René Pfister e Gordon Repinski - Der Spiegel
Maurizio Gambarini/EFE
O ex-chanceler alemão Gerhard Schröder participa de conferência em Berlim, em março de 2014
Michael Steiner, 65, teve uma longa carreira diplomática, apesar de muitos lembrarem dele principalmente pelo escândalo que lhe custou o cargo de conselheiro de política externa do chanceler Gerhard Schröder. Ao voltar para casa de uma viagem à China, seu avião ficou retido em Moscou e ele discutiu com um oficial militar alemão, no final chamando o oficial de "babaca", segundo relatos do incidente na mídia. Ele também exigiu caviar –-como piada, insiste Steiner até hoje. Todavia, ele acabou removido de seu cargo graças à imprensa de tabloide pouco tempo depois.
Maurizio Gambarini/EFE
O ex-chanceler alemão Gerhard Schröder participa de conferência em Berlim, em março de 2014
Michael Steiner, 65, teve uma longa carreira diplomática, apesar de muitos lembrarem dele principalmente pelo escândalo que lhe custou o cargo de conselheiro de política externa do chanceler Gerhard Schröder. Ao voltar para casa de uma viagem à China, seu avião ficou retido em Moscou e ele discutiu com um oficial militar alemão, no final chamando o oficial de "babaca", segundo relatos do incidente na mídia. Ele também exigiu caviar –-como piada, insiste Steiner até hoje. Todavia, ele acabou removido de seu cargo graças à imprensa de tabloide pouco tempo depois.
Mesmo assim, ele pode olhar para trás para uma longa
carreira como diplomata alemão. Ele estava ao lado de Schröder em 11 de
setembro de 2001, serviu como representante especial da Alemanha para o
Afeganistão e Paquistão, foi chefe da missão das Nações Unidas em Kosovo
e, no início de sua carreira, foi adido de imprensa da embaixada alemã
em Praga, no final de 1989, enquanto o bloco comunista estava ruindo.
Outros postos incluem um período prolongado como vice-alto representante
em Sarajevo, Bósnia-Herzegóvina. A "Spiegel" falou com ele sobre sua
longa carreira diplomática. A seguir, estão trechos da entrevista.
Spiegel: O "caviar-gate" não foi a única vez em que o senhor esteve nas manchetes devido a um comentário irrefletido ou uma abordagem heterodoxa à diplomacia. Olhando para trás, um pouco mais de moderação lhe teria sido apropriado?
Steiner: Durante meu tempo na Bósnia, nos anos 1990, eu trabalhei estreitamente e de forma bem-sucedida com Richard Holbrooke, que foi o emissário especial do presidente Bill Clinton para os Bálcãs. Ele era um diplomata, mas era uma das pessoas mais diretas que conheci. Na época, ele realizou uma rodada de negociações com o presidente sérvio, Slobodan Milosevic em um museu da Força Aérea, onde um míssil de cruzeiro estava em exposição, apenas para deixar claro para Milosevic o que estaria reservado para ele caso se recusasse a recuar. Nunca fui fã da diplomacia talleyrandiana, que oculta seus verdadeiros motivos e dissemina uma aura de sigilo. Não acho que funcione.
Spiegel: Os ataques nos Estados Unidos em 11 de setembro de 2001 ocorreram durante seu período como conselheiro de política externa do chanceler Gerhard Schröder. O senhor se recorda daquele dia?
Steiner: É claro, como quase todo mundo, provavelmente. Schröder iria realizar um discurso naquele dia no Conselho Alemão de Relações Exteriores, em Berlim. Meu pessoal tinha preparado um belo texto para ele, mas quando estava prestes a seguir para lá, ele –-como todos nós-– não conseguia deixar de acompanhar as imagens pela TV das Torres Gêmeas em chamas. Schröder disse: "Michael, vá até lá e explique às pessoas porque não posso ir hoje".
Spiegel: Como foi nos dias que se seguiram aos ataques?
