terça-feira, 30 de dezembro de 2014

Já vi esse filme. No fim, o bandido ganha 
RICARDO NOBLAT -O GLOBO 
A campanha da presidente Dilma, ela mesma, Lula e boa parte do PT debocharam do que disse a candidata Marina Silva (PSB) sobre como montaria seu governo caso se elegesse.
Marina afirmou que simplesmente governaria com os melhores elementos de cada partido sem discriminar nenhum partido.
É uma boba, garantiram alguns. Uma sonhadora, acusaram outros. Governar com os melhores é impossível, apenas isso.
Ou Marina dominava uma receita que só ela conhecia ou então se pautaria pelo bom senso. E o bom senso lhe aconselhava a procurar gente decente, comprometida com a ética e talentosa para ocupar cargos do primeiro e do segundo escalão da República.
E se essa gente fosse incapaz de lhe garantir a maioria dos votos no Congresso? E se por causa disso o governo capengasse?
Marina confiava que não passaria sufoco porque, em primeiro lugar, governaria apenas por quatro anos. Descartara a reeleição.
O que a seu ver seria o bastante para apaziguar os ânimos no Congresso e refrear as ambições, por suposto.
Segundo porque governaria com transparência, prestando contas aos eleitores de todos os seus passos e discutindo com eles suas dificuldades.
Fernando Collor se elegeu presidente em 1989 sem maioria no Congresso. Quis cooptar o PSDB e não conseguiu.
Chamou de “único tiro” contra a inflação o plano econômico que garfou a poupança dos brasileiros.
Por mais estúpido que tenha sido o plano, o Congresso não se negou a aprová-lo. Caso desse certo, o Congresso ficaria bem na foto. Se desse errado, o presidente é que ficaria mal.
Não foi por falta de apoio do Congresso que Collor acabou deposto. Foi por falta de apoio popular.
O Congresso é sensível ao sentimento das ruas. E todo presidente, a princípio, se beneficia de um período de lua de mel com a opinião pública.
Até que o período se esgote, ele pode se comportar com um grau de liberdade que mais tarde se estreitará. A não ser que o sucesso bata à sua porta.
Ninguém mais do que Lula reuniu condições para governar sem ser obrigado a fazer concessões que por fim o apequenassem, e ao seu partido.
Foi o primeiro nordestino ex-pau de arara, ex-líder sindical, ex-preso político a subir a rampa do Palácio do Planalto.
Ocupou o principal gabinete do terceiro andar com crédito para gastar por muito tempo. Encrencou-se porque piscou primeiro.
Sob pressão para lotear o governo como seus antecessores haviam feito por hábito ou necessidade, Lula subestimou o apoio das ruas.
Preferiu apostar no apoio do Congresso. Logo ele, que no final dos anos 80 do século passado, enxergara ali pelo menos 300 picaretas.
Foi atrás dos picaretas. Beijou a cruz – e de quebra a mão de Jáder Barbalho. O mensalão quase o derrubou.
Dilma atravessou a metade do seu primeiro governo resistindo à ideia de ceder ao “pragmatismo político”.
Em conversa, certo dia, com um amigo, ouviu dele: “Tirando três ou quatro, só tem desonesto no Congresso”. Ela respondeu: “E eu não sei?”
Para se reeleger, cedeu ao apetite dos desonestos. Beijou a cruz. E de quebra a mão de Helder Barbalho, filho de Jáder, seu futuro ministro da Pesca.
Foi medíocre o primeiro ministério de Dilma O governo que resultou disso foi naturalmente medíocre.
Pois bem: ela está perto de cometer o prodígio de montar outro ministério igual ou talvez pior.
O que a diferenciava dos políticos a quem tanto desprezava é, hoje, o que a torna cada vez mais parecida com eles.
Feliz Ano Novo para todos!

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