Agora não tem marketing
O Estado de S.Paulo
Livre do marketing eleitoral e, portanto,
desobrigada da necessidade de dizer e fazer apenas aquilo que dá voto,
Dilma Rousseff defronta-se agora com a responsabilidade de governar o
País por mais quatro anos. É desafio um pouco mais difícil do que tudo o
que já enfrentou, considerando a herança maldita que ela legou a si
mesma. E como nem tudo o que foi prometido na campanha eleitoral é, já
se viu, para valer, às vésperas da posse no segundo mandato uma das
coisas aparentemente claras na cabeça de Dilma é que ela parece disposta
a, finalmente, assumir um governo que possa chamar de seu. O que ainda
não se sabe é se isso será bom ou ruim para o Brasil.
O
que se observa, por conta da composição no novo Ministério, é que, ao
escalar a equipe "da casa" - os ministros com gabinete no Palácio do
Planalto e, por essa razão, mais próximos da intimidade da presidente -,
Dilma se esmerou em eliminar todos os vestígios da presença de Lula em
seus calcanhares. Com isso deu uma guinada à esquerda dentro da seara
petista, acabando com a influência, dentro do Planalto, da tendência
majoritária e lulista do partido, a Construindo um Novo Brasil (CNB).
Optou por escalar dois representantes de uma facção partidária mais à
esquerda, a Democracia Socialista (DS): Miguel Rossetto e Pepe Vargas,
respectivamente para a Secretaria-Geral e a pasta das Relações
Institucionais. Permanece no Palácio Aloizio Mercadante, o chefe da Casa
Civil, membro da CNB, mas desafeto de Lula.
Por outro
lado, a escalação do trio que comandará Fazenda, Planejamento e Banco
Central, até onde se sabe, foi resultado de entendimento entre Dilma e
seu criador, atendendo a ponderações óbvias sobre a necessidade de
promover um controle fiscal que ajude a reconquistar a confiança do
mercado e dos investidores no governo, de modo a permitir a retomada do
crescimento da economia. Resta saber o nível de autonomia que Dilma
concederá ao trio, já que a imposição de uma política de rigor fiscal é
incompatível com a prática predominante do seu primeiro mandato.
Quanto
à composição do novo Ministério em geral, o resultado é tão medíocre
quanto o critério que a orientou. Fiel ao "presidencialismo de coalizão"
a que se submeteu sob a alegada necessidade de garantir a
"governabilidade", Dilma esforçou-se, nem sempre com sucesso, em
satisfazer as demandas da "base aliada", principalmente de seu próprio
partido e do insaciável PMDB, além da raia miúda sempre ávida em
garantir seu quinhão. Como resultado, ninguém está satisfeito,
provavelmente nem ela própria.
Ainda na área política,
Dilma já vai inaugurar o novo mandato com dois enormes abacaxis a
descascar: o escândalo da Petrobrás e a clara intenção de Lula de
exercer permanente pressão sobre ela, a partir do princípio de que, se
não vai por bem, vai por mal. De fato, não seria de esperar que Lula
aceitasse passivamente a redução de sua influência no governo. Por isso,
sabendo contar com a maioria dos quadros dirigentes e da militância do
PT, retomou com maior ênfase seu habitual discurso populista e procura
se aproximar de movimentos sociais alinhados com a esquerda, na intenção
de comandar a pressão sobre Dilma "a partir das ruas". Afinal, 2018 vem
aí.
Enquanto isso, Dilma continua fazendo o que pode para
dar conta do recado das urnas. O que tem significado, paradoxalmente,
para usar uma expressão elegante, renegar por palavras e atos pontos
fundamentais de seu discurso eleitoral. A mais recente proeza foi
anunciar cortes de R$ 18 bilhões/ano no pagamento de cinco benefícios
trabalhistas: abono salarial, seguro-desemprego, seguro-defeso, pensão
por morte e auxílio-doença.
A nomeação do "banqueiro"
Joaquim Levy para o Ministério da Fazenda já contradisse todo o discurso
com que Dilma atacou a intenção revelada por Aécio Neves durante a
campanha eleitoral de nomear Armínio Fraga para o mesmíssimo cargo.
Agora o governo petista, ao anunciar cortes de benefícios sociais para
"corrigir distorções", pratica a mesma "ignomínia" de que a oposição era
acusada pela propaganda petista: tentar resolver os problemas do País
reduzindo os recursos da área social, ou seja, fazendo "a comida
desaparecer da mesa do trabalhador". Agora pode.
Nenhum comentário:
Postar um comentário