Fundo Nacional de Segurança Pública tem orçamento de R$ 1 bi e execução de apenas 17%
Senado discute a criação de um novo fundo dentro do pacote de combate à violência
Eduardo Bresciani e Renata Mariz - O Globo
Enquanto o Senado discute a criação de um Fundo Nacional de Desenvolvimento da Segurança Pública (FNDSP) dentro do pacote de combate à violência em debate no Congresso,
uma outra rubrica existente há anos no Orçamento, com praticamente o
mesmo nome e saldo bilionário em 2017, tem gastos irrisórios. Ligado ao
Ministério da Justiça, o Fundo Nacional de Segurança Pública só investiu
R$ 185 milhões neste ano, apenas 17,3% do valor previsto. Para
financiar o novo fundo, governadores querem usar recursos obtidos com a
arrecadação de impostos da exploração de jogos de azar, prática atualmente vedada no Brasil.
O
fundo existente tem orçamento de R$ 1,065 bilhão para este ano. Até
agora, porém, apenas R$ 395,4 milhões foram empenhados, ou seja,
reservados para serem transferidos quando a obra ou o serviço contratado
for finalizado. Além dos R$ 185 milhões pagos do orçamento deste ano,
foram quitados outros R$ 126,4 milhões remanescentes de períodos
anteriores, os chamados restos a pagar. Os dados são do portal Siga
Brasil, do Senado.
O baixo nível de execução é frequente. Nesta década, em nenhum
exercício o patamar de pagamento chegou a 40% do que estava liberado.
Para 2018, o governo propôs R$ 561,9 milhões para o fundo. Em 2017, a
proposta foi de R$ 506,3 milhões, e o Congresso dobrou a verba.
O Ministério da Justiça diz que um dos motivos da baixa execução é
que muitas das emendas parlamentares que compuseram parte do fundo ainda
estão em análise e por isso não foram empenhadas.
Um grupo de sete governadores, além de representantes dos outros
estados, esteve na semana passada em Brasília, em encontro com o
presidente do Senado, Eunício Oliveira (PMDB-CE), e pediu a legalização
dos jogos de azar com o propósito de reverter a arrecadação de impostos
com a atividade, hoje classificada como contravenção penal, em recursos
para combater a criminalidade. O novo fundo também prevê que parte da
arrecadação de impostos pagos pelas indústrias bélica e de armamentos,
empresas de segurança privada e instituições financeiras, bem como a
metade do que for recebido em leilão judicial de bens e mercadorias de
origem ilícita, seja destinada ao setor.
Na
rubrica atual, o dinheiro vem basicamente do Orçamento da União e é
repassado por meio de convênios a partir da apresentação de projetos
pelos estados. O texto em debate prevê que a execução será feita
mediante transferência para os estados e o Distrito Federal. Uma lei
complementar regulamentaria a distribuição e a aplicação.
Jefferson Portela, presidente do Conselho Nacional de Secretários de
Segurança Pública e titular da pasta no Maranhão, afirma que o
contingenciamento do atual Fundo de Segurança Pública sempre foi a maior
dificuldade para os estados acessarem a verba.
— A gente nem conta com esse fundo, que historicamente é contingenciado — resume.
Para usar o pouco que sobra, reclama Portela, é preciso vencer outros
obstáculos, como procedimentos excessivamente burocráticos. Ele se
queixa do atraso na avaliação de projetos apresentados pelos estados.
— Muitas vezes uma comissão que está cuidando da proposta tem um
determinado enfoque, concorda com o projeto apresentado. Aí muda o grupo
e começa tudo do zero. É muita burocracia.
O analista criminal Guaracy Mingardi, ex-diretor da Secretaria
Nacional de Segurança Pública do Ministério da Justiça, afirma que a
criação de um fundo com receita vinculada é uma “resposta parcial, que
ajuda, mas não resolve” o problema da violência. Ele alerta que, se não
houver regras claras de aplicação da verba, o novo instrumento de
financiamento frustrará as expectativas da população.
Um dos pontos a serem avaliados é o formato de repasse fundo a fundo
obrigatório, a exemplo do que ocorre na Saúde e na Educação,
reivindicado pelos estados. Para Guaracy, embora acelere as
transferências, o modelo abre espaço para escolhas equivocadas.
— A União tem que ter alguma discricionariedade para transferir o
recurso, porque o estado pede dinheiro sempre para as mesmas coisas,
como arma e viatura, que devem permanecer sendo custeadas com orçamento
próprio. A verba extra tem que ir para formação de policiais,
assistência médica e psicológica, pesquisas de vitimização — defende
Guaracy.
RISCO DE CONTINGENCIAMENTO
Outra ponderação do
especialista é o risco sempre presente de contingenciamento do recurso —
mesmo que a lei vede tal bloqueio. Guaracy lembra que o Fundo
Penitenciário Nacional (Funpen), cuja receita principal vem da
arrecadação da loteria federal, passou anos sendo bloqueado pelo governo
para fazer caixa e só foi liberado em parte no fim de 2016 por
determinação do Supremo Tribunal Federal.
Mesmo após a liberação de R$ 1,2 bilhão do Funpen no ano passado, os
resultados práticos são desanimadores: praticamente metade dos estados
sequer apresentou projetos para construção ou reforma de presídios, que é
a destinação de 70% do dinheiro transferido. Pela lei, ao fim de 2017,
os recursos não empenhados pelos estados terão de ser devolvidos ao
Funpen, a menos que um ato do ministro postergue o prazo.
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