Congresso x STF
Estamos vivendo um momento de tamanha desorganização
social que o Congresso decide que decisões do Supremo Tribunal Federal
acatar, de acordo com a conveniência de seus grupos de pressão. As que
beneficiam os parlamentares de maneira geral, como a que,
equivocadamente a meu ver, deu às Casas Legislativas a última palavra em
qualquer punição de seus pares, são elogiadas e cumpridas com rapidez
nada comum.
Por todo o país, e não só em Brasília, parlamentares estão saindo das
cadeias ou prisões domiciliares para retomar seus mandatos. E as que
atingem os parlamentares, como a recente ampliação do alcance da
inelegibilidade da Lei da Ficha Limpa, estão sendo revistas em Brasília,
neste caso para tornar sem efeito a decisão do STF, em benefício de
prefeitos, vereadores, deputados estaduais e federais.
A alegação de que a decisão do Supremo faz a lei retroagir em
prejuízo do condenado foi recusada pela maioria do plenário do Supremo,
pois a inelegibilidade de 8 anos existe na lei a partir de 2010, não
importando em que ano o crime foi cometido. É uma exigência que todos
devem cumprir ao se inscrever para concorrerem às eleições.
A lei retroagirá se, por exemplo, o Supremo decidir, em outro
julgamento, que os mandatos já em curso devem ser cassados, o que não
deve acontecer. Há outros grupos de pressão dentro do Congresso querendo
se aproveitar desse momento de fraqueza do governo federal para impor
suas agendas regressivas, como a chamada “bancada da bala” que quer
rever o Estatuto do Desarmamento.
O projeto, de autoria do senador Wilder Morais do PP de Goiás, revoga
o atual Estatuto do Desarmamento, liberando o porte de armas para
qualquer pessoa a partir dos 18 anos de idade, desde que o adquirente
seja considerado apto psicologicamente, tenha bons antecedentes e
demonstre capacidade técnica. Uma tentativa canhestra de copiar os
Estados Unidos, que a cada dia enfrenta mais tragédias devido à
leniência com o porte de armas no país.
Em outra ação regressiva, uma comissão especial da Câmara dos
Deputados quer aprovar uma proposta de emenda constitucional (PEC) para
alterar artigo da Constituição que trata do direito à vida, para incluir
a expressão “desde a concepção”, o que, na opinião deles, daria
segurança aos fetos.
Com a alteração, todas as possibilidades de aborto estariam vedadas,
inclusive nos casos de estupro, mesmo com risco de vida à gestante ou em
que o feto é diagnosticado com anencefalia, atualmente autorizados por
decisão do Supremo Tribunal Federal. A Comissão é dominada pela bancada
evangélica, que tem 22 dos 33 membros.
Seria uma ofensiva contra outra decisão do Supremo Tribunal Federal,
cuja Primeira Turmadescriminalizou o aborto antes do terceiro mês de
gestação em um julgamento de médicos e funcionários de uma clínica
clandestina, em Duque de Caxias (RS), que estavam presos pelo que até
então era considerado crime.
Para a Turma, que seguiu voto do ministro Luís Roberto Barroso, os
artigos do Código Penal são inconstitucionais. A decisão é válida apenas
para esse caso específico, mas os que são contra o aborto temem que
possa abrir o caminho para a ampliação da legalização. Querem, então,
fechar todos os caminhos já existentes.
Outro exemplo de grupos parlamentares de pressão atuando sobre o
governo é a portaria sobre trabalho escravo, que aministra do Supremo
Tribunal Federal (STF) Rosa Weber suspendeu por liminar. A portaria
tornou elásticos e subjetivos conceitos para identificar casos de
trabalho forçado, degradante e em condição análoga à escravidão, além de
criar barreiras burocráticas que dificultam a ação da fiscalização.
Para caracterização do trabalho escravo, por exemplo, seria preciso
constatar a submissão do trabalhador a trabalho exigido sob ameaça de
punição, com uso de coação. A portaria tem sido alvo de críticas dentro e
fora do país por entidades defensoras dos direitos dos trabalhadores.
A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, pediu ao Ministério
do Trabalho para revogar a medida, que taxou de “retrocesso”. O governo
promete rever pontos da portaria, mas não pretende revogá-la.
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