Audrey Garric - Le Monde
O homem está vivendo cada vez mais, e isso no mundo inteiro. A expectativa de vida mundial aumentou pouco mais de seis anos entre 1990 e 2013, passando de 65,3 para 71,5 anos. Essa é a principal conclusão do último estudo sobre o "fardo mundial das doenças" publicado na revista médica britânica "The Lancet", na quinta-feira (18), uma espécie de gigantesca autópsia dos 55 milhões de pessoas que morreram no ano passado em escala global. É verdade que o número de mortos aumentou desde os 47,5 milhões registrados em 1990, mas mais lentamente que o aumento anual da população.
A dimensão dessa pesquisa financiada pela Fundação Gates, que está em sua quarta edição, é estonteante: 800 pesquisadores internacionais passaram em revista 240 causas de mortes em 188 países do mundo --e não mais por grandes regiões, como antes-- no decorrer dos últimos 23 anos. E pela primeira vez houve recuo suficiente para estudar a evolução das patologias ao longo do tempo, resultando em lições para as políticas de saúde pública.
Recuo das doenças infecciosas
A principal conclusão, portanto, é de que nós estamos vivendo por mais tempo, tanto as mulheres (74,3 anos, 6,6 anos a mais desde 1990) quanto os homens (68,8 anos, 5,8 anos a mais). Essa longevidade aumentou especialmente em uma dezena de países em desenvolvimento, tais como Nepal, Ruanda, Etiópia, Níger e Irã, que ganharam 12 anos a mais. A única exceção foi o sul do continente africano (África do Sul, Botsuana, Namíbia etc.), onde os efeitos devastadores da Aids cortaram a expectativa de vida em cinco anos, em média, e continuam sendo a principal causa de mortes prematuras.Em todos os outros lugares, a morte tem ocorrido cada vez mais tarde, como efeito do recuo de certas doenças crônicas nos países desenvolvidos (a maior parte dos cânceres diminuiu em 15% e as doenças cardiovasculares em 22%, ao longo de 23 anos) e de doenças infecciosas nos países em desenvolvimento (doenças diarreicas, tuberculose ou patologias neonatais). A mortalidade infantil, em especial, caiu quase pela metade, passando de 7,6 milhões de crianças com menos de cinco anos mortas em 1990 para 3,7 milhões em 2013.
"Constatamos grandes progressos contra inúmeras doenças, mas podemos e devemos fazer ainda mais", explica o Dr. Christopher Murray, principal autor do estudo e diretor do Instituto de Medições e Avaliações da Saúde da Universidade de Washington, nos Estados Unidos. "Vários países em desenvolvimento, com a ajuda de programas internacionais, fizeram recuar as grandes doenças infecciosas como a diarreia, o sarampo, a tuberculose e a malária, especialmente entre as crianças. No entanto, esse estudo mostra que certas doenças crônicas importantes foram amplamente negligenciadas."
Embora as três principais causas de morte continuem sendo as mesmas desde 1990 (infarto do miocárdio, acidentes vasculares cerebrais (AVC) e doenças pulmonares), um certo número de patologias tiveram um aumento no índice de mortalidade: o câncer de fígado causado pela hepatite C (aumento de 125%), os distúrbios graves do ritmo cardíaco (+100%), as doenças associadas ao uso de drogas (+63%), o mal de Alzheimer, a insuficiência renal crônica ou ainda a diabetes.
"É prova de que a maioria do planeta, com exceção da África subsaariana, completou uma transição epidemiológica", diz Christopher Murray. "Passamos de uma predominância das doenças infecciosas para um peso majoritário das não transmissíveis, como efeito do envelhecimento da população e dos avanços na saúde". No entanto, esse balanço não levou em conta a epidemia do ebola, que produziu quase 7.000 mortes na África Ocidental.
Para além das doenças, os acidentes de trânsito (7ª maior causa de mortalidade no mundo), a violência e os conflitos continuam matando enormemente. A guerra, por exemplo, é a principal causa de mortes prematuras na Síria, com uma estimativa de 30 mil mortes em 2013. Na América Latina, no Caribe e na África do Sul, a violência entre pessoas está entre as cinco principais causas de morte, e chega a ser a primeira na Colômbia, na Venezuela e em El Salvador.
Avanço do mal de Alzheimer
Na França, a expectativa de vida teve um aumento de 4,6 anos desde 1990. As mulheres agora vivem até os 85 anos --o terceiro maior recorde do mundo, depois de Andorra e Qatar--, e os homens até os 78 anos --a 21ª posição. Esse é um balanço positivo, mas que mascara uma realidade: um de cada cinco franceses morre antes dos 65 anos. As causas são infarto e AVC, como em 1990, mas também o mal de Alzheimer, cuja mortalidade dobrou em 23 anos, o câncer de pulmão (+49%) e a diabetes (+70%)."O avanço dessas patologias é explicado em parte pelo envelhecimento da população, mas também pelas condições de vida: tabagismo e alcoolismo, hipertensão arterial, colesterolemia, sedentarismo e alimentação desequilibrada", afirma François Alla, professor de saúde pública na Universidade de Lorena e no centro hospitalar universitário de Nancy, que participou do estudo na parte referente à França. "São fatores de risco evitáveis em sua maioria, através de prevenção." Mas ele lamenta: "A França reduziu esses orçamentos com a crise econômica. Só que ela ganharia investindo na prevenção, reduzindo assim os gastos com saúde."
Embora o estudo publicado pela "The Lancet" não diga nada sobre a morbidez, a expectativa de vida em boa saúde, que será tema de uma nova publicação no próximo ano em escala mundial, está em ligeira queda na França e na Europa. É verdade que o homem está vivendo mais, mas não necessariamente melhor.
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