O futuro da internet
Renato Cruz - O Estado de S.Paulo
A internet surgiu como um projeto do Departamento de
Defesa do governo americano, durante a Guerra Fria, e até hoje os
Estados Unidos são responsáveis pela administração dos endereços de
sites e de servidores da rede mundial. Esse trabalho é terceirizado para
a Internet Corporation for Assigned Names and Numbers (Icann), uma
organização sem fins lucrativos, e o contrato termina em setembro do ano
que vem.
Em meados deste mês, o governo americano anunciou que vai abrir mão
da responsabilidade quando vencer o contrato, para que seja adotado um
modelo internacional e multissetorial. A mudança servirá para afastar as
acusações de que os EUA controlam secretamente a infraestrutura da
internet.
Dentro desse contexto, ganha importância o Encontro Multissetorial
Global sobre o Futuro da Governança da Internet, em São Paulo, nos
próximos dias 23 e 24. O governo brasileiro tinha pressa na aprovação do
projeto do Marco Civil da Internet para que ele fosse apresentado no
evento, como exemplo para regras mundiais de proteção aos direitos dos
cidadãos na rede.
A revista The Economist elogiou a aprovação do projeto brasileiro do
Marco Civil, na semana passada. Entre os pontos positivos destacados
estão o conceito de neutralidade de rede (que exige tratamento
igualitário do tráfego da internet), a garantia da privacidade dos
usuários (com a proibição aos provedores de vasculharem informações
pessoais) e a proteção da liberdade de expressão (atrelando a retirada
de conteúdos da rede a uma decisão judicial).
Mas a revista também trouxe críticas. A principal foi ao artigo 11,
que determina que empresas estrangeiras de internet devem respeitar a
legislação brasileira, caso tenham usuários do Brasil. Já existem
temores de que outros países sigam o exemplo brasileiro, e as companhias
sejam submetidas a um conjunto complexo de regras muitas vezes
contraditórias, o que faria com que elas desistissem de atuar em
mercados menores.
Logo após as revelações de Edward Snowden sobre a espionagem
americana, houve uma proposta parecida na União Europeia, que foi mal
recebida por representantes do governo americano, por causa de seu
caráter extraterritorial. Nos EUA, a transição para um modelo
multissetorial e internacional na administração de endereços de sites e
servidores de internet tem recebido críticas. Segundo esses críticos,
isso poderia fortalecer a posição de governos autoritários que querem
assumir o controle sobre a internet.
Mas o argumento é falho em pelo menos dois pontos. Em primeiro lugar,
os governos autoritários já controlam o acesso à rede em seus
territórios. Em segundo, a privacidade dos usuários não tem sido
respeitada nem mesmo por Estados livres e democráticos.
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