Steiner: Condoleezza Rice era a conselheira de segurança de George W. Bush na época. Eu tinha um bom relacionamento com ela. Mas depois do 11 de Setembro, todo o governo se entrincheirou. Nós não tínhamos mais acesso a Rice, muito menos ao presidente. Não foi apenas a nossa experiência, mas também a dos franceses e britânicos. É claro que isso nos deixou enormemente preocupados.
Spiegel: Por quê?
Steiner: Porque achávamos que os americanos reagiriam de forma exagerada em resposta ao choque inicial. Para os Estados Unidos, foi uma experiência chocante serem atacados em seu próprio solo.
Spiegel: O que o senhor quer dizer com reação de forma exagerada? Vocês temiam que Bush atacaria o Afeganistão com armas nucleares?
Steiner: Os americanos disseram na ocasião que todas as opções estavam na mesa. Quando visitei Condoleezza Rice na Casa Branca poucos dias depois, eu percebi que não se tratava apenas de uma figura de linguagem.
Spiegel: Os americanos desenvolveram planos concretos para o uso de armas nucleares no Afeganistão?
Steiner: Eles realmente pensaram em todos os cenários. Documentos foram redigidos.
Spiegel: Um dia depois dos ataques, Schröder prometeu "solidariedade ilimitada" aos Estados Unidos. Essa formulação partiu de você?
Steiner: Não, pelo contrário. Eu a achei errada. Solidariedade plena, com certeza. Mas um Estado não pode dar cheques em branco.
Spiegel: O senhor tentou convencer Schröder a mudar de ideia?
Steiner: Sim, eu fui vê-lo em Hanover por esse motivo. Mas ele não mudou de ideia. Ele me expulsou.
Spiegel: O senhor ficou furioso?
Steiner: Sim. Mas é preciso ser dito que, em muitos assuntos, olhando para trás, Schröder estava certo. Posso me lembrar de uma noite em Londres, quando ele estava sentado com o primeiro-ministro britânico, Tony Blair. Era duas ou três horas da manhã e os dois estavam, vamos dizer, em um estado social avançado. De repente, Blair disse: "Você pode ficar com tudo, Gerd, todos os carros que produzimos aqui: Rolls Royce, Bentley, Rover. Isso é o século 19. Isso é aço, não é o futuro". Schröder respondeu: "Tony, você não sabe nada de economia. Você não entende. Os carros que fabricamos são importantes agentes de tecnologia. Hoje, eles contêm os componentes eletrônicos mais modernos e esse será ainda mais o caso no futuro. Essa é a plataforma para o futuro real". Na época, eu fiquei profundamente envergonhado por Schröder. Eu achava que o futuro estava nos mercados financeiros e na realidade virtual. E então vem Schröder com suas coisas à moda antiga. E quem estava certo? Gerd Schröder.
Em meados de 1989, Michael Steiner assumiu um de seus primeiros postos como adido de imprensa na embaixada da Alemanha Ocidental em Praga. Poucas semanas depois, a situação ali escalou à medida que milhares de refugiados da Alemanha Oriental escalaram as grades da embaixada, na esperança de poderem viajar para a Alemanha Ocidental. Eles armaram tendas no terreno da embaixada para se abrigarem. Em 30 de setembro, o ministro das Relações Exteriores alemão, Hans-Dietrich Genscher, visitou a embaixada e anunciou da sacada do prédio que os alemães orientais seriam autorizados a viajar para o Ocidente. O adido de imprensa Steiner estava logo atrás de Genscher quando o anúncio foi feito e assistiu enquanto as pessoas reunidas abaixo começaram a vibrar em júbilo.
Spiegel: O senhor estava ciente, durante aquele momento na sacada, que a história estava sendo feita?
Steiner: Sim. Você reconhece imediatamente um momento desses.
Spiegel: O que o senhor pôde ver?
