O fim da Lei de Licitações?
O Estado de S.Paulo
Contando com o apoio irrestrito de sua base no Congresso
- surpreendentemente pacificada não se sabe a que preço para os cofres
públicos -, o governo conseguiu aprovar, com presteza e sem
dificuldades, na comissão mista criada para examinar a Medida Provisória
(MP) n.º 630, o projeto de conversão que estende o Regime Diferenciado
de Contratações (RDC) para todas as licitações e contratos da União, dos
Estados e dos municípios. O novo texto, preparado pela relatora da MP
na comissão, senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR), até há pouco chefe da
Casa Civil da Presidência da República, amplia enormemente a abrangência
da MP, editada para estender o RDC apenas às obras de construção,
ampliação e reforma de estabelecimentos penais.
A nova versão da MP, que será examinada pelo plenário da Câmara e do
Senado, significa na prática a extinção da Lei de Licitações, sem que a
questão tenha sido explícita e abertamente debatida pelos congressistas e
por todos os demais interessados na questão, a começar pelos
contribuintes, que pagam as obras e serviços contratados pelo poder
público.
Desde praticamente seu início, o governo Dilma vem reduzindo a
abrangência da Lei de Licitações, ora justificando as limitações como
necessárias para acelerar determinadas obras públicas, ora alegando que o
RDC dá maior celeridade à contratação e à execução dessas obras - sem
apresentar comprovações práticas de que isso de fato ocorre.
Foi com a alegação da necessidade de modernizar a infraestrutura para
a Copa do Mundo e para a Olimpíada de 2016, por meio da realização das
obras e dos serviços que assegurassem a perfeita realização desses dois
megaeventos esportivos, que, em 2011, o governo introduziu na MP que
criou a Secretaria de Aviação Civil a instituição de novo regime de
contratação de obras públicas.
Sem capacidade técnica e administrativa para tirar do papel com a
eficiência desejada os muitos projetos que vinha anunciando, o governo
Dilma ampliou a aplicação do RDC para as obras do Programa de Aceleração
do Crescimento (PAC) e do Sistema Único de Saúde (SUS). Não se notou
nenhuma aceleração nas obras abrangidas pelos dois programas.
Em dezembro, quando eram fortes as pressões por medidas que melhorem a
segurança pública - um dos temas mais frequentemente levantados pelos
brasileiros que saíram às ruas para pedir mais eficiência das ações do
poder público em favor dos cidadãos -, o governo baixou a MP 630, que,
em tese, permitiria acelerar as obras de presídios em todo o País.
Logo depois de escolhida relatora da MP na comissão mista do
Congresso, a senadora Gleisi Hoffmann chegou a rejeitar sugestões de que
a extensão do RDC para outras obras fosse discutida por um grupo da
Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado que estuda mudanças na
Lei de Licitações, alegando que a MP tratava de um caso específico. "Não
se trata de mudar todo o sistema de licitações, mas de atender a uma
demanda de um setor em que há problemas", argumentou na ocasião.
Mas o que ela fez, de fato, foi mudar todo o sistema de licitações,
ao propor, sem contestação de outros integrantes da comissão mista -
parlamentares da oposição não participaram da votação de seu relatório
-, a aplicação do RDC a todos os contratos de obras e serviços dos três
níveis de governo.
O RDC prevê prazos mais curtos e critérios mais simples para a
contratação de obras e serviços de engenharia pela administração
pública. Ele instituiu uma nova forma de contratação, chamada
contratação integrada, por meio da qual a empresa pode ser contratada
para a execução de uma obra sem a necessidade de apresentação do projeto
básico antes da licitação. Depois da contratação, a empresa não poderá
pedir correções dos valores contratados. Mas o regime dispensa o governo
de informar qual é o orçamento inicial da obra, razão pela qual não é
possível saber se, quando de sua conclusão, ela terá ficado ou não mais
cara do que o previsto.
Se aprovada a nova versão da MP 630, essas regras valerão para todas obras públicas.
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