A corrupção está disseminada, mas o 'Estado-Odebrecht' veio de Lula
Demétrio Magnoli - FSP
"A direita brasileira precisa se decidir sobre Temer; abandoná-lo é
colocar em risco as reformas de mercado, apoiá-lo é colocar-se no centro
do alvo da Lava Jato". Celso de Barros, autor da disjuntiva (Folha,
1º/3), tende a ser uma voz ponderada. Quando mesmo ele cede ao
sectarismo, temos a dimensão do esgarçamento da nossa praça de debate.
A "nova direita", na expressão de Barros, só tem relevância para almas
viciadas nas guerrilhas crônicas das redes sociais. O governo Temer,
obviamente, tem a sua importância, mas o dilema de fundo, entre as
reformas de mercado e a Lava Jato, diz respeito à nação inteira, não só
aos governistas ou à tal "direita brasileira". A pergunta é: como se
situa frente a ele a "esquerda brasileira", da qual Barros faz parte?
As "reformas de mercado" não emergem no vácuo histórico, mas como uma
solução possível para a devastação das contas públicas e dos balanços
das estatais pelos governos da "esquerda brasileira". Não há meios de
deflagrar uma discussão honesta sobre elas sem, previamente, fazer um
diagnóstico da política econômica que conduziu à maior depressão
registrada no país desde o colapso cafeeiro. Para não reformar-se a si
mesmo, o PT foge desesperadamente desse tema. Como não lastimar que os
intelectuais de esquerda contribuam com a fuga, empregando o álibi de
apontar impasses nas igrejinhas histéricas da direita?
A Lava Jato também não é um raio no céu claro. A corrupção, tão velha
quanto o Brasil, está disseminada por todos os partidos, mas o
"Estado-Odebrecht" nasceu sob as asas de Lula. A "esquerda brasileira"
centralizou os esquemas de captura privada do poder público,
convertendo-os em ferramenta política estratégica. No "centro da Lava
Jato", encontram-se os que detinham as chaves das portas das empresas
estatais durante os 13 gloriosos anos do verde-amarelismo lulopetista.
Mas, em exercícios de hipocrisia extrema, os intelectuais de esquerda
comemoram os inquéritos que atingem o círculo de Temer enquanto
denunciam uma suposta "perseguição de Moro" contra seu idolatrado
ex-presidente. Como não lastimar isso?
Temer pode cair, fulminado pelo TSE ou pela Lava Jato. Seria substituído
por um presidente de transição, escolhido pelo Congresso. Nesse
cenário, a Lava Jato permaneceria na cena, sustentada pela independência
do Judiciário. As reformas de mercado tampouco evaporariam, pois contam
com respaldo da maioria parlamentar. O Brasil não está obrigado a
escolher entre a devassa judicial da corrupção e as reformas de mercado,
pois nenhuma lei de ferro da lógica binária impede que tenha as duas. A
pergunta é: será que, como sugerem os ataques lulistas à Lava Jato e a
resistência do PT às reformas econômicas, a "esquerda brasileira"
preferiria bloquear as duas?
O PT passou suas duas décadas iniciais denunciando a captura do Estado
pelos interesses privados. No seu primeiro mandato, Lula ensaiou uma
reforma da Previdência e especulou sobre a necessidade de uma reforma
trabalhista. Durante os meses agônicos de Joaquim Levy, Dilma explicou
que seria preciso aumentar a idade de aposentadoria. Hoje, de volta à
oposição, o lulopetismo recolhe-se à caverna do populismo e do
capitalismo de Estado, enfeitando-a com delinquentes invectivas contra o
Judiciário. Na esperança de um 2018 "sem medo de ser feliz", investe no
caos político e no prolongamento da depressão econômica que produziu.
Os intelectuais "companheiros de viagem" dão sua contribuição,
esvaziando de sentido o debate público.
No texto de Barros, os rumos da economia e a natureza do Estado surgem
como cascas de banana na calçada por onde transitam seitas apopléticas
de "liberais" adoradores de Bolsonaro e Trump. É uma forma de ocultar
que essas duas facetas da crise nacional representam o enigma que a
"esquerda brasileira" precisa decifrar.
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