Febre amarela no Rio retoma medo de avanço e urbanização da doença
NATÁLIA CANCIAN/LUIZA FRANCO - FSP
A confirmação de dois casos de febre amarela
silvestre no Estado do Rio de Janeiro voltou a gerar alerta para a
ameaça de uma nova expansão do surto no país e risco de reurbanização da
doença.
O ritmo de notificação de novos casos de febre amarela vinha caindo nas
últimas semanas nos demais Estados atingidos, como Minas Gerais e
Espírito Santo –que concentram 93% dos casos suspeitos. Levantamento da Folha
a partir de boletins do Ministério da Saúde mostra uma queda de 86% nas
novas notificações a cada semana entre janeiro e março deste ano.
Agora, especialistas dizem temer um novo aumento. A preocupação ocorre
devido ao alto número de pessoas não vacinadas. Assim como o Espírito
Santo, o Rio de Janeiro não fazia parte da área de recomendação para a
vacina de febre amarela.
O município onde os dois primeiros casos com transmissão no Rio foram
confirmados, Casimiro de Abreu, tampouco estava na lista de cidades que,
por fazerem fronteira com Minas Gerais, tiveram vacinação preventiva
aplicada desde o início do ano.
Para Antônio Bandeira, coordenador do comitê de arboviroses da Sociedade
Brasileira de Infectologia, o cenário chama atenção por haver
confirmação de casos em áreas distintas, sem proximidade. Além de
Casimiro de Abreu, ele cita as mortes de macacos confirmadas para a
febre amarela em Alagoinhas, na Bahia, também fora da fronteira.
Nesta segunda-feira (20), a OMS (Organização Mundial de Saúde) anunciou
que irá passar a recomendar a vacina contra a febre amarela para todos
os turistas internacionais que viajam para os Estados do Rio e de São Paulo.
A exceção vale apenas para quem se dirige para as áreas urbanas das
capitais dos dois Estados, além das cidades de Niterói e Campinas.
Neste ano, a OMS já havia incluído o Espírito Santo e 69 municípios do
sul e sudoeste da Bahia como áreas onde a vacina é indicada aos
turistas. Minas Gerais já fazia parte da área de recomendação da vacina
nos últimos anos.
SEM FRONTEIRAS
Maurício Nogueira, da Sociedade Brasileira de Virologia, diz ver na
confirmação dos casos de febre amarela no Rio uma "crônica anunciada".
"É um fenômeno mais ou menos esperado, porque o vírus não respeita a
fronteira. Mas que reforça a necessidade urgente de fazer a vacinação."
Ele afirma que a situação chama atenção para o risco de reurbanização da
doença.
Até agora, todos os casos de febre amarela registrados neste ano são
silvestres, transmitidos por mosquitos da área rural (Sabethes e
Haemagogus). Casos de febre amarela urbana, vinculados ao Aedes aegypti,
não são registrados no Brasil desde 1942.
"O Rio de Janeiro é um ponto crítico, porque tem um histórico [de
epidemias] que vem de séculos. Temos a Baixada Fluminense com muito
Aedes aegypti e população não vacinada. Se tem população suscetível,
tem-se a receita para febre amarela urbana."
Um dos principais estudiosos sobre a doença, o médico epidemiologista Pedro Tauil,
da Universidade de Brasília, diz que a confirmação no Rio mostra ser
preciso estar em alerta para o risco de casos também em outras regiões.
É a situação, avalia, do sul da Bahia, com mortes de macacos e casos em
investigação. "É uma área que está sendo bloqueada [com a vacinação],
porque como ocorreu com Rio e Espírito Santo, é possível se estender
para essa região. Mas acredito que vai ficar restrito a esses Estados."
Tauil ressalva que, com redução da temperatura e do volume de chuvas, o
clima se torna desfavorável aos transmissores da doença. "Em maio,
provavelmente não vamos ter mais casos, porque a densidade do mosquito
diminui." Até lá, secretarias de saúde tentam ampliar nas áreas de risco
a cobertura vacinal –que hoje é próxima de 70% a 75% da população em
Minas Gerais e Espírito Santo.
"Tivemos redução significativa de novos casos, mas ainda temos novas
notificações nas áreas onde ainda não temos cobertura vacinal de 100%",
afirma Rodrigo Said, subsecretário de vigilância de Minas Gerais. No
Rio, onde a vacinação se concentrava em 30 municípios, a confirmação dos
casos fez com que a área fosse ampliada para 64. A ideia é estender a
imunização ao resto do Estado até o fim do ano.
