Refugiados sírios colocam em xeque Bem-Estar Social nórdico
Hugh Eakin - TINYT
Após oito anos de governo de centro-direita, a vitória por margem
estreita do Partido Social Democrático de esquerda marca uma ampla
mudança na política sueca. Mas a nova coalizão de governo que o partido
espera formar dificilmente reconsiderará uma das políticas mais
desafiadoras do país: uma abordagem de porta aberta a pessoas fugindo do
conflito na Síria, que está trazendo mais sírios à Suécia do que a
qualquer outro país europeu.
Isso, apesar da Suécia enfrentar
uma taxa de desemprego de dois dígitos entre os jovens, de terem
ocorrido distúrbios nos bairros de imigrantes em Estocolmo, da escassez
severa de moradia para os recém-chegados, ou do Conselho Sueco de
Migração, que lida com os requerentes de asilo, precisar de um aumento
drástico de verba --quase US$ 7 bilhões-- para cobrir a alta dos custos
nos próximos anos. E sem contar que o Partido Democrata Sueco de extrema
direita --anti-imigrantista-- conquistou 13% dos votos nas eleições de
domingo, o melhor resultado que já obteve. Ele mais que dobrou suas
cadeiras no Parlamento --de 20 para 49-- e agora é o terceiro maior
partido do país.
"Nós somos os guardiões morais do mundo", me
disse Magnus Ranstorp, um especialista em contraterrorismo do Colégio
Sueco de Defesa Nacional, poucos dias antes da eleição, referindo-se aos
suecos. "Nós não travamos uma guerra há 200 anos. Nós somos justos. Mas
às vezes a justiça e a realidade entram em atrito."
À medida que o
conflito sírio se transforma em uma crise humanitária regional, mais
países europeus estão aceitando refugiados sírios pré-selecionados pela
ONU. Mas fora a Alemanha, um país muito maior, apenas os suecos estão
recebendo dezenas de milhares de sírios que chegam por conta própria e
pedem asilo.
Cerca de 40 mil sírios chegaram à Suécia desde o início do conflito. E
após uma decisão de oferecer residência permanente a todos os sírios, a
Suécia espera mais de 80 mil requerentes de asilo em 2014, muitos deles
da Síria. Em sua generosidade, a Suécia diverge de países como o Reino
Unido, Holanda e Dinamarca, que receberam bem menos requerentes de asilo
sírios --geralmente lhes concedendo apenas residência temporária-- e
apenas várias centenas de refugiados bancados pela ONU cada. Ainda mais
dramático é o contraste com a Noruega.
Uma democracia social
muito mais rica que a Suécia, a Noruega gasta um percentual muito maior
do seu PIB em assistência humanitária do que qualquer outro país do
mundo. Ela também conta com a menor taxa de desemprego na Europa e, como
a Suécia, tem várias décadas de experiência com a imigração.
Mas a
Noruega não está encorajando os requerentes de asilo. Quando perguntei
recentemente a um dos poucos sírios que encontrei em Oslo sobre o motivo
para ter escolhido a Noruega, ele disse, "eu achava que Oslo era na
Suécia". E apesar do governo norueguês ter aceito receber 1.000
refugiados sírios seletos da ONU, nos últimos meses ele rejeitou 123
porque suas condições médicas pareciam sérias demais para os serviços
locais de saúde lidarem.
Isso coloca a Suécia e a Noruega em lados opostos de um debate
emergente: se os Estados de bem-estar social avançados, concebidos para
sociedades pequenas e homogêneas em meados do século 20, são capazes de
absorver um grande número de estrangeiros não-europeus hoje. Na Suécia,
um "consenso" pró-imigração altamente patrulhado sustentou políticas
extraordinariamente liberais, impondo ao mesmo tempo um tabu virtual a
questões como os custos sociais e econômicos. Na Noruega, a forte
tradição de liberdade de expressão e governo eficiente produziu uma
abordagem rígida sobre que refugiados, e quantos, receber.
