O maior perigo para a humanidade: nossa recorrente paixão pelo autoritarismo
Ludwig von Mises - IMB
É inegável que, nos dias de hoje, ditadura,
intervencionismo e socialismo são extremamente populares. Nenhum
argumento lógico parece conseguir enfraquecer essa popularidade. O
fanatismo impede que os ensinamentos da teoria econômica sejam ouvidos, a
teimosia impossibilita qualquer mudança de opinião e a experiência histórica
não serve de base para nada.
Para compreender as raízes dessa rigidez
mental, devemos nos lembrar de que as pessoas sofrem e se sentem infelizes e
frustradas porque as coisas nem sempre se passam da maneira como elas
gostariam. O homem nasce como um ser egoísta, um ser não-sociável, e
é só com a vida que ele aprende que sua vontade não é a única nesse mundo; existem
outras pessoas que também têm suas vontades. A vida e a experiência
irão lhe ensinar que, para realizar os seus planos, ele terá de encontrar o seu
lugar na sociedade, terá de aceitar as vontades e os desejos de outras pessoas
como um fato consumado, e terá de se ajustar a esses fatos se quiser chegar a
algum lugar.
A sociedade não é aquilo que o indivíduo
gostaria que fosse. Todo indivíduo tem a respeito de seus
conterrâneos uma opinião menos favorável do que a que tem sobre si próprio. Ele
se julga possuidor do direito natural de ocupar na sociedade um lugar melhor do
que aquele que efetivamente ocupa. Ele se
julga digno de estar em uma classe social mais elevada. Só que
diariamente o presunçoso — e quem está inteiramente livre da presunção? — sofre
novas decepções. E diariamente ele aprende, nem sempre de maneira
pacífica e corriqueira, que existem outras vontades além da sua.
Para se blindar dos efeitos mentalmente
devastadores destas seguidas decepções, o neurótico se refugia em sonhos
encantados. Mais especificamente, ele sonha com um mundo no qual apenas
a sua vontade é decisiva e é implantada sem restrições. Neste seu mundo
onírico, ele é o ditador. Só aquilo que
tiver a sua aprovação pode acontecer. Somente ele pode dar ordens;
os outros apenas obedecem. Sua razão é suprema.
Neste mundo secreto de ilusões, o neurótico
pensa ser um César, um Genghis Khan ou um Napoleão. Mas, na vida
real, quando fala com os seus conterrâneos, tem de abaixar a cabeça e ser mais
modesto. Sendo assim, perante essa sua irremediável insignificância,
ele tem de se contentar em apoiar uma ditadura comandada por outra pessoa. Não importa se tal ditadura seja em seu
próprio país ou em um outro distante: em sua mente, este ditador está ali apenas
para efetuar as suas (do neurótico) vontades.
Trata-se de uma mistura de psicopatia com megalomania.
Nenhum indivíduo jamais apoiou uma ditadura
que fizesse coisas opostas às que ele considera certas. Quem apóia uma ditadura o faz por achar que o
ditador está fazendo o que, na opinião deste indivíduo, tem de ser feito.
Quem apóia ditaduras tem sempre em mente o desejo irrefreável de dominar seus
conterrâneos de forma irrestrita, e impor a eles todas as suas vontades — ainda
que tal serviço seja feito por outra pessoa.
O defensor de ditaduras costuma ter um carinho
específico pela expressão "planejamento econômico" — ou "economia
planejada" —, a qual, particularmente nos dias de hoje, é um pseudônimo de
socialismo. Neste arranjo, qualquer coisa que as pessoas queiram
fazer tem de ser primeiramente aprovada e planejada. Estes que, assim
como Marx, rejeitam a "anarquia da produção" e pretendem substituí-la pelo "planejamento",
desprezam profundamente a livre iniciativa, as vontades e os planos das outras
pessoas. Somente uma vontade deve prevalecer, somente um plano deve
ser implementado: aquele que tem a aprovação do neurótico; o plano que ele
considera correto, o único plano. Qualquer
resistência deve ser subjugada e sobrepujada; nada deve impedir o neurótico de
tentar ordenar o mundo de acordo com seus próprios planos. Todos os meios que façam prevalecer a suprema
sabedoria do lunático devem ser utilizados.
Essa é a mentalidade das pessoas que, certa
vez, em uma exposição das pinturas de Manet em Paris, exclamaram:
"a polícia não deveria permitir isso!" Essa é a mentalidade das pessoas que
constantemente bradam: "deveria haver uma lei contra isso!"
