sábado, 1 de fevereiro de 2014

Irã enfrenta crise de abastecimento de água após encolhimento de grande lago
Thomas Erdbrink - NYT
Após dirigir por 15 minutos pelo fundo daquele que já foi o maior lago do Irã, um funcionário do departamento ambiental local desceu de sua caminhonete, enfiou as mãos nos bolsos e perambulou silenciosamente pela grande planície seca, como se estivesse procurando pela água que ele sabia que não encontraria.
Uma hora antes, em um dia frio de inverno aqui no oeste do Irã, o funcionário, Hamid Ranaghadr, lembrou de como recentemente, há uma década, navios de cruzeiro cheios de turistas cruzavam as águas do lago à procura de bandos de flamingos migrantes.
Agora, os navios estão enferrujando na lama, e os flamingos sobrevoam o que restou do lago enquanto seguem para locais mais acolhedores. Segundo números compilados pelo órgão ambiental local, restam apenas 5% da água.
O Irã está enfrentando uma escassez de água potencialmente tão séria que as autoridades estão preparando planos de contingência para racionamento na área da grande Teerã, lar de 22 milhões de pessoas, e outras grandes cidades por todo o país. O presidente Hassan Rowhani identificou a água como sendo uma questão de segurança nacional e, em discursos públicos nas áreas mais duramente atingidas pela escassez, está prometendo "trazer a água de volta".
Especialistas citam a mudança climática, as práticas perdulárias de irrigação e o esgotamento dos lençóis freáticos como os principais fatores na crescente escassez de água. No caso do Lago Úrmia, eles acrescentam a conclusão de uma série de barragens que restringiu o fluxo de água das montanhas que se erguem em cada lado do lago.
"Apenas poucos anos atrás a água aqui tinha 9 metros de profundidade", disse Ranaghadr, levantando poeira a cada passo no leito seco do lago. Ao longe, terrenos elevados --antes ilhas onde os turistas passavam férias em chalés com vista para as águas azuis– eram cercados por planícies de lama marrom e areia. "Nós simplesmente o esvaziamos", ele disse com um suspiro, entrando no carro.
Os problemas de água do Irã vão muito além do Lago Úrmia, que por ser de água salgada nunca forneceu água para beber ou para uso agrícola. Outros lagos e grandes rios também estão secando, levando a disputas a respeito dos direitos da água, manifestações e até distúrbios.
Os grandes rios perto de Isfahan, na região central do Irã, e em Ahvaz, perto do Golfo Pérsico, secaram, assim como o Lago Hamoun, na região de fronteira com o Afeganistão. A poeira dos leitos secos dos rios agrava os níveis de poluição do ar já perigosamente altos no Irã, lar de quatro das 10 cidades mais poluídas do mundo, segundo a ONU.
Mas em nenhum outro lugar a crise é mais pronunciada do que no Lago Úrmia, que já foi um dos maiores lagos de água salgada do mundo– com 145 quilômetros de comprimento e cerca de 55 quilômetros de largura, ele era ligeiramente maior que o Grande Lago Salgado no Estado americano de Utah. Os ambientalistas estão alertando que o sal seco pode envenenar as valiosas terras agrícolas que cercam o lago, e tornar a vida miserável para as 3 milhões de pessoas que vivem nas suas proximidades.
Ao longo do que antes costumava ser um bulevar à beira do lago, lanchonetes e vestiários decrépitos são testamento dos tempos em que pessoas de todo o Irã vinham para praticar esqui aquático no lago ou se cobrir com sua lama preta, que teria propriedades medicinais.
Há cerca de duas décadas, Mokhtar Cheraghi, um aldeão local, começou a notar o recuo das águas. "Primeiro uma centena de metros, depois duas centenas. Depois de um tempo, nós não conseguíamos mais ver a margem", ele disse, em pé no que antes era seu próspero café, o Cheraghi's Beach. "Nós ficamos esperando pelo retorno da água, mas isso nunca aconteceu."
A maioria das pessoas culpa a meia dúzia de grandes barragens construída pelo governo na região pelo desaparecimento do lago. As barragens reduziram enormemente o fluxo de água nos 11 rios que alimentam o lago. Na condição de um país árido com numerosas cadeias de montanhas elevadas, o Irã tem uma predileção por barragens que remonta o reino do xá Mohammed Reza Pahlavi.
A construção de barragens ganhou ênfase renovada sob o antecessor de Rohani na presidência, Mahmoud Ahmadinejad, que como engenheiro tinha uma queda por grandes projetos. Outra força motriz é o Corpo da Guarda Revolucionária Islâmica, que por meio de sua divisão de engenharia, a construtora Khatam al-Anbia, constrói muitas das barragens no Irã e nos países vizinhos.
