O ‘pai governo’ e o ‘tio futuro’
Aprovação do teto sem reforma da Previdência abriu o peito do paciente antes de acertada a operação
Rubens Penha Cysne - O Globo
O custo para o país da não correção efetiva do problema fiscal
tende a crescer como bola de neve. Na ausência de novidades positivas, a
tendência é de rápida deterioração do bem-estar social. O acirramento
de ânimos compete com a coleção de desânimos. A perplexidade, com a
incredulidade.
O inconsciente coletivo dá mostras de querer criar mais um
ente protetor imaginário. O quase falido “pai governo” passaria a ter
ajuda do “tio futuro”, que proveria a salvação mundana pela conjugação
apenas de tempo, papel e tinta.
Aprove-se com papel e tinta a reforma constitucional do teto
dos gastos e o resto virá a reboque. Não é simples assim. A solução de
problemas políticos apenas por métodos legais e administrativos é sonho
antigo da humanidade, porém inalcançável.
A necessária divisão mais consistente do bolo (PIB) nacional
não é como uma troca, onde todos podem ganhar. No curtíssimo prazo é
jogo de soma zero, onde alguns têm que perder. Quem deseja o poder deve
estar disposto e apto a viabilizar este fato.
A aprovação do teto de gastos sem a aprovação prévia da
reforma da Previdência abriu o peito do paciente antes de acertada qual
seria a operação a fazer. Passados oito meses, o pior cenário está se
materializando.
Os 513 médicos da Câmara e 81 médicos do Senado não chegam a
um consenso se fazem uma operação diretamente sobre a válvula aórtica
das subtrações espúrias, exageros previdenciários e privilégios, ou se
apenas realizam um procedimento de rotina na válvula tricúspide.
Na verdade, os médicos não concordam nem ao menos se deve de
fato haver algum tipo de operação. Ecoam das ruas escuras e dos
subúrbios amedrontados os urros de revolta do paciente com o peito
serrado. Deitado. Indignado.
Dizia-se, à época de aprovação da emenda de limite dos
gastos, que os desassistidos de segurança, educação e saúde fariam as
pressões políticas necessárias para o efetivo combate aos ganhos
corporativos. Talvez. Mas esqueceu-se que, com a representação política
atual, este tipo de solução requer antes o caos mobilizador. A prévia
desorganização econômica e social é parte da sua receita.
Esqueceu-se também que as pressões de fato efetivas para a
obtenção de recursos públicos não advêm dos setores mais grave, injusta e
ineficientemente atingidos. Mas sim dos grupos de interesse mais bem
organizados.
A situação parece estável, mas embute uma série de enormes
custos futuros. Talvez o maior deles corresponda aos jovens desprovidos
de horizonte. É triste perceber que alguns não têm alternativa senão
tentarem se juntar aos seis milhões de subempregados.
Outros votam desesperadamente com os pés, tentando migrar
para outros países. Não aceitam ser escravos nem dos impostos que
preveem nem da insegurança e dos benefícios corporativistas que veem.
Não admitem sustentar direitos mal adquiridos sobre seu futuro.
Há de positivo a queda dos juros básicos, que em meados de
2016 eram da ordem de 14,25% ao ano, ao passo que agora temos 9,25% ao
ano. Isto foi possível porque a inflação esperada passou de 7,3% em
junho de 2016 para 3,1% um ano depois. O problema é que a viabilizar tal
queda da inflação há em torno de 13,5 milhões de desempregados.
Algumas observações da situação nacional refletem uma absurda apropriação do futuro pelo presente.
Suponhamos, a título de ilustração, que nos 12 meses
contados a partir de agora se mantenha o cenário atual de juros,
inflação e déficit primário, com uma taxa de crescimento do produto em
torno de 1,0%.
No cenário atual, não são hipóteses pessimistas. Ainda
assim, o custo de um ano a mais no equacionamento da questão fiscal
imporá ao país um custo fiscal adicional entre R$ 12 bilhões e R$ 15
bilhões, dependendo se se considera a dívida líquida ou a bruta. Em
torno da metade, por exemplo, do que se prevê de receita na recentemente
anunciada privatização da Eletrobrás.
O tempo, a exemplo das cartomantes, não entrega futuro grátis.
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