E, quer elas admitam ou não, esta é exatamente
a mentalidade de todos os intervencionistas, socialistas e defensores das
ditaduras. Há apenas uma coisa que eles odeiam mais do que o
capitalismo: um intervencionismo, um socialismo ou uma ditadura que não
corresponda a todas as suas vontades. Daí a briga apaixonada entre
comunistas e nazistas; entre os partidários de Trotsky e
os de Stalin; entre os seguidores de Strasser e os de Hitler.
A liberdade e o sistema econômico
O principal argumento contra a proposta de se
instituir um regime socialista é o de que, no sistema socialista, não há espaço
para a liberdade individual. Socialismo, argumenta-se, é o mesmo que
escravidão. Não há como negar a veracidade desse
argumento. Onde o governo controla todos os meios de produção, onde
o governo é o único empregador e tem o direito de decidir que treinamento as
pessoas deverão receber, onde e como deverão trabalhar, o indivíduo não é
livre. Tem o dever de obedecer e não tem direitos.
Os defensores do socialismo nunca conseguiram
apresentar uma refutação efetiva a esse argumento. Retrucam dizendo apenas
que, na economia de mercado, há liberdade apenas para os ricos, e não para os
pobres; e que, por uma liberdade desse tipo, não valeria a pena renunciar às
supostas vantagens do socialismo.
Ocorre que os homens são diferentes,
desiguais. E sempre o serão. Alguns são mais dotados em determinado
aspecto, menos em outro. E há os que têm o dom de descobrir novos
caminhos, de mudar os rumos do conhecimento. Nas sociedades capitalistas,
o progresso tecnológico e econômico é promovido por esses homens. Quando
alguém tem uma ideia, procura encontrar algumas outras pessoas argutas o
suficiente para perceberem o valor de seu achado. Alguns capitalistas que
ousam perscrutar o futuro, que se dão conta das possíveis consequências dessa
ideia, começarão a pô-la em prática. Outros, a princípio, poderão dizer:
"são uns loucos", mas deixarão de dizê-lo quando constatarem que o
empreendimento que qualificavam de absurdo ou loucura está florescendo, e que
toda gente está feliz por comprar seus produtos.
No sistema ditatorial marxista, por outro
lado, o corpo governamental supremo deve primeiro ser convencido do valor de
uma ideia antes que ela possa ser levada adiante. Isso pode ser algo
muito difícil, uma vez que o grupo detentor do comando — ou o ditador supremo
em pessoa — tem o poder de decidir. E se essas pessoas — por razões de
indolência, senilidade, falta de inteligência ou de instrução — forem
incapazes de compreender o significado da nova ideia, o novo projeto não será
executado.
Para analisar essas questões devemos, em
primeiro lugar, entender o verdadeiro significado da palavra liberdade. Liberdade
é um conceito sociológico. Não há, na natureza ou em relação à
natureza, nada a que se possa aplicar esse termo. Liberdade é a
oportunidade concedida ao indivíduo pelo sistema social para que ele possa
modelar sua vida segundo sua própria vontade. Que as pessoas tenham
que trabalhar e produzir para poder sobreviver é uma lei da natureza; nenhum
sistema social pode alterar esse fato. Que o rico possa viver sem
trabalhar não diminui em nada a liberdade daqueles que não tiveram a sorte de
estar nessa posição afortunada. Em uma economia de mercado, naquela
em que há liberdade de empreendimento, e ausência de privilégios e
protecionismos estatais, a riqueza de um indivíduo representa a recompensa
concedida pela sociedade pelos serviços prestados aos consumidores no passado. E esta riqueza só pode ser preservada se ela
continuar a ser utilizada — isto é, investida — no interesse dos
consumidores.
Que a economia de mercado recompense
generosamente aquele que se mostrou capaz de bem servir aos consumidores é algo que
não causa nenhum dano aos consumidores.
Ao contrário, só os beneficia. Nada, nesse processo, é tomado
do trabalhador, e muito lhe é proporcionado, o que lhe permite aumentar sua
produtividade do trabalho. A liberdade do trabalhador que não tem
propriedades está no seu direito de escolher o local e o tipo de seu trabalho
que quer. Ele não está sujeito às arbitrariedades de um senhor de
engenho que o tem como vassalo. Ele simplesmente vende os seus
serviços no mercado. Se um empreendedor se recusar a lhe pagar o
salário correspondente às condições do mercado, ele encontrará outro empregador
disposto a, no seu próprio (do empregador) interesse, lhe pagar o salário de
mercado. O trabalhador não deve subserviência e obediência ao seu
empregador; ele deve ao seu empregador apenas a prestação de serviços. Ele recebe seu salário não como um favor, mas
sim como uma recompensa de que é merecedor.
