Reinaldo Azevedo - VEJA
Laryssa Borges, na VEJA.com:
Em um país que há décadas trata com negligência sua política nacional de ciência e tecnologia e despreza investimentos em pesquisa, a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), vinculada ao Ministério da Agricultura e Pecuária, é um raro exemplo de sucesso. Criada há quarenta anos, durante o regime militar, a instituição atua em 44 países e desenvolve pesquisas de inovação e transferência de tecnologia em parceria com institutos de ponta nos Estados Unidos, no Reino Unido e na França. Um dos principais braços operacionais da empresa, a unidade do Distrito Federal, instalada às margens da BR-020, é responsável por fazer do cerrado brasileiro um dos principais biomas de produção nacional de carne e soja. Apesar dessas credenciais, o oportunismo do governador do DF, Agnelo Queiroz (PT), poderá mudar completamente os rumos da empresa. Candidato à reeleição em outubro, o petista quer tomar o terreno da Embrapa Cerrados para construir casas populares – e colher votos.
Em um país que há décadas trata com negligência sua política nacional de ciência e tecnologia e despreza investimentos em pesquisa, a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), vinculada ao Ministério da Agricultura e Pecuária, é um raro exemplo de sucesso. Criada há quarenta anos, durante o regime militar, a instituição atua em 44 países e desenvolve pesquisas de inovação e transferência de tecnologia em parceria com institutos de ponta nos Estados Unidos, no Reino Unido e na França. Um dos principais braços operacionais da empresa, a unidade do Distrito Federal, instalada às margens da BR-020, é responsável por fazer do cerrado brasileiro um dos principais biomas de produção nacional de carne e soja. Apesar dessas credenciais, o oportunismo do governador do DF, Agnelo Queiroz (PT), poderá mudar completamente os rumos da empresa. Candidato à reeleição em outubro, o petista quer tomar o terreno da Embrapa Cerrados para construir casas populares – e colher votos.
Alguns
campos experimentais da Embrapa foram desenvolvidos em áreas de antigas
fazendas desapropriadas na década de 1950 para a construção de Brasília –
e legalmente cedidas para o uso da empresa em 1975. O argumento da
gestão Agnelo para ficar com a terra é pífio: o governo pretende
utilizar o mesmo terreno, independentemente das dezenas de áreas ociosas
no Distrito Federal, para construir um condomínio com 5.000
apartamentos populares. Com a perda da área – a gleba exigida pelo
governo Agnelo representa 20% da área utilizada pelo Centro de Pesquisas
para os experimentos de campo no DF –, a Embrapa afirma que haverá
“descontinuidade de pesquisas realizadas há mais de trinta anos, com
prejuízos irreparáveis para a sociedade”.
Nos seus
40 anos de funcionamento, a Embrapa Cerrados levou o Brasil à liderança
em projetos de agricultura tropical, com investimento de pelo menos 7
milhões de reais na fazenda que o governo do Distrito Federal agora
reivindica. Pesquisas em produção animal e vegetal e o desenvolvimento
de tecnologias para correção da fertilidade do solo e para sistemas
irrigados fizeram com que o cerrado respondesse por 55% da produção
nacional de carne bovina, mais de 60% da produção de soja, 41% da
produção de leite e 31% da produção de milho.
“Pegar
aquele terreno para fazer casas populares é não perceber o que a Embrapa
significa para o Brasil. O país chegou ao posto de sexta economia do
mundo [em 2012] muito em função da agricultura e pecuária. Mas atitudes
como a do governador Agnelo contribuem para que o Brasil fique
estacionado na 13ª posição na produção científica mundial”, diz a
presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC),
Helena Nader. “Sou totalmente a favor da melhoria das condições de
moradia, mas a atitude do governo de construir casas nas fazendas da
Embrapa será a completa destruição de pesquisas porque a região tem toda
uma história de ciência. Existem outras áreas para fazer residências
populares.”
“Até
meados dos anos 1970, o cerrado era considerado improdutivo. Hoje, bate
recordes sucessivos de produtividade. Sem a pesquisa agropecuária isso
jamais teria sido possível”, afirmam os funcionários da Embrapa Cerrados
em manifesto redigido após a mais recente investida do governo para
tomar a fazenda.
Para a
Secretaria da Habitação do Distrito Federal, comandada por Geraldo
Magela, companheiro de partido de Agnelo, as moradias populares precisam
ser erguidas exatamente na região de atuação da Embrapa. Em 2008, a
mesma secretaria alegava que a área era fundamental para a viabilização
de um polo de venda de máquinas agrícolas. Na falta das máquinas, o
despejo da Embrapa ocorreria agora para abrigar a população carente de
moradia e minimizar o déficit habitacional – estimado em 116.000 casas.
O
secretário Geraldo Magela vai além: segundo sua assessoria, a área de
Planaltina, onde fica a fazenda de pesquisas da Embrapa, está degradada
e, por isso, a construção de unidades habitacionais evitaria novos
custos ambientais para a população.
Além da
negligência em relação às pesquisas em andamento, um fator ambiental
também tem sido desconsiderado pelo governo Agnelo na disputa pela
região. A área da fazenda fica no entorno da unidade de conservação da
Estação Ecológica de Águas Emendadas, fundamental para a proteção do
bioma do cerrado e nascente de duas das mais importantes bacias
hidrográficas brasileiras: Araguaia-Tocantins e do Paraná.
Centro do
poder político e com reconhecido padrão de excelência em qualidade de
vida, o Distrito Federal enfrenta há pelo menos cinquenta anos um dos
maiores problemas fundiários do país. Pelo menos 20% de todas as
moradias, segundo a última Pesquisa Distrital por Amostra de Domicílios,
estão em terrenos não legalizados, assentamentos ou invasões. No ano
passado, a ex-presidente na Câmara Legislativa Lúcia Carvalho foi
acusada pela Polícia Federal de fraude em demarcação de terrenos e
formação de quadrilha. Outros políticos de Brasília também já
frequentaram páginas policiais por envolvimento em irregularidades na
posse de terras. Porém, é fato que não faltam áreas de propriedade do
governo do Distrito Federal aptas a receber o conjunto de casas
populares que Agnelo quer erguer. Só a pressa em entregar obras em ano
de eleição explica a insistência de Agnelo em tomar os campos da
Embrapa.
Em tempo: o
Governo do Distrito Federal afirma que respeita as pesquisas da Embrapa
e negocia – sem mediação da Justiça – uma outra região para a empresa
montar os campos experimentais.
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