quarta-feira, 1 de outubro de 2014

Barack Obama viola a Constituição norte-americana, diz especialista
Marc-Olivier Bherer - Le Monde
Kevin Lamarque/Reuters - 25.set.2014
O presidente dos EUA, Barack Obama, discursa durante reunião das Nações Unidas em Nova York (EUA) O presidente dos EUA, Barack Obama, discursa durante reunião das Nações Unidas em Nova York (EUA)
De um ponto de vista americano, quando se discute a operação militar lançada por Washington para desmontar o EI (Estado Islâmico), é preciso estar atento a um fato: essa missão ainda não foi autorizada pelo Congresso.
Se o presidente Barack Obama insistir em continuar ignorando os legisladores, uma profunda violação a nossas leis será cometida e minará a capacidade de os EUA conduzirem essa intervenção até o fim.
É com efeito ao Congresso que nossa Constituição confia o poder de declarar a guerra. Mas o governo Obama estima que um voto antigo, de 13 anos atrás, o autoriza a lançar as operações no Oriente Médio sem que seja necessário renovar o procedimento.
Segundo a Casa Branca, a resolução adotada pelo Congresso depois dos atentados de 11 de setembro de 2001, que dá ao presidente o poder de atacar a organização terrorista Al Qaeda, seria igualmente válida para o EI. Mas o texto a que ela se refere visava apenas os países que participaram dos atentados de 2001, o que não é o caso do EI. Trata-se, portanto, de uma profunda violação do Estado de direito.
O presidente Obama está prestes a agir bem pior que George Bush. A guerra no Iraque foi mal preparada, mas pelo menos era legal aos olhos do direito americano. Hoje estamos em uma situação realmente ubuesca: Obama, prêmio Nobel da paz, que foi eleito prometendo romper os excessos de George Bush, está preparando a guerra permanente, justificada por um estado de emergência permanente.
O assassinato dos jornalistas americanos James Foley e Steven Sotloff, assim como dos reféns britânico e francês, são verdadeiras tragédias, mas não podem justificar tudo. Não estamos diante de fatos comparáveis a um ataque em solo americano.
Os EUA dispõem hoje da maior força militar do mundo, e é preciso exercer vigilância sobre a maneira como ela é empregada. Não estamos diante de um simples desvio do poder; a situação é bem mais grave.
Washington já encontrou esse tipo de dificuldades e se dotou de instituições para superá-las. Depois do Vietnã, a guerra foi objeto de um trabalho legislativo de rara qualidade. Um equilíbrio foi encontrado para melhor enquadrar o poder presidencial, mas também se adaptar à posição de grande potência que os EUA haviam adquirido. Assim, era preciso permitir que a Casa Branca enfrentasse as situações de emergência e lançasse operações militares rapidamente.
A lei sobre os poderes de guerra de 1973 permite, assim, que o presidente empregue a força durante 60 dias sem pedir o consentimento do Congresso. Além disso, sem esse acordo, ele tem 30 dias para deter as operações militares. A campanha contra o EI começou em 8 de agosto, portanto, o prazo de que Barack Obama dispõe para consultar o Congresso termina em 8 de outubro.
Mas ele se recusa. Ele tampouco se prepara para uma operação de curta duração. O chefe do estado-maior das Forças Armadas declarou que o combate contra o EI era um envolvimento de longo prazo, de 12 a 18 meses.

Congresso irresponsável

Nesse caso, o Congresso se mostra tão irresponsável quanto o presidente. Ele poderia aproveitar a questão e realizar uma sessão especial de quatro ou cinco dias, e depois votar. Mas, como estamos a poucas semanas das eleições de meio de mandato, em 4 de novembro, os parlamentares preferem não assumir posições, temendo desagradar a alguns eleitores.
Encontramo-nos assim expostos de maneira inútil, e nossa capacidade de conduzir ao fim essa guerra é profundamente fragilizada. O Congresso acabará se rebelando e os militares poderão processar na justiça o governo para não serem obrigados a servir nessa guerra ilegal. O que decidirá então a Suprema Corte? Como reagirá a opinião pública americana? As tensões são uma coisa desejável na democracia. Há poderes e contrapoderes que permitem enquadrar o debate. Mas enfrentamos uma crise profunda que fragiliza a democracia. Barack Obama ainda tem tempo de consultar o Congresso; que o faça sem demora.
Um último comentário: os bombardeios na Síria terão uma consequência detestável: reforçar o regime de Bashar Al Assad. E mesmo que conseguíssemos desmontar o EI os sauditas continuarão financiando grupos extremistas, a violência continuará. A estratégia empregada me parece, portanto, ruim.
Tradutor: Luiz Roberto Mendes Gonçalves

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