Os pobres também têm a possibilidade, em uma
sociedade capitalista, de se fazer pelo seu próprio esforço. Isso não
ocorre apenas às atividades comerciais. A maioria das pessoas que
hoje ocupa uma posição de destaque nas profissões liberais, nas artes e na ciência
começou a carreira na pobreza. Entre os líderes e os vencedores,
muitos são originários de famílias pobres. Quem quer ser
bem-sucedido, qualquer que seja o sistema social, terá que vencer a apatia, o
preconceito e a ignorância. Não se pode negar que o capitalismo
oferece essa oportunidade.
Em uma economia capitalista, o mercado é um
corpo social; é o corpo social por excelência. Todos agem por conta própria;
mas as ações de cada um procuram satisfazer tanto as suas próprias necessidades
como também as necessidades de outras pessoas. Ao agir, todos servem seus
concidadãos. Por outro lado, todos são por eles servidos. Cada um é ao mesmo
tempo um meio e um fim; um fim último em si mesmo e um meio para que outras
pessoas possam atingir seus próprios fins.
Todos os homens são livres; ninguém tem de se
submeter a um déspota. O indivíduo, por vontade própria, se integra num sistema
de cooperação. O mercado o orienta e lhe indica a melhor maneira de promover o
seu próprio bem estar, bem como o das demais pessoas. O mercado comanda tudo;
por si só coloca em ordem todo o sistema social, dando-lhe sentido e
significado.
O mercado não é um local, uma coisa, uma
entidade coletiva. O mercado é um processo, impulsionado pela interação das
ações dos vários indivíduos que cooperam sob o regime da divisão do trabalho.
A reiteração de atos individuais de troca vai
dando origem ao mercado, à medida que a divisão de trabalho evolui numa
sociedade baseada na propriedade privada.
A economia de mercado, em princípio, não respeita
fronteiras políticas. Seu âmbito é mundial. O mercado torna as
pessoas ricas ou pobres, determina quem dirigirá as grandes indústrias e quem
limpará o chão, fixa quantas pessoas trabalharão nas minas de cobre e quantas
nas orquestras filarmônicas. Nenhuma dessas decisões é definitiva: são revogáveis
a qualquer momento. O processo de seleção não para nunca.
Atribuir a cada um o seu lugar próprio na
sociedade é tarefa dos consumidores, os quais, ao comprarem ou absterem-se de
comprar, estão determinando a posição social de cada indivíduo. Os
consumidores determinam, em última instância, não apenas os preços dos bens de
consumo, mas também os preços de todos os fatores de produção. Determinam
a renda de cada membro da economia de mercado. São os consumidores e não
os empresários que basicamente pagam os salários ganhos por qualquer
trabalhador.
Se um empreendedor não obedecer estritamente
às ordens do público tal como lhe são transmitidas pela estrutura de preços do
mercado, ele sofrerá prejuízos e irá à falência. Outros homens que melhor
souberam satisfazer os desejos dos consumidores o substituirão.
Os consumidores prestigiam as lojas nas quais
podem comprar o que querem pelo menor preço. Ao comprarem e ao se
absterem de comprar, os consumidores decidem sobre quem permanece no mercado e
quem deve sair; quem deve dirigir as fábricas, as fornecedoras e as
distribuidoras. Enriquecem um homem pobre e empobrecem um homem rico.
Determinam precisamente a quantidade e a qualidade do que deve ser
produzido. São patrões impiedosos, cheios de caprichos e fantasias,
instáveis e imprevisíveis. Para eles, a única coisa que conta é sua
própria satisfação. Não se sensibilizam nem um pouco com méritos passados
ou com interesses estabelecidos.
A economia de mercado, ou capitalismo, como é
comumente chamada, e a economia socialista são mutuamente excludentes.
Não há mistura possível ou imaginável dos dois sistemas; não há algo que se
possa chamar de economia mista, um sistema que seria parcialmente socialista.
A produção ou é dirigida pelo mercado, ou o é por decretos de um czar da
produção, ou de um comitê de czares da produção. A economia de mercado é
o produto de um longo processo evolucionário. É o resultado dos esforços
do homem para ajustar sua ação, da melhor maneira possível, às condições dadas
de um meio ambiente que ele não pode modificar. É, por assim dizer, a estratégia cuja
aplicação permitiu ao homem progredir triunfalmente do estado selvagem à
civilização.
