Compromisso com a mediocridade
José Nêumanne - O Estado de S.Paulo
Quando a presidente reeleita Dilma Rousseff
anunciou o executivo da área financeira Joaquim Levy para o Ministério
da Fazenda, a direita reagiu com espanto e a esquerda, com raiva. No
entanto, ela apenas seguiu o figurino de seu primeiro governo, inspirado
em seu antecessor, Luiz Inácio Lula da Silva. No caso específico, ela
foi buscar o profissional para decepar os nós da economia a serem
enfrentados no segundo governo em dois lugares confiáveis: o segundo
escalão da assessoria do adversário tucano, Aécio Neves, e a indicação
do banqueiro amigo Lázaro de Mello Brandão, chefe do segundo maior banco
privado do País e velho aliado.
O chamado mercado ficou perplexo porque não contava com a astúcia de
nossa figura "chapolinesca". Por falta de desconfiômetro e de
sagacidade, os magnatas do negócio financeiro contavam com mais uma
figurinha acadêmica carimbada do PT, nos moldes de Guido Mantega, o
descartado, ou Aloizio Mercadante Oliva, a bola da vez na sinuca de
madame. Ledo e "ivo" engano, dir-se-ia antigamente. Este escriba,
precavido, não se surpreendeu por dois motivos: primeiramente, por ter
aprendido a entender os atos da alta cúpula petralha no poder, sempre
opostos à retórica da propaganda com a qual engana o eleitorado; e, em
segundo lugar, por se lembrar de, em palestra no Conselho de Economia da
Fiesp, o respeitado macroeconomista Octavio de Barros, vice-presidente
do Bradesco, ter feito em priscas eras apaixonadíssimo discurso de
louvação à gestão econômica do nosso padim Ciço do Agreste.
Surpreenderam-se os desatentos que não prestaram atenção nesses
aparentes detalhes, que, na verdade, são essenciais. O filmete dos
banqueiros tomando a comida do trabalhador para associar Neca Setubal,
do Itaú, com a adversária Marina Silva era apenas uma patranha de
marqueteiro. Como Napoleão espalhou a sábia lição de que "do traidor só
se aproveita a traição", aviso dado antes de mandar fuzilar o alcaguete
que lhe delatou as posições das tropas inimigas, Dilma sabe que se ganha
o voto com a mentira do marketing político, mas se governa com quem
conhece o caminho real das pedras. Pois então: avisou que ia convidar o
presidente do banco amigo, Luiz Trabuco, e recebeu-o na companhia de seu
Brandão, que vetou a solução, mas apresentou uma saída razoável na
pessoa de Levy, ex-luminar da gestão lulista. O discurso do banqueiro
rapace serve para levar os votos dos tolos. A boa gestão recomenda o uso
da frieza dos dedos de tesoura disponíveis - a velha fábula de ganhar
com a esquerda e guiar com a direita. Até porque, se não der certo, é só
trocar. Não faltarão nomes no colete de seu Brandão.
Os futuros ministros do segundo governo que vêm sendo indicados também
não foram inspirados nos discursos do palanque eletrônico, mas nas
lições do mestre Maquiavel de Caetés. Que importa se a presidente da
Confederação Nacional da Agricultura, Kátia Abreu, assumiu a defesa
sub-reptícia de uma "ordem medieval do trabalho" (apud Miriam Leitão) ao
recorrer ao Supremo Tribunal Federal contra a implementação de normas
explícitas a serem obedecidas pelos proprietários rurais, acusando-as de
"preconceito ideológico contra o capitalismo"? A futura ministra é uma
direitista do peito, amarrada à chefe por laços de afeto e admiração
mútuos, assim como a Graciosa da Petrobrás.
Antes de nomear os novos ministros, a presidente tentou transferir parte
de sua responsabilidade para o procurador-geral da República, Rodrigo
Janot, pedindo acesso à delação premiada de Paulinho do Lula e de Beto
Youssef para evitar nomear receptadores de propinas da roubalheira da
Petrobrás. O ex-relator do mensalão, Joaquim Barbosa, chamou a
iniciativa de "degradação institucional". O loquaz ministro da Justiça,
José Eduardo Cardozo, confessou o absurdo, em vez de dar uma de João sem
braço. Ficou claro que na nomeação de seu primeiro escalão a chefe do
governo leva em conta apenas as notícias do dia, em vez de compulsar os
prontuários de seus futuros auxiliares. O líder da minúscula bancada
governista do PRB na Câmara, George Hilton, vai tomar conta do
Ministério do Esporte durante a Olimpíada no Rio, mesmo já tendo sido
flagrado pela polícia carregando R$ 600 mil em pacotes de dinheiro vivo
num avião privado. Kátia Abreu, Eduardo Braga e Hélder Barbalho são réus
na Justiça. Aldo Rebelo tem ficha limpa, mas isso não basta para, com
as palavras de ordem pré-históricas do PCdoB, comandar a pasta de
Ciência e Tecnologia. Deus nos acuda.
Cid Gomes foi escolhido para o Ministério da Educação, apesar de ter
sido acusado de pagar com dinheiro público o aluguel de um avião
particular para viajar com a família (a sogra inclusive) para a Europa. E
de ter conquistado com mérito a fama de Mecenas do semiárido por pagar
cachês altíssimos a cantores como Ivete Sangalo e Plácido Domingo. Não o
recomenda ao cargo a acusação de ter reagido a uma manifestação de
professores afirmando: "Quem quer dar aula faz isso por gosto, não por
salário. Se quer ganhar dinheiro, deixa o ensino público e vai pro
privado". Sua saída do Partido Socialista Brasileiro (PSB), traindo
Eduardo Campos para ficar com a presidente, que obteve votação
espetacular no Ceará, o recomendou para o cargo muito mais do que o
trabalho pioneiro de seu secretário adjunto de Educação, Maurício
Holanda Maia, mais adequado para o cargo.
A reunião de bons burgueses com antigos delinquentes e derrotados nas
urnas e o "museu de novidades" (apud Josias de Souza) não bastarão,
contudo, para definir com justiça a Esplanada dos Ministérios sob Dilma
2. Sua principal característica genérica é a mediocridade ampla, geral e
irrestrita. A mediocridade tirânica, que não se basta, que tudo faz
para se impor e governar, é a marca do governo que nos espera e do
destino que nos fará engolir.
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