Steiner: A sacada estava muito lotada. (...) Eu não conseguia ver as pessoas no jardim abaixo. Então Genscher disse estas palavras: "Estamos aqui hoje para dizer a vocês que estão livres para partir. (...)" Depois disso, tudo o que nós podíamos ouvir eram os gritos de alegria. Aquilo me causou arrepios na espinha. Eu sabia que era o fim da Alemanha Oriental.
Spiegel: Foi um dos grandes momentos da história da Alemanha, mas não há boas imagens em vídeo dele. Por que não?
Steiner: Genscher queria evitar qualquer coisa que pudesse tornar a derrota do Bloco Oriental particularmente espetacular ou vívida. Esse é o motivo para não terem sido feito preparativos. Em um churrasco duas semanas antes, o embaixador me perguntou: "Genscher deseja que a gente traga as pessoas para a embaixada ou as rejeite?" Eu respondi intuitivamente: nenhuma das duas. E acho que fiz a coisa certa. Você tem que imaginar que já havia 5 mil refugiados alemães-orientais no terreno da embaixada àquela altura. Do lado de fora da cerca, havia ainda mais querendo entrar. Nós optamos por agir da forma mais passiva possível. Quando chegaram, nós os recebemos e cuidamos deles, mas não encorajamos ativamente ninguém. A história teria que encontrar seu próprio caminho, que foi o que aconteceu no final.
Spiegel: Há imagens mostrando o senhor ajudando um homem a escalar a grade. Isso não é exatamente passivo.
Steiner: Isso foi bem no final de setembro. Da minha sala de adido de imprensa, eu vi que um refugiado estava pendurado na grade e quase conseguindo pular. Mas a polícia tcheca estava batendo nele e tentando puxá-lo de volta pelos pés. Eu saí correndo e gritei para a polícia soltá-lo. Eu estava com medo. Tive sorte de o policial estar com ainda mais medo e tê-lo soltado.
Spiegel: Vocês estavam preocupados na época de que, se alguém fizesse algo errado, aquilo poderia provocar a Terceira Guerra Mundial?
Steiner: De qualquer forma, a situação era enormemente tensa. É difícil imaginá-la hoje. Em uma ocasião, jovens alemães-orientais estavam cara a cara com a polícia. Os tchecos estavam ameaçando usar seus cassetetes e gás lacrimogêneo. De repente, mães jovens chegaram com seus bebês e marcharam diretamente para a polícia, segurando seus filhos diante delas. Eu pensei: Elas são loucas! Mas apesar do desespero delas, a intuição delas foi correta. Quando viram os bebês, os policiais não ousaram usar o gás lacrimogêneo.
Spiegel: Após o regime da Alemanha Oriental ceder, o senhor tomou um trem especial para a Alemanha Ocidental juntamente com os refugiados. Por que o senhor os acompanhou?
Steiner: Nós viajamos juntos como garantia, para assegurar que os trens chegariam em segurança ao seu destino. A rota passava pela Alemanha Oriental, de acordo com o desejo de Berlim Oriental. Mas foi um enorme erro tático por parte deles, porque assegurou que as pessoas ao longo da rota na Alemanha Oriental testemunhassem a derrota de seu regime.
Spiegel: Qual era o sentimento dentro do trem?
Steiner: As pessoas estavam eufóricas, mas também com muito medo. Elas não confiavam no regime, é claro. Alguns dos refugiados atiraram seus passaportes e chaves do trem para deixar seus passados para trás. Era a hora zero.
Spiegel: O senhor permaneceu em Praga por algum tempo após o colapso do comunismo. A vida não ficou de repente extremamente tediosa?
Steiner: Não, pois todo o país estava em agitação e mesmo na embaixada, nós fizemos algumas descobertas interessantes. Nós pedimos ao novo presidente tcheco, Václav Havel, para retirar os grampos da embaixada. A Bundesnachrichtendienst (nota do editor: a agência de inteligência estrangeira da Alemanha) não tinha encontrado nada, mas não acreditávamos. No final, Havel enviou uma equipe e o método ficou claro. Eles instalaram minúsculos tubos de vidro através das paredes espessas da embaixada e colocaram os grampos no lado de fora. Eles podiam ouvir tudo.