A meia hora de carro nas montanhas acima da cidade de Úrmia fica a poderosa barragem de Chahchai, coletando água que, caso contrário, fluiria para o lago. A barragem, concluída no primeiro mandato de Ahmadinejad, agora possui um imenso lago próprio, que os agricultores locais usam para irrigar suas terras.
"Parte da água do Úrmia está aqui", disse Ranaghadr, erguendo sua voz acima dos ventos uivantes que sopram dos picos cobertos de neve ao redor. "As pessoas daqui também precisam de água, é o que elas dizem."
Além de produzirem eletricidade extremamente necessária, as barragens visam tratar da escassez de água. Mas com frequência a água é desperdiçada por meio de técnicas ineficientes de irrigação, particularmente pulverização, disseram Ranaghadr e outros especialistas.
Nas últimas décadas, a quantidade de terras dedicadas à agricultura na região, a central do país, triplicou, com muitos produtores rurais cultivando produtos particularmente sedentos, como uvas e beterrabas, apontou Ranaghadr. Seu departamento calculou que cerca de 90% de toda a água que deveria ir para o lago é pulverizada nos campos.
Em um livro de 2005 que ele escreveu sobre os desafios de segurança nacional do Irã, Rohani estimou que 92% de toda a água do Irã são usados na agricultura, em comparação a 80% nos Estados Unidos (90% em alguns países do Ocidente).
"Eles abrem a torneira, encharcam a terra, sem entender que no nosso clima grande parte da água é perdida para a evaporação desse modo", disse Ali Reza Seyed Ghoreishi, um membro do conselho local de gestão de água. "Nós precisamos educar os produtores rurais."
O lago também é atacado pelo subsolo. Como parte do esforço do governo para promover a agricultura local, grandes propriedades rurais foram divididas em lotes menores e a maioria dos novos proprietários prontamente abriram novos poços, extraindo grande parte da água subterrânea.
"Há cerca de 30 mil poços legais e um número igual de poços ilegais", disse Seyed Ghoreishi. "À medida que a água se torna mais escassa, eles precisam perfurar cada vez mais fundo."
A mudança climática, particularmente a elevação das temperaturas, também exerce um papel. As temperaturas médias em torno do Lago Úrmia subiram pouco mais de 3 graus na última década, como mostram estatísticas oficiais.
Uma longa seca na região parece ter terminado há dois anos, com o nível de precipitações voltando ao normal. Mas o aumento das chuvas não compensa os outros fatores que estão secando o lago.
"Todos nós somos culpados", disse Ranaghadr. "Simplesmente há pessoas demais no momento e todo mundo precisa usar a água e a eletricidade gerada pelas barragens."
De volta ao escritório de Ranaghadr, o Departamento de Meio Ambiente, os funcionários pareciam como soldados em uma missão fadada ao fracasso. Eles já elaboraram 19 planos para salvar o lago, que vão do sensível (educar os produtores rurais sobre novas técnicas de irrigação) ao extravagante (semeadura de nuvens para aumentar as chuvas).
"Nós podemos começar agora", disse Abbas Hassanpour, o chefe do departamento. Cercado por seus assistentes, incluindo Ranaghadr, ele disse que seu departamento criou "forças-tarefa e modelos prontos para implantação".
Enquanto o Irã está enviando macacos ao espaço para desenvolver seu programa de mísseis, o governo Rohani, carente de fundos devido ao impacto das sanções internacionais contra o programa nuclear do Irã, não disponibiliza nenhum dinheiro para os esforços de recuperar o lago.
Mas mesmo se disponibilizasse, dizem as autoridades, provavelmente é tarde demais para salvar o Lago Úrmia. Todo o dinheiro do mundo pode ser despejado no lago, disse um funcionário, mas nas projeções mais otimistas, seriam necessárias décadas para a água atingir os níveis antigos, se é que isso ocorreria. Há simplesmente problemas demais, interesses concorrentes demais, para o resgate ser viável.
Não fazer nada, ou não o suficiente, ainda gerará muitos problemas. Em 2010 e 2011, protestos violentos ocorreram em Úrmia e as forças de segurança precisaram ser enviadas para restabelecer a ordem.
"Nós não estamos autorizados a falar do lago", disse Morteza Mirzaei, que vive em Ùrmia. "Mas eles construíram suas barragens e agora tudo acabou." Outros dizem que as pessoas comuns também são culpadas, mas "o governo é o administrador do país", disse Mushin Rad, que vende equipamento de impressão. "Ele é o responsável."
Ranaghadr, que cresceu nos arredores do lago, disse que passa seu tempo livre combatendo os caçadores ilegais nas colinas ao seu redor. "Você sabe qual é o verdadeiro problema?" ele disse. "Todas as pessoas em todo o mundo só pensam em dinheiro. Nós também, e agora perdemos nosso lago."

Tradutor: George El Khouri Andolfato

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