governo Dilma, o Nordeste foi a região que mais cresceu no país a reboque de programas sociais, aumentos acima da inflação para o salário mínimo e formalização do emprego.
Hoje, é a que se recupera mais lentamente, também por conta da frustração de grandes investimentos, como no porto de Suape e na refinaria de Abreu e Lima em Pernambuco, alvo de corrupção na Petrobras.
POBREZA E ADORAÇÃO
Quase sete anos depois de deixar a Presidência, Lula ainda segue identificado com essa melhora no Nordeste.
Na região, 55% das famílias passam o mês com menos de dois salários mínimos (R$ 1.874); e ali estão mais da metade (6,7 milhões) dos cadastrados do Bolsa Família, implementado por Lula.
Embora ainda seja adorado por conta do programa e de outros como Prouni e Luz Para Todos, o brilho do petista está mais associado hoje ao seu passado do que ao presente, marcado por acusações de corrupção.
Vários de seus eleitores se dizem com “um pé atrás” diante dos “rolos de Lula”. Mesmo assim, prometem votar nele novamente caso logre ser candidato.
“Está tudo errado, com muita gente escondendo muitas coisas. Se for colocar contra a parede ou no ventilador, todo mundo sai. Mas se for para escolher, que fique quem realmente já fez. Um exemplo: o Lula”, diz Lurdes Souza, 24.
Ex-caixa de supermercado, Lurdes perdeu seu emprego formal na crise e hoje vende badulaques religiosos no santuário do Padre Cícero em Juazeiro do Norte (CE).
Ela conta que nos anos Lula pôde comprar duas motos e a mãe, uma geladeira nova. Hoje, não consegue emprego formal e abandonou por ora os planos de entrar na faculdade.
Em sua peregrinação no Nordeste, Lula foi estridente ao associar o “governo golpista de Michel Temer” à crise econômica; na realidade, engendrada por Dilma. E gastou muito tempo em comícios no papel de “perseguido das elites”.
Para esse público, o petista prometeu trazer de volta a prosperidade interrompida a partir de 2014.
Como disse no Maranhão, mesmo que às custas de mais gastos públicos e de um aumento acima do equivalente a 80% na relação dívida pública/PIB (hoje em 74% e subindo, como consequência da crise fiscal).
Seu discurso faz eco especialmente entre os que viveram os melhores anos da década passada, como membros de duas famílias pobres que a Folha acompanha desde 2005 na comunidade do Suvaco da Cobra, em Jaboatão dos Guararapes (PE).
“Esse é o momento mais difícil que estamos vivendo”, diz Pedro Silva, 67, sobre esse longo período. “Na época de Lula havia erro, mas tinha trabalho. E hoje não tem.”
VOTOS EM LULA E TEMER
Pai de quatro filhos que cresceram beneficiados pelo Bolsa Família, Pedro chorou ao contar como Alan, 17, precisou trocar o plano da faculdade de engenharia por um bico num mercado em troca de R$ 820 mensais (o plano é juntar dinheiro para a matrícula e parte das mensalidades futuras).
Em 2018, Alan vai votar pela primeira vez. “Se o Temer for candidato, voto nele. O governo dele é bom.”
Questionado sobre as acusações de corrupção contra o presidente, diz: “Todo presidente vai roubar”.
Sobre a fidelidade do pai a Lula, Alan comenta que “mesmo se filmarem ele roubando o dinheiro de alguém, o voto dele é Lula”.
O voto de Sueli Dumont, 44, também seguida pela reportagem há anos, será igualmente em Lula.
A desconfiança em relação à honestidade do petista é superada pela memória recente da melhora de vida.
Na vizinha Recife, onde mora em palafitas que brotaram nesta crise, o desempregado e pai de três filhos no Bolsa Família Leandro Nascimento, 32, diz que votaria em Lula em 2018. Isso mesmo que guardando “um pé atrás” por conta das denúncias de corrupção que atingem o petista.
Os cearenses Sandra Lira, 34, e o marido, João Helio, 45, pensam da mesma maneira.
“O povo vê tanta conversa na televisão que a pessoa fica com medo de certas coisas”, diz Sandra a respeito das suspeitas contra Lula.
Beneficiária de R$ 554 mensais do Bolsa Família em razão de seus oito filhos, Sandra diz que “pode ser” que vote mais uma vez no petista, o preferido do marido desempregado.
Na conversa, o casal se confundiu quanto a Lula ter sido “prefeito”, “governador” ou presidente do Brasil.
Falta de produtividade comprometeu o ritmo de queda na desigualdade
A crise recente trouxe o pior resultado desde 1989 no processo de diminuição da desigualdade no país monitorado pelo FGV Social.
“Foi um desastre, mas a crise veio após anos muito positivos no mercado de trabalho e alguns programas sociais”, diz Marcelo Neri, diretor do FGV Social. “Em termos de pobreza, voltamos a 2012, mas não a 2003.”
Até a crise, diz, “tudo jogou a favor: desemprego em queda, mais formalidade, arrecadação e renda em alta e a desigualdade caindo”.
“Nesse ínterim, o ‘motor do navio’ quebrou e batemos na ‘ilha fiscal’. Daí a necessidade de reformas”, diz, sobre o rombo nas contas públicas.
Neri afirma que, apesar dos bons resultados até a crise, não houve ganhos de produtividade para tornar o processo sustentável.
Mais educação também não suscitou melhora da capacidade produtiva e a maior expectativa de vida, mudanças na Previdência.
Pelos critérios do FGV Social, até a crise, quanto mais pobre, maior foi a melhora na renda, o que levou à diminuição da desigualdade.
Estudos recentes incorporando a base de dados do IR dos 10% mais ricos alegam que a desigualdade não caiu no Brasil no período de 2007 a 2015.
Com esse ajuste dos dados, a desigualdade entre brasileiros seria maior e cairia menos. Por outro lado, diz Neri, “seguindo este mesmo ajuste dos dados, a renda média do brasileiro seria maior e cresceria mais”.
“Se temos mais desigualdade, temos também mais crescimento. A renda de quem declara IR subiu três vezes mais que o PIB.”
Outro indicativo da queda na desigualdade seria que, entre 2003 e 2014, enquanto o PIB aumentou 28% e a renda média dos brasileiros, 62%, o comércio cresceu 112%.
“Em que pese o aumento no crédito, o que explica a diferença entre a alta do PIB e o comércio é a combinação de menos desigualdade com mais renda. Sem isso, a conta não fecha”, diz Neri.

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