Spiegel: Vocês não estavam cientes de que, como diplomatas, estavam sendo ouvidos?
Steiner: Sim, Mas o método usado foi particularmente inteligente.
Spiegel: A vigilância cessou assim que o comunismo caiu?
Steiner: Infelizmente, não. Certo dia na chancelaria, eu desenrosquei o receptor do telefone, nem mesmo lembro mais o motivo. No receptor, eu encontrei um componente pequeno e estranho. Era um grampo e aparentemente estava lá há algum tempo. Eu fiquei furioso.
Spiegel: O senhor tem alguma suspeita de quem estava ouvindo?
Steiner: Havia indícios de que o grampo foi colocado no meu telefone por poderes, a princípio, aliados. Mas vamos parar por aqui.
Spiegel: Como é um dia na chancelaria em que o conselheiro de política externa de Schröder encontra um grampo americano em seu telefone e fica furioso?
Steiner: Eu contei a todo mundo que precisava saber.
Spiegel: O "caviar-gate" não foi a única vez em que o senhor esteve nas manchetes devido a um comentário irrefletido ou uma abordagem heterodoxa à diplomacia. Olhando para trás, um pouco mais de moderação lhe teria sido apropriado?
Steiner: Durante meu tempo na Bósnia, nos anos 1990, eu trabalhei estreitamente e de forma bem-sucedida com Richard Holbrooke, que foi o emissário especial do presidente Bill Clinton para os Bálcãs. Ele era um diplomata, mas era uma das pessoas mais diretas que conheci. Na época, ele realizou uma rodada de negociações com o presidente sérvio, Slobodan Milosevic em um museu da Força Aérea, onde um míssil de cruzeiro estava em exposição, apenas para deixar claro para Milosevic o que estaria reservado para ele caso se recusasse a recuar. Nunca fui fã da diplomacia talleyrandiana, que oculta seus verdadeiros motivos e dissemina uma aura de sigilo. Não acho que funcione.
Spiegel: Os ataques nos Estados Unidos em 11 de setembro de 2001 ocorreram durante seu período como conselheiro de política externa do chanceler Gerhard Schröder. O senhor se recorda daquele dia?
Steiner: É claro, como quase todo mundo, provavelmente. Schröder iria realizar um discurso naquele dia no Conselho Alemão de Relações Exteriores, em Berlim. Meu pessoal tinha preparado um belo texto para ele, mas quando estava prestes a seguir para lá, ele –-como todos nós-– não conseguia deixar de acompanhar as imagens pela TV das Torres Gêmeas em chamas. Schröder disse: "Michael, vá até lá e explique às pessoas porque não posso ir hoje".
Spiegel: Como foi nos dias que se seguiram aos ataques?
Steiner: Condoleezza Rice era a conselheira de segurança de George W. Bush na época. Eu tinha um bom relacionamento com ela. Mas depois do 11 de Setembro, todo o governo se entrincheirou. Nós não tínhamos mais acesso a Rice, muito menos ao presidente. Não foi apenas a nossa experiência, mas também a dos franceses e britânicos. É claro que isso nos deixou enormemente preocupados.
Spiegel: Por quê?
Steiner: Porque achávamos que os americanos reagiriam de forma exagerada em resposta ao choque inicial. Para os Estados Unidos, foi uma experiência chocante serem atacados em seu próprio solo.
Spiegel: O que o senhor quer dizer com reação de forma exagerada? Vocês temiam que Bush atacaria o Afeganistão com armas nucleares?
Steiner: Os americanos disseram na ocasião que todas as opções estavam na mesa. Quando visitei Condoleezza Rice na Casa Branca poucos dias depois, eu percebi que não se tratava apenas de uma figura de linguagem.
Spiegel: Os americanos desenvolveram planos concretos para o uso de armas nucleares no Afeganistão?
