Temos de distribuir entre todos nós as responsabilidades de achar o caminho e poder sair deste atoleiro
Ana Maria Machado - O Globo
Nunca é
demais recordar alguns ensinamentos de Maquiavel. O mestre florentino
advertia ao Príncipe: “A melhor forma de abordar os problemas imediatos é
ter claro aonde se quer ir.”
Quem preferir beber em fonte mais leve, pode recorrer ao diálogo entre Alice e o Gato de puro sorriso, no País das Maravilhas:
“ — Por favor, pode me dizer qual o caminho para eu sair daqui?
— Depende muito de para onde você quer ir.
— Não importa muito para onde...
— Então não importa muito o caminho.
— ...desde que eu chegue a algum lugar — acrescentou Alice.
— Ah, mas com toda a certeza, você chega. Se caminhar bastante.”
Sempre se vai a algum lugar. Mas sem ter a clareza de onde se quer ir, o resultado pode ser desastroso. Mesmo depois de caminhar bastante, como já dava para ter aprendido. Basta lembrar que, ao final, numa série de julgamentos confusos e acusações de todo tipo, a autoritária Rainha de Copas berra:
— Primeiro a sentença, depois o veredicto.
E a sentença que sabe dar é só uma:
— Cortem-lhe a cabeça!
No caso, não é grave, pois afinal, como Alice trata de desmascarar, seus interlocutores não passam de cartas do baralho. Com os quais se pode fazer um castelo de cartas, derrubável com um sopro ou piparote. Uma House of Cards, viciada e precária.
Na vida real, com gente de verdade, a coisa muda. É hora de encararmos isso no Brasil. Temos de distribuir entre todos nós as responsabilidades de achar o caminho e poder sair deste atoleiro moralmente nojento e economicamente paralisante. Para começar, temos de dar partida a uma atitude de reflexão e diálogo, ouvindo uns aos outros, lendo e pensando sobre opiniões de gente com que não estamos totalmente de acordo mas que pode ajudar a iluminar alguma coisa. Para isso, é fundamental saber onde queremos chegar, como ensinam Maquiavel e Alice.
Então, ao nos prepararmos para as eleições de 2018, antes de discutir nomes no reduzido quadro de falsos salvadores da pátria, vale a pena fazer um esforço para clarear um projeto nacional, vago que seja. Sem fulanizar o debate, já que iniciar tudo com uma discussão de nomes pode impedir de sair do lugar. Sempre vai aparecer alguém que diga que A não serve porque lhe falta testosterona, B deve ser rejeitado porque tem ideia fixa em educação, C foi fotografado ao lado de D, E foi omisso, F tem um passado tucano, G tem um passado comunista, H não tem passado político, e não há alfabeto que preveja tudo. O resultado é a redução da realidade a uma estéril polarização entre X e Y, ambos autoritários e farsantes, a se apresentar como única saída.
De início, podemos tentar estabelecer duas premissas fundamentais.
Qual a intensidade de nosso compromisso com a justiça? Não só a dos tribunais, de que temos sede, mas o escândalo da nossa injusta distribuição de renda herdada da escravidão. Achamos que a desigualdade do país é aceitável? Se não achamos, já temos minimamente um território comum: é preciso reduzi-la e muito. E como nem tudo pode ser prioritário, essa terá de ser uma prioridade: a de examinar matematicamente como garantir fundos para as exigências inadiáveis de gastar melhor com nossa gente.
Qual o tamanho de nossa exigência de liberdade? Estamos dispostos a ceder a um pensamento único autoritário que nos censure, ainda que sedutoramente vestido de populismo, palavras atraentes e promessas vagas, dignas de Papai Noel? Se não estamos, tratemos de ver quem aceita melhor as opiniões alheias e é capaz de incorporar ideias que dão certo em outros lugares, acomodando a possibilidade de divergências e dissonâncias, sem se achar dono absoluto da verdade. E passemos a examinar diferentes alternativas de boa gestão e aumento de produtividade e eficiência que levem à criação de riqueza, sem xingar a matemática, sem fazer com que a ideologia esmague os números ou que o vazio da retórica populista continue impedindo o exame de possíveis soluções.
Abrir esses espaços básicos em nossas análises pode ser um bom ponto de partida. Que valores queremos para embasar um projeto coletivo de nação? Estamos de acordo em trabalhar para um crescimento sustentável, com justiça social e respeito aos direitos humanos? Como garantir que funcione, além das belas palavras?
Daí vai ser preciso passar para uma análise de prioridades, já que não dá para tudo ser prioritário. “Tudo ao mesmo tempo agora” é ótimo tema para uma banda de rock, mas é inviável para gerir uma sociedade complexa e um país do tamanho do Brasil.
Caindo na real, na certa vamos ter de nos juntar em torno a algo que pode não ter a beleza pura de cada sonho e não vai ser o ideal de cada um, nem em termos de coincidência ideológica nem de imaculada inflexibilidade. Aqui e ali, talvez exija que se tape um pouco o nariz ou ventile o ambiente. Mas talvez seja a única forma de escapar da polarização que insufla melindres e ressentimentos, num revanchismo odioso e autocrático que pode até adiar a prisão de uns e outros, mas não pode fazer bem ao país.