O
Ministério das Relações Exteriores norueguês calculou que devido a todos
os benefícios sociais, de saúde, moradia e bem-estar social ordenados
pelo Estado, o apoio a um único refugiado na Noruega custa US$ 120 mil
–o suficiente para apoiar 26 sírios em um campo de refugiados
jordaniano. E a imprensa noticiou que após uma suposta ameaça terrorista
do exterior, em julho, as autoridades de imigração deportaram
requerentes de asilo que geravam preocupações de segurança.
Diferente do Partido Democrata Sueco, que foi evitado por outros
partidos suecos, o partido anti-imigração da Noruega, o populista
Partido do Progresso, ingressou na coalizão de governo e faz suas
preocupações serem ouvidas. Solveig Horne, a ministra da criança,
igualdade e inclusão social, e integrante do Partido do Progresso, se
queixa que a Noruega já tem mais requerentes de asilo do que pode
acomodar. "Mais e mais são permitidos a permanecer na Noruega", ela me
disse em Oslo no mês passado. "Mas muitas comunidades estão dizendo,
espere. Nós precisamos nos certificar de que podemos integrar as pessoas
que já estão aqui", completou.
Esse é o tipo de conversa que é
vigorosamente evitada na Suécia. Veja os comentários do
primeiro-ministro Fredrik Reinfeldt, poucas semanas antes da eleição do
último domingo. Ele pediu aos eleitores que abrissem seus corações aos
refugiados sírios, apesar da escalada do custo de apoiá-los
impossibilitar maiores benefícios de bem-estar social aos suecos. O
comentário provocou protesto –não por parecer favorecer os refugiados em
detrimento dos suecos, mas simplesmente por sugerir que a política de
refugiados precisava ser considerada em termos econômicos.
Entretanto, há muito o que discutir. Ranstorp, a autoridade em
contraterrorismo, descreveu uma recente visita a Angered, um subúrbio
predominantemente imigrante de Gotemburgo, a segunda maior cidade da
Suécia: "Eu encontrei extremismo, mas também encontrei moradias
superlotadas, gangues de drogas controlando a área, polícia não
relatando crimes, pessoas vivendo em prédios de apartamento enfadonhos,
sem comércio, com um sistema de justiça paralelo".
Um resultado
perverso da recusa da Suécia em tratar desses problemas, dizem Ranstorp e
outros, é ceder o debate a um partido de extrema direita, cujo líder
comparou o Islã à "pior ameaça enfrentada pela Suécia desde a Segunda
Guerra Mundial".
"A Suécia é muito enigmática", disse Grete Brochmann, uma importante
estudiosa norueguesa de imigração. Os suecos, ela disse, "são
extremamente liberais em relação à imigração, mas eles têm uma atitude
autoritária em relação ao debate a respeito. Na Noruega a ideia é que
uma discussão aberta é boa. Se há hostilidade, é melhor expressá-la".
Mas quanta hostilidade é demais? Os suecos gostam de apontar que o
massacre de Breivik --o assassinato em 2011 de 77 pessoas por um
islamófobo de extrema direita-- aconteceu na Noruega, não na Suécia. Mas
uma lição tirada pelos noruegueses do ataque é que precisam conversar
mais sobre imigração, não menos. Como mostra a crise dos refugiados
sírios, é importante manter em vista sobre o que é a discussão. Para a
Noruega e outros países ricos, ajudar o máximo de refugiados possível no
Oriente Médio faz mais sentido econômico do que recebê-los em seu
próprio solo. Mas essa abordagem corre o risco de transmitir a mensagem
de que o Ocidente realmente não quer os sírios em seu meio.
"Nós
temos que pensar nisso de modo diferente", me disse Jan Egeland, que
chefia o Conselho Norueguês de Refugiados. "A Síria está em chamas. O
Líbano está cheio até a borda. Pessoas estão sangrando até a morte em
ambos os lados da fronteira. Nós precisamos receber mais pessoas que não
podemos ajudar na região --incluindo os doentes e inválidos. Se a
Noruega não puder recebê-los, então quem poderá?
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