O risco das ‘soluções criativas’
O Estado de S.Paulo
A imaginação da atual administração da capital paulista,
pelo menos no que se refere ao setor de transporte, é sem dúvida
fértil, mas em compensação não costuma ser muito feliz. Exemplo disso
são as improvisadas faixas exclusivas de ônibus - e o estardalhaço feito
em torno delas, que não é estranho dada a proximidade das eleições -,
que se multiplicaram com impressionante rapidez. Por isso, a mais nova
proposta de intervenção no trânsito - a criação em algumas vias de outra
faixa, já chamada de "solidária" ou da carona - deve ser encarada com
muita reserva.
Ela seria implantada em avenidas com no mínimo três faixas de
rolamento e se destinaria a carros com ao menos dois passageiros, táxis
com cliente, ônibus fretados e veículos de transporte escolar. Os ônibus
que já usam vias exclusivas também poderiam utilizar essas faixas, mas
apenas para manobras de ultrapassagem de outros ônibus. A ideia foi uma
das propostas da Rede Nossa São Paulo para a melhoria do trânsito,
apresentada pelo consultor de tráfego Horácio Augusto Figueira ao
Conselho Municipal de Transportes.
O secretário municipal de Transportes, Jilmar Tatto, que participou
do encontro, logo gostou da ideia e lembrou que "a determinação do
prefeito Fernando Haddad é priorizar o transporte público", critério no
qual ela se enquadraria. Mas teve o cuidado de ressalvar que a proposta é
ainda embrionária e precisa ser bem estudada e discutida com a
sociedade, para que se avaliem seus possíveis benefícios. "Ainda precisa
de muito debate. E isso só seria tocado depois de uma série de medidas
que estamos tomando, como obras pontuais, sinalização de vias,
fiscalização dos táxis nos corredores de ônibus", disse ele.
A cautela, no entanto, não tem sido, infelizmente, a marca do
comportamento do secretário. A implantação das faixas exclusivas de
ônibus foi comandada por ele às pressas - 300 quilômetros em apenas um
ano - e sem estudos sérios que comprovassem sua utilidade. Se esses
estudos existem, os paulistanos ainda esperam para tomar conhecimento
deles. Uma medida dessa dimensão, que tem importantes reflexos no
sistema de trânsito da cidade, não deveria jamais ser adotada nessas
condições.
Assinale-se, a respeito da improvisação que marcou essa medida, que
as faixas exclusivas foram implantadas sem nenhum cuidado com seu piso. O
piso dos corredores, que têm basicamente as mesmas funções, é reforçado
para suportar a carga dos ônibus, tão pesada que ele ainda tem de ser
refeito de tempos em tempos. Quanto tempo durará o piso das faixas,
despreparado para essa função? É de todo conveniente para a cidade,
portanto, que Tatto dessa vez se comporte de maneira diferente e
mantenha a atitude cautelosa que prometeu.
Vão nesse sentido também as ponderações do urbanista e engenheiro de
tráfego Flamínio Fichmann. Ele admite que a nova faixa "até pode ser
positiva", mas tem dúvida sobre seu impacto no trânsito da cidade como
um todo, porque o número de vias com três faixas ou mais de rolamento,
como se exige para a criação da "faixa solidária", é restrito. A seu
ver, antes de apelar para "soluções criativas", a Prefeitura deve fazer o
que é básico, como aumentar o número de agentes da Companhia de
Engenharia de Tráfego (CET) e melhorar o sistema de semáforos.
No momento em que se começa a discutir a adoção de outra medida que
pode limitar ainda mais a circulação de carros - a possibilidade de
carona tem limites -, é preciso insistir num outro ponto decisivo. Um
terço dos deslocamentos da capital é feito por carro. O que fazer com os
milhões de paulistanos que o utilizam diariamente? Enviá-los para o
serviço de ônibus, que continua ruim, lento e lotado, ou para o sistema
metroferroviário, que já opera no limite de sua capacidade?
Enquanto eles não melhorarem - principalmente o ônibus, que pode
fazer isso a curto prazo - para servir de alternativa ao carro, será
pura demagogia encher o peito para proclamar que o transporte coletivo
deve ser prioritário, com o que todo mundo está de acordo.
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