Quem preferir beber em fonte mais leve, pode recorrer ao diálogo entre Alice e o Gato de puro sorriso, no País das Maravilhas:
“ — Por favor, pode me dizer qual o caminho para eu sair daqui?
— Depende muito de para onde você quer ir.
— Não importa muito para onde...
— Então não importa muito o caminho.
— ...desde que eu chegue a algum lugar — acrescentou Alice.
— Ah, mas com toda a certeza, você chega. Se caminhar bastante.”
Sempre se vai a algum lugar. Mas sem ter a clareza de onde se quer ir, o resultado pode ser desastroso. Mesmo depois de caminhar bastante, como já dava para ter aprendido. Basta lembrar que, ao final, numa série de julgamentos confusos e acusações de todo tipo, a autoritária Rainha de Copas berra:
— Primeiro a sentença, depois o veredicto.
E a sentença que sabe dar é só uma:
— Cortem-lhe a cabeça!
No caso, não é grave, pois afinal, como Alice trata de desmascarar, seus interlocutores não passam de cartas do baralho. Com os quais se pode fazer um castelo de cartas, derrubável com um sopro ou piparote. Uma House of Cards, viciada e precária.
Na vida real, com gente de verdade, a coisa muda. É hora de encararmos isso no Brasil. Temos de distribuir entre todos nós as responsabilidades de achar o caminho e poder sair deste atoleiro moralmente nojento e economicamente paralisante. Para começar, temos de dar partida a uma atitude de reflexão e diálogo, ouvindo uns aos outros, lendo e pensando sobre opiniões de gente com que não estamos totalmente de acordo mas que pode ajudar a iluminar alguma coisa. Para isso, é fundamental saber onde queremos chegar, como ensinam Maquiavel e Alice.
Então, ao nos prepararmos para as eleições de 2018, antes de discutir nomes no reduzido quadro de falsos salvadores da pátria, vale a pena fazer um esforço para clarear um projeto nacional, vago que seja. Sem fulanizar o debate, já que iniciar tudo com uma discussão de nomes pode impedir de sair do lugar. Sempre vai aparecer alguém que diga que A não serve porque lhe falta testosterona, B deve ser rejeitado porque tem ideia fixa em educação, C foi fotografado ao lado de D, E foi omisso, F tem um passado tucano, G tem um passado comunista, H não tem passado político, e não há alfabeto que preveja tudo. O resultado é a redução da realidade a uma estéril polarização entre X e Y, ambos autoritários e farsantes, a se apresentar como única saída.
De início, podemos tentar estabelecer duas premissas fundamentais.
Qual a intensidade de nosso compromisso com a justiça? Não só a dos tribunais, de que temos sede, mas o escândalo da nossa injusta distribuição de renda herdada da escravidão. Achamos que a desigualdade do país é aceitável? Se não achamos, já temos minimamente um território comum: é preciso reduzi-la e muito. E como nem tudo pode ser prioritário, essa terá de ser uma prioridade: a de examinar matematicamente como garantir fundos para as exigências inadiáveis de gastar melhor com nossa gente.
Qual o tamanho de nossa exigência de liberdade? Estamos dispostos a ceder a um pensamento único autoritário que nos censure, ainda que sedutoramente vestido de populismo, palavras atraentes e promessas vagas, dignas de Papai Noel? Se não estamos, tratemos de ver quem aceita melhor as opiniões alheias e é capaz de incorporar ideias que dão certo em outros lugares, acomodando a possibilidade de divergências e dissonâncias, sem se achar dono absoluto da verdade. E passemos a examinar diferentes alternativas de boa gestão e aumento de produtividade e eficiência que levem à criação de riqueza, sem xingar a matemática, sem fazer com que a ideologia esmague os números ou que o vazio da retórica populista continue impedindo o exame de possíveis soluções.
Abrir esses espaços básicos em nossas análises pode ser um bom ponto de partida. Que valores queremos para embasar um projeto coletivo de nação? Estamos de acordo em trabalhar para um crescimento sustentável, com justiça social e respeito aos direitos humanos? Como garantir que funcione, além das belas palavras?
Daí vai ser preciso passar para uma análise de prioridades, já que não dá para tudo ser prioritário. “Tudo ao mesmo tempo agora” é ótimo tema para uma banda de rock, mas é inviável para gerir uma sociedade complexa e um país do tamanho do Brasil.
Caindo na real, na certa vamos ter de nos juntar em torno a algo que pode não ter a beleza pura de cada sonho e não vai ser o ideal de cada um, nem em termos de coincidência ideológica nem de imaculada inflexibilidade. Aqui e ali, talvez exija que se tape um pouco o nariz ou ventile o ambiente. Mas talvez seja a única forma de escapar da polarização que insufla melindres e ressentimentos, num revanchismo odioso e autocrático que pode até adiar a prisão de uns e outros, mas não pode fazer bem ao país.
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