Mudar, com pé no chão e visão de futuro
FERNANDO HENRIQUE CARDOSO - O Estado de S.Paulo
As pesquisas eleitorais estão a indicar que os eleitores
começam a mostrar cansaço. Fadiga de material. Há 12 anos o lulopetismo
impõe um estilo de governar e de se comunicar que, se teve êxito como
propaganda, demonstra agora fragilidade. Toda a comunicação política foi
centralizada, criou-se uma rede eficaz de difusão de versões e
difamações oficiais pelo País afora, os assessores de comunicação e
blogueiros distribuem comunicados e conteúdos a granel (pagos pelos
cofres públicos e empresas estatais) e se difundiu o "Brasil maravilha",
que teria começado em 2002. Ocorre que a realidade existe e às vezes se
produz o que os psicólogos chamam de "incongruências cognitivas".
Enquanto os efeitos das políticas de distribuição de renda (criadas
pelos tucanos) eram novidade e a situação fiscal permitia aumentos
salariais sem acarretar consequências negativas na economia, tudo bem. O
cântico de louvor da propaganda encontrava eco na percepção da
população.
Desde as manifestações de junho passado, que pegaram governo,
oposição e sociedade de surpresa, deu para ver que nem tudo ia bem. A
insatisfação estava nas ruas, a despeito das melhorias inegáveis do
consumo popular e de alguns avanços na área social. É que a própria
dinâmica da mobilidade social e da melhoria de vida e, principalmente, o
aumento da informação geram novas disposições anímicas. As pessoas têm
novas aspirações e veem criticamente o que antes não percebiam. Começam a
desejar melhor qualidade, mais acesso aos bens e serviços e menos
desigualdade.
O estopim imediato da reação popular foram os gastos da Copa, o custo
do transporte, a ineficiência, a carestia e a eventual corrupção nas
obras públicas. Ao lado disso, a péssima qualidade do transporte urbano,
da saúde, da educação, da segurança, tudo de cambulhada. Nada é novo,
nem a reação provocada por esse mal-estar se orientou, de início, contra
um governo específico ou um partido. Significou o rechaço de tudo o que
é autoridade. Na medida em que o governo federal reagiu propondo
"pactos", que não deslancharam, e vestiu a carapuça, a tonalidade
política mudou um pouco. Mas o rescaldo dos protestos - e não esqueçamos
que eles têm causas - foi antes a criação de um vago sentimento
mudancista do que um movimento político com consciência sobre o que se
quer mudar.
Os donos do poder e da publicidade perceberam a situação e se
aprestam a se apresentar com máscaras novas. Só que talvez a população
queira eleger gente com maior capacidade organizacional e técnica, que
conheça os nós que apertam o País e saiba como desatá-los. Essa será a
batalha eleitoral do ano em curso. O petismo, solidário com os
condenados do mensalão a ponto de coletar "vaquinhas" para pagar as
dívidas deles, porá em marcha seus magos para dizer aos eleitores que
são capazes da renovação.
E a oposição? Terá de desmascarar com firmeza, simplicidade e clareza
truque por truque do adversário e, principalmente, deverá mostrar um
caminho novo e convencer os eleitores de que só ela sabe trilhá-lo. Os
erros da máquina pública, seu custo escorchante, a incompetência
política e administrativa estão dando show no dia a dia. As falhas
aparecem nas pequenas coisas, como na confusão armada a partir de uma
simples parada da comitiva presidencial em Lisboa, e nas mais graves,
como o inexplicável sigilo dos gastos do Tesouro para financiar obras em
"países amigos". Isso abriu espaço, por exemplo, para o futuro
candidato do PSDB dizer, com singeleza: "Uai, pena que a principal obra
da presidente Dilma tenha sido feita em Cuba, e não no Nordeste, tão
carente de infraestrutura". Sei que há razões estratégicas a motivar
tais decisões. Mas na linguagem das eleições o povo quer saber "quanto
do meu foi para o outro". E disso se trata: em quem o eleitor vai
confiar mais para que suas expectativas, seus valores e interesses sejam
atendidos.
Daí que a oposição deve concentrar-se no que aborrece o povo no
cotidiano, sem desconhecer os erros macroeconômicos, que não são poucos.
Quanto à insegurança causada pela violência e pelo banditismo, é
preciso reprimi-los e está na hora de o PSDB apresentar um plano bem
embasado de construção de penitenciárias modernas, inclusive algumas sob
a forma de parcerias público-privadas, como foi feito em Minas Gerais. É
o momento para refazer a Lei de Execuções Penais e incentivar os
mutirões que tirem das prisões quem já cumpriu pena, como também pôr
fim, como está fazendo São Paulo, às cadeias em delegacias e, ainda,
incentivar os juízes à adoção de penas alternativas.
Não será possível, sem negar eventuais benefícios de mais médicos,
mostrar que a desatenção às pessoas, as filas nos hospitais, a demora na
assistência aos enfermos, nada mudou? E que isso se deve à
incompetência e à penetração de militantes partidários na máquina
pública?
Por que não mostrar que o festejado programa Minha Casa, Minha Vida
tem um desempenho ruim quando se trata de moradias para a camada de
trabalhadores também pobres, mas cuja renda ultrapassa a dos menos
aquinhoados, teoricamente atendidos pelo programa? Sobra uma enorme
parcela da população trabalhadora sem acesso à casa própria, tendo de
pagar aluguéis escorchantes.
Isso para não falar de um estilo de governo mais simples, mais
honesto, que diga a verdade, mostre os problemas e não se fie no estilo
"Brasil maravilha". De um governo mais poupador de impostos,
reduzindo-os para todos e não apenas para beneficiar as empresas
"campeãs" ou "estratégicas". As oposições precisam ser mais específicas e
mostrar como reduzirão os absurdos 39 ministérios, como eliminarão o
inchaço de funcionários e fortalecerão critérios profissionais para as
nomeações. Também chegou a hora de uma reforma política e eleitoral. Não
dá para governar com 30 partidos, dos quais boa parte não passa de
legenda de aluguel.
Em suma, está na hora de mudar e quem tem a boca torta pelo cachimbo
da conivência com a corrupção, o desperdício e a incompetência
administrativa, por mais que faça mímica, não é capaz dessa proeza. O
passado recente teve suas virtudes, mas se esgotou. Construamos um
futuro de menos arrogância, com realismo e competência, que nos leve a
dias melhores.
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