Em 21 das 30 cidades que concentravam a vacinação no Rio, menos de
metade da população estava imunizada. Na capital fluminense, testes em
amostras de cinco macacos mortos coletadas em outubro de 2016 deram
negativo para a febre amarela, conforme resultados divulgados nesta
segunda. Com isso, na avaliação da secretaria, não há evidência da
circulação do vírus no município.
'NINGUÉM EXPLICA'
"O povo não é burro. Sabemos que, se há doente por perto, há chance de
transmissão", diz a aposentada Carmen Borges, 69, para explicar a
corrida da população do Rio aos postos de saúde para tomar vacina contra
febre amarela. Ela própria chegou ao posto Píndaro de Carvalho, na
Gávea, na capital, antes das 7h nesta segunda (20).
Desde que dois casos foram confirmados no Estado, na última quarta (15),
e uma pessoa morreu, os lugares que oferecem a vacina estão lotados. Os
mais precavidos levam comida e cadeira de praia para esperarem
sentados. Há quem venha de outras cidades, como Nilza Barbosa, 57. "Vim
ao médico no Rio e estou aproveitando para tomar vacina. Estamos todos
muito assustados", diz.
Dos 92 municípios do Estado, 64 já têm mobilizações de vacinação. A
capital fluminense se juntará a eles no próximo sábado. A expansão da
doença era crise anunciada, afirma o presidente da Sociedade Brasileira
de Virologia, Maurício Nogueira.
"O Rio é um Estado de risco porque tem muita mata e pouca gente
vacinada. A cobertura mínima segura é de 80% da população. Os sinais de
alerta vieram em janeiro, quando a febre amarela atacou no Espírito
Santo."
Ele acrescenta que o Rio está especialmente vulnerável neste momento, em
comparação com São Paulo, devido à crise financeira. "Não se pode
esperar uma faixa de bloqueio [vacinação] efetiva quando não paga
salários."
Especialistas dizem que onde há floresta há risco. "Os mosquitos que
transmitem a febre amarela prescindem de humanos para se alimentar,
diferentemente do Aedes aegypti, mas se faltar alimentação ou se o
humano estiver dentro da mata, ele pica o humano também", diz o
pesquisador da Fiocruz Ricardo Lourenço de Oliveira, que lidera análise
de mosquitos encontrados em áreas de febre amarela.
Para ele, há risco considerável de a febre amarela silvestre se tornar
urbana se a contaminação próxima a cidades se proliferar. A diferença
entre as duas é o mosquito transmissor –na urbana, é o Aedes.
As autoridades municipais e estaduais mantêm o discurso de que não há
motivo para pressa pois não há casos confirmados na capital. Recomendam
prioridade a quem vai viajar para lugares onde há surto.
A Fiocruz
diz que os cinco macacos encontrados mortos em florestas da zona sul e
norte da cidade não estavam com febre amarela. Com isso, a secretaria
estadual de saúde reafirmou que não há contaminação na capital.
Em todo caso, a prefeitura quer aumentar até sexta-feira o volume de
vacinação. O objetivo é fazer cada uma das 34 unidades darem no mínimo
250 doses por dia. Atualmente esse número varia de acordo com a
capacidade do posto. A partir de sábado, haverá um mutirão, e a
vacinação será ampliada para 233 unidades de saúde.
Na última quinta, a Secretaria Estadual de Educação afirmou que as 1.250
escolas da rede estadual de ensino serão usadas como locais de
vacinação, priorizando o atendimento de alunos e pais. A partir desta
terça, o Hemorio, na capital, também vai vacinar contra doença. Receberá
estoque o bastante para dar 500 doses por dia.
O objetivo das autoridades é imunizar toda a população (com exceção de
contra-indicações) até o fim do ano, o que requer 12 milhões de doses.
Nos postos, a população reclama de filas e de falta de informação.
Esperando havia mais de uma hora, Keisa Oliveira, 21, Antonio Vieira,
28, e a filha do casal, Isabella, 2, ainda não sabiam nem se haveria
vacina. Isso porque postos estão controlando a quantidade dada por dia.
"Ninguém explica nada, só falam para a gente esperar na fila", diz
Oliveira.
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