Só falta a sentença
Celso Ming - O Estado de S.Paulo
Ainda sobrava uma janela por onde a Argentina
poderia escapar de um calote desastroso: a de que um grupo de bancos
comprasse a dívida dos chamados fundos abutres, não importando aí de
onde viesse o dinheiro.
Mas, ontem, o governo da
presidente Cristina Kirchner pareceu descartar definitivamente essa
opção. Se for assim, falta apenas a decisão final. O juiz federal de
Nova York Thomas Griesa, encarregado de dirimir o conflito entre o
Estado soberano argentino e os credores que não aceitaram os termos da
renegociação de 2005 e recorreram à Justiça, terá agora de encapsular as
conclusões ou a falta delas numa sentença final. Pode sair hoje ou nos
próximos dias.Se a sentença não lhe for favorável, a
Argentina estará irremediavelmente em default (calote). "Nessas
condições, a situação da economia argentina, que é ruim, pioraria
muito", observou a esta Coluna, o consultor argentino Dante Sica. Seria
inevitável, por exemplo, o aumento das dificuldades da economia
argentina no seu esforço para obter moeda estrangeira destinada aos
compromissos no exterior. A diferença para mais ("brecha") entre as
cotações do dólar oficial e o paralelo tenderia a disparar, a atividade
econômica, que já seria castigada com queda do PIB de 1,5%, encolheria
ainda mais para uma queda de 3,5%; e a inflação, hoje a 34,5% ao ano
tenderia a saltar para 41,0% (veja o Confira). Além disso, as
dificuldades do governo argentino para reequilibrar as contas públicas
aumentariam porque as províncias dependeriam mais do que já dependem das
transfusões de recursos do governo central. Esse quadro junta
componentes para agravar a situação política interna.
Aparentemente,
o impasse final com os credores poderia ter sido evitado. Os advogados
já haviam alertado a presidente Cristina Kirchner de que a cláusula Rufo
dificilmente se aplicaria se houvesse um acordo em separado com esses
credores.
Na interpretação deles, essa cláusula só impõe
pagamento igualitário a todos os outros credores, se um pagamento
favorecido a um segmento fosse feito "voluntariamente" pelo governo
argentino. Seria difícil de garantir o entendimento de que um pagamento
favorecido, como o determinado pelo juiz Griesa, pudesse ser
caracterizado como feito "voluntariamente". No mínimo, o caso abriria
espaço para discussão, por um período suficientemente longo para que a
cláusula Rufo perdesse validade, no dia 31 de dezembro de 2014. Mas a
Argentina insistiu na sua estratégia de confrontação aparentemente
porque poderia obter mais apoio para sua causa, fora e dentro da
Argentina.
Do ponto de vista dos interesses brasileiros, há
duas considerações a fazer. Desta vez, não se espera o alastramento do
contágio para dentro das fronteiras do Brasil se o calote argentino
ficar inevitável. As atuais reservas brasileiras, de US$ 380 bilhões,
são suficientemente robustas para dissuadir fuga de capitais. Mas o
agravamento das condições da economia argentina prejudicará ainda mais o
comércio exterior do Brasil. A Argentina terá de reduzir ainda mais
suas importações e, portanto, as exportações brasileiras para lá tendem a
encolher ainda mais.
Nenhum comentário:
Postar um comentário