Riham Alkousaa e Maximilian Popp - Der Spiegel
Louisa Gouliamaki/AFP
Menino refugiado olha para fora do ônibus, após desembarcar de uma balsa no porto de Pireu, em Atenas, Grécia
O fechamento da rota dos Bálcãs deixou dezenas de milhares de refugiados retidos na Grécia, sem ter para onde ir. Contrabandistas que antes lucravam levando os imigrantes para a Europa agora estão oferecem um novo serviço: a volta para a Turquia.
Mesut Mahmud sonhava
com uma vida na Alemanha, França ou Suécia. Mas agora, após passar
quatro meses na Grécia como refugiado, ele só quer uma coisa: sair da
Europa.
Ele rasteja por uma moita de juncos e
por entre árvores ao longo da fronteira greco-turca, com mosquitos
picando seu rosto e suor escorrendo de sua testa. Seus braços estão
cobertos de arranhões causados pelos espinhos e seus sapatos estão
cobertos de lama.
Assim que anoitece, Mahmud,
37, segue os trilhos de uma estação na cidade de fronteira grega de
Orestiada em direção à Turquia, com um contrabandista tunisiano de
imigrantes o guiando. Ao seu lado estava sua irmã de 23 anos, Selma, e
seu irmão de 11 anos, Yilmaz. Ao se aproximarem da cidade, eles
desviaram para um campo, se esconderam dos policiais gregos em uma vala e
avançaram pelo pântano.
Agora Mahmud consegue
ouvir o som do rio Evros correndo ao longo da fronteira greco-turca.
Ele usa seu celular para iluminar o caminho, enquanto busca segurar a
mão de sua irmã. "Selma, segure firme", ele diz. "Estamos quase lá.
Estamos quase na Turquia."
Por muito tempo, o
fluxo de refugiados seguia em uma única direção, da Turquia para a
Grécia e para os Bálcãs, e dali para o centro e norte da Europa. Mas
agora que um país membro da União Europeia após outro fechou suas
fronteiras, muitos imigrantes estão retidos. Na Grécia, quase 60 mil
requerentes de asilo estão aguardando para viajar ao norte. Alguns deles
já começaram a voltar para a Turquia por vontade própria, motivados
pela frustração e desespero.
Armed Nimani/AFP
Imigrantes e refugiados tentam se aquecer na fronteira entre Grécia e Macedônia
O recuo dos refugiados ilustra o fracasso da política de asilo
europeia. A UE não oferece aos retidos na Grécia a proteção adequada.
Aqueles que decidem voltar para a Turquia voltam cruzando a fronteira
com a ajuda de contrabandistas, já que não há um caminho legal
estabelecido. A polícia grega estima que, nas últimas semanas, entre 30 e
40 refugiados por dia cruzam o Evros de volta à Turquia. Muitos deles
são pais sírios que viviam na Alemanha, mas cujas esposas e filhos não
foram autorizados a se juntarem a eles. O governo alemão dificultou para
que os refugiados façam remessas para suas famílias neste ano.
'Querida, estou voltando'
Mesut Mahmud, um homem magro com cabelo ralo e olhos cansados,
trabalhava como caminhoneiro em Qamishli, uma cidade curda no nordeste
da Síria. Logo depois do início da guerra, ele fugiu com seus dois
irmãos e sua esposa para a cidade portuária de Mersin, no sul da
Turquia. Ele encontrou um emprego em uma construtora e ele e sua esposa
tiveram outro filho.
Ele queria permanecer em
Mersin e aguardar pelo fim da guerra em seu país natal, mas a vida na
Turquia se tornou insuportável para os curdos, ele diz. O governo turco
expandiu sua campanha contra os separatistas turcos para as cidades do
sudeste do país. Desde o inverno, ataques militares na região foram
responsáveis pela morte de centenas de civis.
No final de março, a UE e a Turquia chegaram a um acordo para conter o
fluxo de imigrantes viajando para a Europa pelo Mar Egeu. Poucas semanas
antes, Mahmud embarcou no bote de borracha de um contrabandista com sua
irmã Selma e seu irmãozinho Yilmaz, na cidade portuária de Izmir.
Inicialmente, eles queriam ir para Lesbos e dali para a Alemanha, de
onde Mahmud planejava enviar dinheiro para sua esposa e filho
recém-nascido. O que ele não sabia era que a Macedônia já tinha fechado a
rota pelo norte pelos Bálcãs. Assim como muitos outros, Mahmud ficou
retido em Idomeni, um vilarejo na fronteira greco-macedônia.
O presidente do Parlamento Europeu, Martin Schulz, chamou Idomeni de
"desgraça para os países da UE". Cerca de 14 mil imigrantes viviam ali
por meses em tendas, passando fome e frio, e a polícia reprimindo as
revoltas com cassetetes e gás lacrimogêneo. No final de maio, o governo
grego removeu o campo e Mahmud se mudou para o "Hotel Hara", um
acampamento montado em um estacionamento de motel a poucos quilômetros
fora de Idomeni.
