Nos últimos 18 meses, 25 foram detidos ao entrar no país como 'mulas', levando cocaína dentro do corpo
Metalúrgico que receberia R$8.000 para levar droga conta como são os dias na prisão turca, de onde só deve sair em 2018
FABIANO MAISONNAVE - FSP
O metalúrgico paulista Rubens Souza (nome fictício) tinha 22 anos quando
vislumbrou uma forma de ganhar dinheiro fácil e, de quebra, viajar sem
pagar. Bastava engolir 1 kg de cocaína, ir até a Turquia e
"descarregar". Em troca, receberia R$ 8.000, passagens e roupas.
FABIANO MAISONNAVE - FSP
O rapaz da zona leste de São Paulo preenchia os requisitos exigidos pelo traficante nigeriano apresentado por um amigo que já era "mula": sem antecedentes criminais, jovem e de "boa aparência".
Em 24 de setembro de 2009, o sonho de Souza desmoronou logo ao desembarcar no aeroporto internacional de Istambul.
Detido, foi revistado e levado a um hospital para fazer radiografia. Em dois dias já estava na Casa de Detenção de Maltepe --e só deve sair em 2018, aos 30 anos.
"As pessoas que trabalham com isso sabem escolher bem as vítimas", escreveu Souza, em carta enviada à Folha da prisão, no início de janeiro. "Trabalham sobre o psicológico, convencem de que não há risco de ser preso e/ou de complicações de saúde. Compram roupas, sapatos, mala e, às vezes, antecipam parte do pagamento", afirma.
"Muitos dizem que é dinheiro fácil', mas a palavra certa é dinheiro rápido'", diz. O processo de ingestão das cápsulas exige muito da pessoa, afirma, pois são do tamanho do polegar de uma mulher. "Tem de passar dentro de um avião, no mínimo, 12 h sem poder usar o banheiro nem comer nada."
Na cadeia, Souza foi colocado junto com o único brasileiro que já estava ali, em pavilhão com presos de Kosovo, Rússia e Romênia.
Desde então, a companhia tem aumentado: já são 46 brasileiros em prisões turcas, sendo 21 mulheres e três crianças nascidas no cárcere. Desse total, 25 foram presos nos últimos 18 meses, segundo o consulado do Brasil em Istambul. Todos por tráfico de cocaína. Só na unidade de Souza, são 17 brasileiros.
As penas para esse crime são duras na Turquia, variando de 10 a 15 anos de prisão, embora seja possível sair antes. Souza foi condenado a 12 anos e 6 meses, mas deve cumprir 8 anos e 4 meses.
ROTINA NA PRISÃO
Hoje o decano da prisão, ele acompanhou o sofrimento de cada brasileiro que chegava. "Muitos são pais. Alguns foram presos com a mulher grávida."
A vida na prisão é difícil. Para comprar itens básicos, depende dos €100 enviados todo mês pelo pai, que é motorista em São Paulo.
"A água que sai da torneira é insalubre. Quem não tem condições de comprar água mineral sofre complicações intestinais, de epiderme, entre outras", escreveu. Todo material de higiene tem de ser comprado pelo detento.
O contato com o exterior é restrito: só um telefonema semanal de dez minutos a um custo de R$ 13.
O pai reclama que a ligação é muito ruim. A última vez que os dois se falaram foi há dois meses. No seu modesto apartamento na zona sul, ele guarda uma pintura feita pelo filho e fotos feitas na prisão, em que ele aparece com a bandeira do Brasil ao lado de compatriotas.
"Na primeira carta, ele me pediu desculpas, disse que eu não tinha culpa nenhuma e que antes não imaginava o amor que tinha pela família."
Segundo o rapaz, o maior desejo dos brasileiros é cumprir pena no Brasil, perto da família e pelas leis brasileiras. Souza diz que a situação só não é pior devido ao atendimento consular brasileiro.
Brasil e Turquia assinaram um acordo de extradição em outubro de 2011, mas não há prazo para a implementação. Segundo fontes diplomáticas, deve ser enviado em breve ao Congresso pela Presidência.
Na segunda-feira, a Folha solicitou o número de brasileiros presos no exterior por narcotráfico ao Itamaraty, porém o órgão não dispõe desses dados no momento.
Nenhum comentário:
Postar um comentário