domingo, 2 de fevereiro de 2014

Cresce número de brasileiros presos na Turquia por tráfico
Nos últimos 18 meses, 25 foram detidos ao entrar no país como 'mulas', levando cocaína dentro do corpo
Metalúrgico que receberia R$8.000 para levar droga conta como são os dias na prisão turca, de onde só deve sair em 2018 
FABIANO MAISONNAVE - FSP
O metalúrgico paulista Rubens Souza (nome fictício) tinha 22 anos quando vislumbrou uma forma de ganhar dinheiro fácil e, de quebra, viajar sem pagar. Bastava engolir 1 kg de cocaína, ir até a Turquia e "descarregar". Em troca, receberia R$ 8.000, passagens e roupas.
O rapaz da zona leste de São Paulo preenchia os requisitos exigidos pelo traficante nigeriano apresentado por um amigo que já era "mula": sem antecedentes criminais, jovem e de "boa aparência".
Em 24 de setembro de 2009, o sonho de Souza desmoronou logo ao desembarcar no aeroporto internacional de Istambul.
Detido, foi revistado e levado a um hospital para fazer radiografia. Em dois dias já estava na Casa de Detenção de Maltepe --e só deve sair em 2018, aos 30 anos.
"As pessoas que trabalham com isso sabem escolher bem as vítimas", escreveu Souza, em carta enviada à Folha da prisão, no início de janeiro. "Trabalham sobre o psicológico, convencem de que não há risco de ser preso e/ou de complicações de saúde. Compram roupas, sapatos, mala e, às vezes, antecipam parte do pagamento", afirma.
"Muitos dizem que é dinheiro fácil', mas a palavra certa é dinheiro rápido'", diz. O processo de ingestão das cápsulas exige muito da pessoa, afirma, pois são do tamanho do polegar de uma mulher. "Tem de passar dentro de um avião, no mínimo, 12 h sem poder usar o banheiro nem comer nada."
Na cadeia, Souza foi colocado junto com o único brasileiro que já estava ali, em pavilhão com presos de Kosovo, Rússia e Romênia.
Desde então, a companhia tem aumentado: já são 46 brasileiros em prisões turcas, sendo 21 mulheres e três crianças nascidas no cárcere. Desse total, 25 foram presos nos últimos 18 meses, segundo o consulado do Brasil em Istambul. Todos por tráfico de cocaína. Só na unidade de Souza, são 17 brasileiros.
As penas para esse crime são duras na Turquia, variando de 10 a 15 anos de prisão, embora seja possível sair antes. Souza foi condenado a 12 anos e 6 meses, mas deve cumprir 8 anos e 4 meses.
ROTINA NA PRISÃO
Hoje o decano da prisão, ele acompanhou o sofrimento de cada brasileiro que chegava. "Muitos são pais. Alguns foram presos com a mulher grávida."
A vida na prisão é difícil. Para comprar itens básicos, depende dos €100 enviados todo mês pelo pai, que é motorista em São Paulo.
"A água que sai da torneira é insalubre. Quem não tem condições de comprar água mineral sofre complicações intestinais, de epiderme, entre outras", escreveu. Todo material de higiene tem de ser comprado pelo detento.
O contato com o exterior é restrito: só um telefonema semanal de dez minutos a um custo de R$ 13.
O pai reclama que a ligação é muito ruim. A última vez que os dois se falaram foi há dois meses. No seu modesto apartamento na zona sul, ele guarda uma pintura feita pelo filho e fotos feitas na prisão, em que ele aparece com a bandeira do Brasil ao lado de compatriotas.
"Na primeira carta, ele me pediu desculpas, disse que eu não tinha culpa nenhuma e que antes não imaginava o amor que tinha pela família."
Segundo o rapaz, o maior desejo dos brasileiros é cumprir pena no Brasil, perto da família e pelas leis brasileiras. Souza diz que a situação só não é pior devido ao atendimento consular brasileiro.
Brasil e Turquia assinaram um acordo de extradição em outubro de 2011, mas não há prazo para a implementação. Segundo fontes diplomáticas, deve ser enviado em breve ao Congresso pela Presidência.
Na segunda-feira, a Folha solicitou o número de brasileiros presos no exterior por narcotráfico ao Itamaraty, porém o órgão não dispõe desses dados no momento.

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