A maioria dos imigrantes não
pediu asilo na Grécia. As condições para os refugiados são miseráveis,
especialmente após anos de dificuldades econômicas provocadas pela crise
financeira. Os refugiados aguardam meses, com frequência anos, até
poderem pedir asilo, com o governo grego os colocando em barracões
industriais nos arredores das cidades, às vezes sem eletricidade ou água
corrente.
Aris Messinis/ AFP
Barco com refugiados chega na ilha Lesbos, na Grécia, após sair da Turquia
Mahmud esperou por semanas no Hotel Hara. Ele usava uma caixa de
papelão desmontada como cama, mas ratos andavam por suas pernas e os
gritos das crianças e dos doentes lhe impediam de dormir. A Comissão
Europeia anunciou no final do ano passado que aliviaria a Grécia e a
Itália de 160 mil refugiados e os redistribuiria pela UE. Até o momento,
apenas poucas centenas foram reassentados.
"Eu achei que a Europa respeitaria os direitos humanos, mas a vida na
Grécia é pior do que na Turquia. Ao menos há trabalho na Turquia", diz
Mahmud.
Quando ele telefonou para sua esposa
no início de junho, ele chorou. Foi difícil para ele abandonar sua
esperança de uma vida na Alemanha, um local onde achou que sua família
poderia novamente ter uma vida com segurança e liberdade. Mas agora ele
sabe que a Europa não vai ajudá-lo.
"Querida", ele disse ao telefone. "Estou voltando para Mersin."
Preso na Grécia
Como parte de seu acordo com Ancara, a UE passou a deportar os
imigrantes nas ilhas gregas de volta para a Turquia. Mas para os
refugiados que chegaram à Grécia antes do pacto ser selado, não há
canais legais para o retorno. Mahmud e seus irmãos juntaram o que
restava de seu dinheiro e tomaram um táxi da fronteira greco-macedônia
para Tessalônica. De lá, eles continuaram por trem até Alexandrópolis,
na fronteira greco-turca.
Por muito tempo,
Alexandrópolis esteve fora do radar dos imigrantes. Atenas selou a rota
da Turquia pelo rio Evros em 2012, de forma que a maioria dos
requerentes de asilo começou a chegar de bote pelo Mar Egeu. Mas agora,
os refugiados estão voltando para a Turquia novamente usando
Alexandrópolis como parada, já que a polícia grega e turca está
patrulhando o mar de forma mais rígida do que a fronteira por terra.
A estação de trem de Alexandrópolis se tornou um ponto de coleta de
pessoas retidas e decepcionadas. Em um dia úmido de junho, vários
refugiados aguardavam para retornar à Turquia. Um deles, uma mulher
síria grávida, tinha escapado da miséria de um campo em Atenas. Lá
também estavam um órfão sírio do Hotel Hara e um enfermeiro de Damasco
que passou meses em um campo na Baviera, aguardando para que sua esposa e
filha fossem autorizados a vir da Turquia para se juntar a ele. "A
Alemanha não pode me forçar a viver sem minha família", ele disse.
Mahmud chegou em Alexandrópolis em uma manhã de domingo. Um
contrabandista o abordou na estação de trem, alegando que poderia levar
Mahmud e seus irmãos até a Turquia, por Orestiada e pelo rio Evros.
Contrabandistas turcos têm um firme controle do tráfico humano na
região. Eles empregam refugiados na Turquia e na Grécia para ajudá-los a
recrutar novos clientes. Há muito tempo as gangues ganham seu dinheiro
contrabandeando imigrantes para a Europa, mas agora oferecem também
serviço na direção contrária. Por 800 euros (cerca de R$ 2.900) por
pessoa, eles tentam levar os refugiados de Alexandrópolis para Istambul,
mas nem sempre conseguem.
O sol já começava a
nascer quando Mahmud e seus irmãos chegaram à fronteira. Mahmud está
ofegante: um velho ferimento no estômago, de quando foi baleado na
Síria, está latejando. Ele faz um esforço para prosseguir, mas ao sair
de uma moita, ele ouve um comando: "Pare!" Ele se volta e policiais
gregos estão rapidamente sobre ele. Ele levanta suas mãos, com seu irmão
e irmã encolhidos atrás dele. O contrabandista desaparece na floresta.
Os policiais prendem os três sírios. Mahmud dá aos guardas em Orestiada
seus dados pessoais. Após identificar o contrabandista em uma foto em
um celular, ele é autorizado a partir. A Grécia não tem interesse em
prender imigrantes tentando voltar à Turquia. À tarde, Mahmud estava
abraçado ao seus irmãos na estação de trem em Orestiada. Ele planeja
voltar ao Hotel Hara. Ele não sabe para onde ir. Suas economias já se
esgotaram. "Para nós, a Grécia é uma prisão", ele diz.
Tradutor: George El Khouri Andolfato
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