Polícia e política
Cláudio Couto - OESP O leitor do Estado de ontem foi brindado com três notícias que relacionavam a atuação da Polícia Federal à disputa eleitoral deste ano. Na principal, o PMDB, por meio de seu lugar-tenente na Presidência da República, Michel Temer, protestou contra o que considerou uma "instrumentalização" da PF por adversários políticos da família Sarney no Maranhão. Em nota menor, relacionada à notícia principal, o jornal recordou que, em abril, o candidato tucano ao governo de Minas, Pimenta da Veiga, foi indiciado pela PF e queixou-se de uma ação "político-eleitoral". Duas páginas adiante, o candidato petista ao governo paulista, Alexandre Padilha, atribuiu a motivações eleitorais o envolvimento de seu nome em operação recém-aberta pela mesma PF. Diante da celeuma, o ministro da Justiça, José Eduardo Martins Cardozo, observou que a polícia sob sua jurisdição é "republicana", investigando quem quer que seja - adversário ou aliado, humilde ou poderoso.
Os queixumes dos investigados não são novos e alguns deles já figuraram anteriormente em imbróglios similares aos de agora. Em março de 2002, último ano do governo Fernando Henrique Cardoso, a PF deflagrou uma operação que descobriu um cofre repleto de dinheiro vivo na construtora Lunus, empresa de Roseana Sarney e seu marido. As fotografias dos montes de notas tiveram o condão de dinamitar a na época promissora candidatura da então pefelista Roseana à Presidência. A família Sarney e o PFL reagiram fortemente a essa alegada "instrumentalização", responsabilizando José Serra pela operação e rompendo a aliança com o PSDB. Tanto foi assim que Serra disputou a presidência em 2002 coligado com o PMDB e sem o PFL, enquanto Sarney - cujo filho fora ministro de FHC - bandeou-se para a aliança petista, não seguindo a opção de seu partido.
À época, a atribuição da operação da PF a Serra se baseava em seus vínculos com um delegado da Polícia Federal, seu subordinado no Ministério da Saúde, Marcelo Itagiba, bem como em seu proverbial interesse na disputa presidencial - para o quê seria útil tirar Roseana do jogo. Outro argumento invocado por sarneyzistas e pefelistas era o fato de que operações da PF não eram um evento comum (como depois passaram a ser).
Segundo levantamento do blogueiro Stanley Burburinho, foram 48 durante os oito anos de FHC - média de apenas seis por ano. De 2003 para cá, os números explodiram: de 58 no biênio 2003-4, chegaram a 296 em 2013, tendo já sido deflagradas 198 até o último dia 19 - média de quase 200 operações/ano. As prisões também aumentam substancialmente: de 926 no biênio 2003-4, chegaram a picos de 2.876 em 2007 e 2.734 em 2010. Os picos caíram durante o governo Dilma, mas a média calculada até setembro segue elevada, um pouco superior à dos oito anos de Lula (1.982 prisões/ano contra 1.969).
Tais números - e o fato de que as ações da PF têm desagradado igualmente a peemedebistas, tucanos e petistas - parecem dar razão ao ministro da Justiça. A Polícia Federal converteu-se num instrumento importante de combate à criminalidade e, em particular, à corrupção. Estudo do cientista político Rogério Arantes, da Universidade de São Paulo, mostra que ela tem atuado como uma força nacional, sobrepondo-se às Polícias Civis estaduais em lugares onde as forças de segurança tem-se mostrado dóceis - se não propriamente aliadas - das elites políticas. Aliás, vem do Maranhão mais uma demonstração desse perigoso contubérnio: a revelação de que se tratou de uma fabricação de aliados do clã Sarney o depoimento filmado de um chefe do crime organizado no Complexo de Pedrinhas. Nele, o criminoso imputava ao candidato oposicionista, Flávio Dino, o envolvimento com um assalto. Diante de tal vexame, como podem ainda reclamar da Polícia Federal?
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