O progresso é sempre um deslocamento do velho
pelo novo. Progresso sempre quer dizer
mudança. Nenhum planejamento econômico pode planejar o progresso,
nenhuma organização pode organizá-lo. O progresso é a única coisa
que desafia quaisquer limitações e controles. A sociedade e o estado
não podem promover o progresso. O capitalismo também não pode fazer
nada pelo progresso. Porém, e isso é já bastante, o capitalismo não
coloca barreiras intransponíveis ao progresso. Uma sociedade
socialista se tornaria absolutamente rígida, pois tornaria o progresso
impossível.
O intervencionismo não abole por completo todas
as liberdades dos cidadãos. Porém, a cada nova medida
intervencionista implantada, uma fatia importante de liberdade individual é
abolida e, consequentemente, a atividade econômica é restringida.
O
fato inegável
O que tem melhorado a situação das pessoas, o
que tem dado a elas melhores condições de vida, e o que tem criado todas
aquelas coisas que hoje consideramos como o orgulho das realizações humanas,
não foram declamações de nobres intenções, nem discursos sobre justiça social,
e nem sonhos sobre um mundo melhor — e muito menos efetivos esforços para se
implantar o "mundo melhor" pela força das armas. O que possibilitou todas estas coisas foi o empenhado
trabalho diário das pessoas, cujos esforços foram direcionados para melhorar
suas próprias condições de vida por meio do trabalho duro, fazendo coisas que
eram desconhecidas em épocas passadas e que eram desconhecidas até mesmo por
elas próprias em tempos anteriores recentes.
A história da tecnologia e do comércio fornece
inúmeros exemplos que confirmam isso. No passado, havia um considerável
intervalo de tempo entre o surgimento de algo até então completamente
desconhecido e sua popularização no uso cotidiano. Algumas vezes, passavam-se
vários séculos até que uma inovação se tornasse amplamente aceita por todos —
ao menos dentro da órbita da civilização ocidental. Pense na lenta
popularização do uso de garfos, sabonetes, lenços, papeis higiênicos e inúmeras
outras variedades de coisas.
Desde seus primórdios, o capitalismo
demonstrou uma tendência de ir encurtando esse intervalo de tempo, até ele
finalmente ser eliminado quase que por completo. Tal fenômeno não é uma
característica meramente acidental da produção capitalista; trata-se de algo
inerente à sua própria natureza. A essência do capitalismo é a produção
em larga escala para a satisfação dos desejos das massas. Sua
característica distintiva é a produção em massa
Os discípulos de Marx sempre se mostraram
muito ávidos para descrever em seus livros os "inenarráveis horrores do
capitalismo", os quais, como seu mestre havia prognosticado, resultam
"de maneira tão inexorável como uma lei da natureza" no progressivo
empobrecimento das "massas". O preconceito anticapitalista deles
impedia que percebessem o fato de que o capitalismo tende, com o auxílio da
produção em larga escala, a eliminar o notável contraste que há entre o modo de
vida de uma elite afortunada e o modo de vida de todo o resto da população de
um país. O abismo que separava o homem
que podia viajar de carruagem e o homem que ficava em casa porque não tinha o
dinheiro para a passagem foi reduzido à diferença entre viajar de avião e
viajar de ônibus.
Que
jamais nos aconteça
Não permitamos jamais que aquelas pessoas que dizem
que tudo neste arranjo é ruim, que a propriedade privada é a origem de todos os
malefícios e desigualdades, e que a única ação correta a ser tomada é a busca
do "mundo melhor" pela imposição de medidas coercivas e ditatoriais adquiram poder.
Se há uma coisa que a história pode nos
ensinar é que nenhuma nação jamais conseguiu criar uma civilização superior sem
a propriedade privada dos meios de produção.
E a prosperidade só pode ser encontrada onde prevalece a propriedade
privada dos meios de produção.
Se algum dia a nossa civilização desaparecer,
não terá sido por uma inevitabilidade; não terá sido porque ela já estava
fadada a esse trágico desfecho. Terá
sido, isso sim, porque as pessoas se recusaram a aprender com a teoria e com a
história. Não é o destino que determina o futuro da sociedade
humana, mas sim o próprio homem. O declínio da civilização ocidental
não é uma manifestação da vontade divina, algo que não pode ser
evitado. Se ocorrer, terá sido o resultado de uma política que nunca
deveria ter sido sequer cortejada.
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