PF deve explicações sobre fraudes em frigoríficos
Passado o primeiro impacto do anúncio da
Carne Fraca, constatam-se falhas de comunicação, que podem ter
amplificado a repercussão
O Globo
Ainda é cedo para se ter uma dimensão precisa dos prejuízos nas exportações
de carnes e subprodutos causados pelo anúncio, na sexta-feira, feito
pela Polícia Federal, da Operação Carne Fraca, criada para desarticular
esquemas montados entre frigoríficos e agentes de fiscalização do
Ministério da Agricultura, com a finalidade de permitir a venda de
produtos fora de especificações.
Mas é certo que o impacto é grande. Afinal, a ação da PF, realizada
durante dois anos, ocorre quando o Brasil, depois de muito trabalho,
abriu importantes mercados para essas exportações, consolidando a
posição de um dos maiores fornecedores mundiais de carnes.
O potencial de problemas econômicos e sociais no país pode ser medido
pela constatação de que os US$ 12,6 bilhões exportados no ano passado
pelo setor perdem apenas para as vendas externas de grãos e minérios.
Com a característica de a malha de frigoríficos ser abastecida,
principalmente em aves e suínos, por milhares de fornecedores instalados
em minifúndios.
A origem da Operação foi a denúncia de um fiscal do Ministério da
Agricultura, Daniel Gouvêa Texeira, de que, ao encontrar graves
irregularidades no frigorífico Peccin, de Curitiba, e denunciá-las à
Superintendência do Ministério no Paraná, foi transferido para um outro
estabelecimento, Souza Ramos, também paranaense, onde novamente
constatou desvios.
Em entrevista ao “Fantástico”, da TV Globo, o fiscal disse que o
Peccin usava carnes estragadas, fora do prazo de validade, sem
refrigeração adequada, “em putrefação mesmo.” No Souza Ramos, embutidos
eram fornecidos para a merenda escolar como se fossem de carne de peru,
mas eram mesmo de carcaça de frango.
Na esteira da repercussão do noticiário, até ontem no fim da tarde, a
China, comprador, no ano passado, de US$ 2 bilhões de carnes
brasileiras — 80% das importações chinesas de frangos são do país —
passou a reter nos portos os contêineres recebidos do Brasil; a Coreia
do Sul, por sua vez, anunciou a suspensão das compras de frango. O
próprio ministro da Agricultura, Blairo Maggi, disse ontem esperar que
cerca de 30 países peçam informações sobre o controle sanitário dessas
exportações.
O governo reagiu com rapidez. Blairo suspendeu a licença que tirara
de dez dias, e o presidente Michel Temer se mobilizou para ouvir
representantes da área e convidar diplomatas a uma conversa no Planalto,
seguido de jantar com carne brasileira numa churrascaria brasiliense.
Um grande problema foi a desastrosa comunicação da Carne Fraca feita
pela PF: ficou a impressão de uma operação executada apenas por escuta
telefônica, e sem qualquer informação precisa da extensão das fraudes.
Passou a ideia de serem casos pontuais — e assim, não justificaria o
estardalhaço. A PF menciona 40 frigoríficos com irregularidades, outros
21 sob suspeita e três unidades fechadas: duas do Peccin, em Paraná e
Santa Catarina, e uma da BRF, em Goiás. No universo de 4.837 unidades,
não é muito.
Outro aspecto essencial na história é o da corrupção. O ministério já
interveio nas superintendências de Curitiba e Goiás, sinal de que havia
de fato conivência entre servidores e frigoríficos. Sem isso, a
mercadoria adulterada não iria para prateleiras e portos. O caso parece
se enquadrar na cultura de corrupção que se entranhou fundo no país, nos
últimos anos, com a participação de políticos em esquemas criminosos. O
mensalão e a Lava-Jato ensinaram que esses casos costumam ter conexões
em Brasília.
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