Desafios da política externa
Roberto Teixeira da Costa - O Estado de S.Paulo Em julho de 2008 alinhei dez pontos que seriam determinantes para a atuação de nossa política externa no decênio 2008-2018. Não creio que os temas então levantados tenham perdido atualidade.
O Mercosul certamente é um dos mais relevantes. As dificuldades por que a Argentina passa têm interferido diretamente em nossas relações bilaterais e na própria relação de seus países-membros, quer no campo político, econômico ou institucional. Um possível acordo de livre-comércio com a União Europeia, discutido há mais de dez anos, tem encontrado em nossos vizinhos do sul enormes obstáculos. Debate-se no setor privado se não seria mais producente reverter o Mercosul a um acordo de livre-comércio, abrindo mão, assim, da união aduaneira, hoje cheia de exceções. Resta saber como esse processo seria conduzido, considerando o interesse de todas as empresas que a ele se associaram, dentro da lógica da união aduaneira.
Ainda acredito nos méritos do Mercosul, apesar de seus problemas. No campo interno, creio que deveríamos dedicar-lhe maior atenção e não atribuir responsabilidades que são nossas. Quanto à consolidação de nossa posição na América do Sul, convivemos com países associados que rezam por outra cartilha e veem no bolivarismo a melhor forma de associação para os países da região. Cria-se um convívio difícil, pois regimes de mercado, valores e liberdade da imprensa não coexistem onde essa situação, se não é proibida, é bastante afetada.
Fato novo neste cenário da região é a criação da Aliança do Pacífico (AP), que agregou Colômbia, Chile, México e Peru num projeto de integração bem mais ambicioso e harmonioso do que o Mercosul. Este, contudo, vem demonstrando interesse em alguns tipos de aproximação com a AP que possam favorecer-nos com maior presença no comércio mundial via Pacífico.
Mais recentemente, Equador e Chile assinaram acordo bilateral como parte de um plano para criar um Sistema de Integração Elétrica nos Andes, que também incluiria Bolívia, Colômbia e Peru, a funcionar em 2020. O acordo implicaria a aceleração da infraestrutura e mecanismos regulatórios que facilitem a integração elétrica. Assim, de uma forma ou outra, associações estão ocorrendo sem nossa presença.
A Amazônia ainda preocupa analistas políticos internacionais, com o desmatamento e outras questões ambientais. A questão da água é fator de grande relevância em vista da crescente consciência de que será cada vez mais um bem escasso.
Nas relações com os EUA houve sensível esfriamento após divulgação do acesso a conversas privadas de autoridades brasileiras e de empresa estratégica por órgãos de inteligência americanos, espionagem que o Brasil e outros países repudiaram com firmeza e levou ao cancelamento de visita de nossa presidente àquele país. Nas relações comerciais Brasil-EUA, mantemos boa presença, muito embora a China em alguns momentos tenha superado os norte-americanos. São o segundo maior destino das exportações brasileiras, com US$ 17,7 bilhões, ultrapassando a Argentina, com US$ 9,8 bilhões. As vendas aos EUA poderiam ser maiores, mas tem havido um desvio de comércio devido a acordos comerciais com países vizinhos.
Gradativamente os chineses, independentemente de sua presença no comércio exterior, também marcam posição como investidores estrangeiros. De 2007 a 2013 os investimentos chineses anunciados no Brasil foram estimados em US$ 56,5 bilhões. São 73 projetos: 23 anunciados e 50 confirmados. Os principais setores são o automotivo, de equipamento e maquinário e petróleo/gás. A China tem uma política de governo muito clara de ocupar espaços onde eles apareçam. A rentabilidade em curto prazo não é fator relevante, e sim a posição estratégica.
O protagonismo internacional, que marcou administrações passadas, diminuiu sensivelmente neste governo. Dilma Rousseff não tem marcado presença no cenário mundial e, consequentemente, se constata que o Itamaraty perdeu relevância no campo externo. Nem mesmo em nossa região essa presença tem tido destaque, e quando aparecemos é mais em apoio a iniciativas de outros países, sem tomar liderança do processo.
Continuo dando grande ênfase à relevância da diplomacia empresarial. Creio que alguns temas deveriam contar com a participação ativa de empresários no processo decisório, não só os relativos a seus interesses diretos, como também aos coletivos do País. Foros adequados poderiam ser reativados. Devemos tomar iniciativas, e não ficar à espera do governo!
E o que dizer das multinacionais brasileiras? Arrefeceram seu arrojo após a crise financeira de 2008, mas gradualmente voltaram a marcar maior presença no exterior. Dois fatos importantes merecem ser lembrados: a taxa de câmbio favorecendo investimentos no exterior e o baixo crescimento da economia interna, que serve de estímulo na busca diversificada em mercados externos que apontam cenários mais positivos de crescimento. O governo recuou na tributação de lucros no exterior, que antes beneficiava alguns setores privilegiados.
Quanto ao tema ambiental, quero crer que as questões climáticas estejam acendendo uma luz vermelha nas preocupações dos grandes líderes mundiais. A experiência que vivemos no Brasil, e em outros países da região, com a falta de chuvas é bem exemplificativa. A questão só é debatida em momento de crise e esquecemos que o tratamento que lhe deve ser dispensado não deveria ser uma política de governo, mas de Estado, tal como a questão da educação.
Por fim, em 2008 falei da necessidade de maior engajamento de nossa sociedade em temas internacionais. Nessa área muito pouco, ou quase nada, tenho a acrescentar. Nosso Congresso segue mergulhado em temas internos e paroquiais, refletindo talvez a posição presidencial de distanciamento do cenário internacional. Agora mesmo, na campanha presidencial, o tema da inserção do País no cenário internacional passa ao largo, e deveria ocupar espaço relevante para a próxima Presidência.
Nenhum comentário:
Postar um comentário