Steiner: Eles realmente pensaram em todos os cenários. Documentos foram redigidos.
Spiegel: Um dia depois dos ataques, Schröder prometeu "solidariedade ilimitada" aos Estados Unidos. Essa formulação partiu de você?
Steiner: Não, pelo contrário. Eu a achei errada. Solidariedade plena, com certeza. Mas um Estado não pode dar cheques em branco.
Spiegel: O senhor tentou convencer Schröder a mudar de ideia?
Steiner: Sim, eu fui vê-lo em Hanover por esse motivo. Mas ele não mudou de ideia. Ele me expulsou.
Spiegel: O senhor ficou furioso?
Steiner: Sim. Mas é preciso ser dito que, em muitos assuntos, olhando para trás, Schröder estava certo. Posso me lembrar de uma noite em Londres, quando ele estava sentado com o primeiro-ministro britânico, Tony Blair. Era duas ou três horas da manhã e os dois estavam, vamos dizer, em um estado social avançado. De repente, Blair disse: "Você pode ficar com tudo, Gerd, todos os carros que produzimos aqui: Rolls Royce, Bentley, Rover. Isso é o século 19. Isso é aço, não é o futuro". Schröder respondeu: "Tony, você não sabe nada de economia. Você não entende. Os carros que fabricamos são importantes agentes de tecnologia. Hoje, eles contêm os componentes eletrônicos mais modernos e esse será ainda mais o caso no futuro. Essa é a plataforma para o futuro real". Na época, eu fiquei profundamente envergonhado por Schröder. Eu achava que o futuro estava nos mercados financeiros e na realidade virtual. E então vem Schröder com suas coisas à moda antiga. E quem estava certo? Gerd Schröder.
Em meados de 1989, Michael Steiner assumiu um de seus primeiros postos como adido de imprensa na embaixada da Alemanha Ocidental em Praga. Poucas semanas depois, a situação ali escalou à medida que milhares de refugiados da Alemanha Oriental escalaram as grades da embaixada, na esperança de poderem viajar para a Alemanha Ocidental. Eles armaram tendas no terreno da embaixada para se abrigarem. Em 30 de setembro, o ministro das Relações Exteriores alemão, Hans-Dietrich Genscher, visitou a embaixada e anunciou da sacada do prédio que os alemães orientais seriam autorizados a viajar para o Ocidente. O adido de imprensa Steiner estava logo atrás de Genscher quando o anúncio foi feito e assistiu enquanto as pessoas reunidas abaixo começaram a vibrar em júbilo.
Spiegel: O senhor estava ciente, durante aquele momento na sacada, que a história estava sendo feita?
Steiner: Sim. Você reconhece imediatamente um momento desses.
Spiegel: O que o senhor pôde ver?
Steiner: A sacada estava muito lotada. (...) Eu não conseguia ver as pessoas no jardim abaixo. Então Genscher disse estas palavras: "Estamos aqui hoje para dizer a vocês que estão livres para partir. (...)" Depois disso, tudo o que nós podíamos ouvir eram os gritos de alegria. Aquilo me causou arrepios na espinha. Eu sabia que era o fim da Alemanha Oriental.
Spiegel: Foi um dos grandes momentos da história da Alemanha, mas não há boas imagens em vídeo dele. Por que não?
Steiner: Genscher queria evitar qualquer coisa que pudesse tornar a derrota do Bloco Oriental particularmente espetacular ou vívida. Esse é o motivo para não terem sido feito preparativos. Em um churrasco duas semanas antes, o embaixador me perguntou: "Genscher deseja que a gente traga as pessoas para a embaixada ou as rejeite?" Eu respondi intuitivamente: nenhuma das duas. E acho que fiz a coisa certa. Você tem que imaginar que já havia 5 mil refugiados alemães-orientais no terreno da embaixada àquela altura. Do lado de fora da cerca, havia ainda mais querendo entrar. Nós optamos por agir da forma mais passiva possível. Quando chegaram, nós os recebemos e cuidamos deles, mas não encorajamos ativamente ninguém. A história teria que encontrar seu próprio caminho, que foi o que aconteceu no final.
