Rodrigo Constantino - VEJA
Li nessa sexta um livrinho divertido de Tom Wolfe, autor de Radical Chic e Fogueira das Vaidades. Trata-se de A Palavra Pintada, escrito em 1975, uma análise dos caminhos que arte tomava naquela época.
Wolfe não poupa críticas aos burgueses
que simulam profundo interesse pela arte moderna como forma de posar
como antiburguês. Tampouco alivia os próprios artistas, divididos entre o
estilo da boêmia e o interesse naquilo que só o capitalismo burguês
pode oferecer: riqueza.
Antes de falar sobre o assunto, um caveat:
não sou um entendido de artes. Na verdade, meu conhecimento sobre o
tema é bastante limitado. Porém, como o juiz americano diante da
pornografia, posso não saber definir bem uma “obra de arte” que é puro
lixo, mas sei quando estou diante de uma.
A tese de Wolfe é que a arte moderna se
tornou inteiramente literária: “as pinturas e outras obras só existem
para ilustrar o texto”. Inverte, assim, a ordem natural de “ver é crer”,
e passa a ser “crer é ver”, ou seja, você antes adota uma crença
ideológica qualquer, e depois procura confirmação dela na obra de arte.
Tom Wolfe começa logo espinafrando os
próprios artistas que aceitam esse jogo de olho em sua rentabilidade:
“Especialistas em imitações, dinheiro, publicidade, grã-finos, e Le Chic não
devem ser levados em conta na história da arte, todos sabemos disso –
mas, graças aos próprios artistas, eles são”. Tal peso dado aos
endinheirados, porém, vai contra o próprio ideal do artista moderno:
[...]
o espírito pobre porém livre, o plebeu que aspira a não pertencer a
classe alguma, a se libertar para sempre das peias da burguesia
ambiciosa e hipócrita, a ser o que burgueses obesos mais temiam, a
ultrapassar quaisquer limites que estes estabelecessem, a olhar o mundo
de uma forma que eles não conseguissem ver, andar alto, viver modestamente, manter-se sempre jovem – em suma, ser o boêmio.
Como preservar esse espírito e, ao mesmo
tempo, não sucumbir às tentações da própria burguesia? Tem-se início a
“dança” do lá e cá, segundo Wolfe. O artista faz jus ao que Freud diz
serem os objetivos do artista: fama, dinheiro e belas amantes. E os
membros sociais da alta burguesia, que Wolfe chama de le monde, os culturati,
têm como recompensa pela montanha de dinheiro que torram com tais
artistas o status de Benfeitor das Artes, além da sensação de que estão
desvinculados e distantes da burguesia, da classe média.
É um passaporte para deixar a classe
média para trás, apesar de ser oriundo dela, demonstrar que já não se
encontra mais nela. Nas palavras de Wolfe, “a sensação de que é um
camarada-soldado, ou ao menos um ajudante de ordens ou um
guerrilheiro-honorário na marcha da vanguarda pela terra dos filisteus”.
Elite culpada. Basta lembrar como a Arte Moderna chegou aos Estados
Unidos na década de 1920: pelas mãos da Standard Oil (Rockefeller).
Quanto mais constrangido o burguês
estiver com seu sucesso comercial, mais ele será tentado a colecionar
arte contemporânea, a última moda, a mais recente inovação, para poder
dizer: “Estão vendo? Não sou igual a eles… esse pessoal que
gosta de novela e futebol, membros do Rotary Club, jovens executivos,
etc. Sou como aqueles artistas descolados, que pairam acima da
burguesia, que não ligam para os bens materiais…”
Não ligam? Essa é a deliciosa hipocrisia que Tom Wolfe tão bem disseca, nesse e em outros livros, e que foi o tema do meu Esquerda Caviar também.
Outra contradição é que todos eles falam em nome do público, mas o
público, como diz Wolfe, “não desempenha qualquer papel nesse processo”.
Não está convidado: apenas é instado a aplaudir depois que a elite
apontou os escolhidos do vanguardismo.
A adesão a cada novo movimento, cada novo ismo da
Arte Moderna, representava uma declaração dos artistas e seus
seguidores de que “possuíam uma nova forma de ver que o resto do mundo
(leia-se: a burguesia) não podia compreender”. Admirar a mais nova
invenção era apartar-se do rebanho burguês.
Diante do espanto inicial frente a muitas
dessas novas “obras de arte” horrorosas, a senha do modernismo foi dada
por Greenberg: “toda a obra profundamente original parece feia a
princípio”. Palavras mágicas para os artistas medíocres! Era o começo do
“vale-tudo”. E ai de quem ousasse criticar alguma porcaria: não
entendeu nada, é reacionário, conservador, ultrapassado.
“Para os colecionadores, curadores e mesmo alguns marchands“, diz Wolfe, ”as obras novas que pareciam genuinamente feias…
começaram a adquirir uma aura estranha e nova…” Daí em diante foi cada
vez mais acelerada a destruição da verdadeira arte. Como não podemos
cansar de dizer, se tudo é arte, nada é arte. Não havia mais limite ao
absurdo, pois toda crítica era vista como fruto de uma inclinação
burguesa reacionária, o que ninguém desejava demonstrar.
Chegou-se ao paradoxo total quando foi constatado, pela lógica vigente, que se você odiava uma obra de arte num primeiro momento, provavelmente estava diante de algo maravilhoso.
Eis que arte era tudo aquilo que chocava, nada mais. Qualquer resquício
de tradição deveria ser apagado, pois remetia ao gosto burguês. A ideia
de pendurar quadros era burguesa! Paredes e exteriores das
galerias viravam obras de arte, formas geométricas desbotadas viravam
obra de arte. Veio o minimalismo, a Arte Ecológica, etc. Não tem onde
parar:
E o que
dizer da própria ideia de uma obra de arte permanente, ou mesmo visível?
Não era esse o pressuposto mais básico da Velha Ordem? – de que a arte
era eterna e composta de objetos que podiam ser legados de uma geração a
outra, como os ossos de Colombo? Dessa objeção surgiu a Arte
Conceitual.
Foi assim que o esterco virou obra de
arte. Era a arte literalmente na merda! Dessa maneira, a Arte Moderna
virava cada vez mais simples literatura, nada mais. Ou seja, era a morte
da verdadeira arte.
Foi interessante ler o livro na sexta, e
hoje verificar, na Veja, a exposição que ocorre no MAM. Eis duas “obras
de arte” da amostra:
Quem quiser chamar isso de “obra de arte”, fique à vontade. Quem
quiser pagar os olhos da cara por essas porcarias, fique mais à vontade
ainda. Eu prefiro apontar e dizer: o rei está nu!
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