Setor público ignora a conjuntura econômica
O minguado
superávit primário do primeiro semestre prejudica o combate à inflação e
compromete a avaliação de risco da economia brasileira
O Globo
A
equipe econômica deve mesmo acreditar no seu próprio discurso, achando
que tudo continua indo muito bem na economia. Somente isso é capaz de
justificar os resultados da política fiscal no primeiro semestre. Como
mais um déficit primário em junho (raro nessa época do ano), as contas
consolidadas do setor público fecharam o semestre com um minguado saldo
de R$ 29,4 bilhões, o mais baixo valor para o período desde 2002. Esse
superávit primário acumulado diminuiu 43,6% em comparação ao do primeiro
semestre de 2013, já na ocasião considerado aquém do recomendável para
as condições macroeconômicas do país.
O superávit primário cobriu
pouco das despesas com juros ( R$ 120 bilhões) dos seis primeiros meses
do ano. Assim, o Brasil fechou o semestre com um déficit nominal nas
finanças públicas da ordem de R$ 90 bilhões, o equivalente a 3,67% do
Produto Interno Bruto. O desequilíbrio das contas fez com que a dívida
pública se elevasse (para 34,9% do PIB, em termos líquidos, ou 58,5%, no
total).
O mau desempenho das finanças públicas se deve a uma
frustração nas receitas (confirmando que a equipe econômica acredita,
ou, ao menos acreditava, no discurso da recuperação), sem que as
despesas tenham sido ajustadas para a realidade. No caso do governo
federal, maior responsável pelos resultados, a arrecadação total
aumentou 7,2%, mas os gastos se expandiram 10,6%. O aumento foi de
robustos 16,5% nas despesas de custeio. Os números não foram mais
drásticos porque o balanço da previdência social se mostrou um mais
equilibrado do que o previsto.
A trajetória da política fiscal em
2014 — na verdade, de todos os exercícios a partir da metade do segundo
mandato do presidente Lula — é incompatível com o propósito de se
controlar a inflação próxima à metade de 4,5%. Não por acaso os índices
passaram a oscilar próximos ao teto da meta (6,5%), patamar perigoso,
capaz de alimentar uma corrida entre preços e salários na qual não há
ganhadores.
A leniência da equipe econômica com a inflação é uma
das principais causas do desânimo que se abateu sobre a classe
empresarial, que se reflete cada vez mais também na declinante confiança
dos consumidores.
Essa é uma questão que não tem repercussões
negativas apenas sobre o presente. Tende a médio prazo a comprometer a
avaliação de risco da economia brasileira em um cenário que à frente se
mostra mais restritivo à captação de capitais externos, por exemplo.
A
conjuntura exige uma política fiscal responsável, para que o país possa
enfrentar os desafios que estão por vir. No entanto, os últimos
resultados das finanças públicas jogam por terra as esperanças de que o
governo cumpriria a promessa de se empenhar para pôr ordem na casa.
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