Spiegel: Há imagens mostrando o senhor ajudando um homem a escalar a grade. Isso não é exatamente passivo.
Steiner: Isso foi bem no final de setembro. Da minha sala de adido de imprensa, eu vi que um refugiado estava pendurado na grade e quase conseguindo pular. Mas a polícia tcheca estava batendo nele e tentando puxá-lo de volta pelos pés. Eu saí correndo e gritei para a polícia soltá-lo. Eu estava com medo. Tive sorte de o policial estar com ainda mais medo e tê-lo soltado.
Spiegel: Vocês estavam preocupados na época de que, se alguém fizesse algo errado, aquilo poderia provocar a Terceira Guerra Mundial?
Steiner: De qualquer forma, a situação era enormemente tensa. É difícil imaginá-la hoje. Em uma ocasião, jovens alemães-orientais estavam cara a cara com a polícia. Os tchecos estavam ameaçando usar seus cassetetes e gás lacrimogêneo. De repente, mães jovens chegaram com seus bebês e marcharam diretamente para a polícia, segurando seus filhos diante delas. Eu pensei: Elas são loucas! Mas apesar do desespero delas, a intuição delas foi correta. Quando viram os bebês, os policiais não ousaram usar o gás lacrimogêneo.
Spiegel: Após o regime da Alemanha Oriental ceder, o senhor tomou um trem especial para a Alemanha Ocidental juntamente com os refugiados. Por que o senhor os acompanhou?
Steiner: Nós viajamos juntos como garantia, para assegurar que os trens chegariam em segurança ao seu destino. A rota passava pela Alemanha Oriental, de acordo com o desejo de Berlim Oriental. Mas foi um enorme erro tático por parte deles, porque assegurou que as pessoas ao longo da rota na Alemanha Oriental testemunhassem a derrota de seu regime.
Spiegel: Qual era o sentimento dentro do trem?
Steiner: As pessoas estavam eufóricas, mas também com muito medo. Elas não confiavam no regime, é claro. Alguns dos refugiados atiraram seus passaportes e chaves do trem para deixar seus passados para trás. Era a hora zero.
Spiegel: O senhor permaneceu em Praga por algum tempo após o colapso do comunismo. A vida não ficou de repente extremamente tediosa?
Steiner: Não, pois todo o país estava em agitação e mesmo na embaixada, nós fizemos algumas descobertas interessantes. Nós pedimos ao novo presidente tcheco, Václav Havel, para retirar os grampos da embaixada. A Bundesnachrichtendienst (nota do editor: a agência de inteligência estrangeira da Alemanha) não tinha encontrado nada, mas não acreditávamos. No final, Havel enviou uma equipe e o método ficou claro. Eles instalaram minúsculos tubos de vidro através das paredes espessas da embaixada e colocaram os grampos no lado de fora. Eles podiam ouvir tudo.
Spiegel: Vocês não estavam cientes de que, como diplomatas, estavam sendo ouvidos?
Steiner: Sim, Mas o método usado foi particularmente inteligente.
Spiegel: A vigilância cessou assim que o comunismo caiu?
Steiner: Infelizmente, não. Certo dia na chancelaria, eu desenrosquei o receptor do telefone, nem mesmo lembro mais o motivo. No receptor, eu encontrei um componente pequeno e estranho. Era um grampo e aparentemente estava lá há algum tempo. Eu fiquei furioso.
Spiegel: O senhor tem alguma suspeita de quem estava ouvindo?
Steiner: Havia indícios de que o grampo foi colocado no meu telefone por poderes, a princípio, aliados. Mas vamos parar por aqui.
Spiegel: Como é um dia na chancelaria em que o conselheiro de política externa de Schröder encontra um grampo americano em seu telefone e fica furioso?
Steiner: Eu contei a todo mundo que precisava saber.
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