O Estado de S.Paulo
A reaproximação entre EUA e Cuba após 53 anos de ruptura deve ser comemorada pelas formidáveis implicações históricas, mas com cautela. Se mais um capítulo da guerra fria enfim se encerra, não se pode dizer com certeza se Cuba está no caminho de uma autêntica mudança que, enfim, represente a tão sonhada liberdade a seus sofridos habitantes. Para que o desfecho desse evento histórico seja de fato motivo de festa, será preciso que a ditadura cubana mostre real disposição de aceitar que seu tempo já acabou.
Por ora, somente os Estados Unidos fizeram gestos significativos para provar sua vontade de quebrar o cinquentenário impasse nas relações, na mais importante mudança de sua política externa na história recente. Além de libertar três cubanos que haviam sido presos por espionagem, o governo do presidente Barack Obama tomou uma série de medidas para favorecer a economia de Cuba.
Primeiro, Washington retirou Cuba da lista de países que apoiam o terrorismo - e isso vai permitir que a ilha busque financiamento externo, tanto em bancos como em organismos multilaterais, o que é crucial para um país cujo principal financiador, a Venezuela, também está à beira do colapso.
Além disso, Obama vai aumentar a emissão de autorizações para viagens ao país e ampliar o teto para compras de mercadorias cubanas. A lista de produtos que poderão ser exportados para Cuba também deve crescer e incluir materiais de construção, demandados pelo ainda incipiente setor privado cubano, além de equipamentos para a agricultura e produtos tecnológicos para atualizar o precário sistema de comunicação da ilha.
Essas medidas servem como atalho para contornar o bloqueio político e econômico estabelecido pelos Estados Unidos contra Cuba em 1962 e reforçado em 1996. Tal embargo só pode ser cancelado pelo Congresso americano - algo difícil de acontecer num futuro próximo, porque a oposição republicana, que controlará as duas Casas do Legislativo a partir do ano que vem, sempre teve apoio dos exilados cubanos, normalmente refratários a qualquer distensão com o regime dos irmãos Castro.
Obama, no entanto, ciente de que a nova geração de cubano-americanos é favorável ao fim do embargo, comprometeu-se a se empenhar para mudar esse cenário - e sua decisão de trocar embaixadores com Cuba sem que antes tenha havido uma mudança de regime em Havana cria um fato consumado que os congressistas americanos, mesmo os mais renitentes, terão de levar em conta nos próximos tempos. "Esses 50 anos mostraram que o isolamento não funciona. É hora de uma nova abordagem", discursou Obama.
Já a gerontocracia cubana pouco fez, por ora, para comprovar sua disposição de engajar-se numa genuína abertura. Aceitou entregar 2 prisioneiros americanos, também acusados de espionagem, e comprometeu-se a libertar 53 presos políticos. Mas o ditador Raúl Castro não deu nenhuma garantia de que esses e outros dissidentes deixarão de ser perseguidos - ou seja, não há certeza de que Havana cumprirá sua parte no acordo, especialmente em relação ao respeito aos direitos humanos.
Assim, passado o momento das celebrações, é preciso encarar o duro trabalho de fazer com que o fim do isolamento de Cuba represente, também, o fim do sofrimento de seus habitantes - submetidos há meio século a uma das piores ditaduras que o mundo conheceu. Para isso será necessário não apenas o engajamento dos Estados Unidos, mas também dos principais países latino-americanos, a começar pelo Brasil - cujo governo atual, graças às afinidades ideológicas com o regime castrista, preferiu até aqui relativizar a truculência da ditadura cubana, sempre em nome da "luta anti-imperialista".
Com o fim da hostilidade americana contra Cuba, cai um dos principais argumentos que sustentavam a retórica terceiro-mundista no Brasil e na América Latina - e essa talvez seja a melhor consequência do momento histórico que ora vivemos.
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