Não basta privatizar - tem de desregulamentar e liberalizar
Joel Pinheiro da Fonseca - IMB
A privatização
voltou à pauta. Quem diria! E não foi por causa do PSDB, que se envergonha do
passado e quer ser mais estatizante do que o PT. Foram os candidatos menores,
menos conhecidos, trazendo ideias novas para o debate.
Pastor
Everaldo prometeu, em
pleno Jornal Nacional, privatizar
a Petrobrás. No debate da BAND, Levy Fidelix, embora se defina como
"keynesiano", defendeu a privatização
das prisões. E não posso deixar de mencionar o Paulo Batista, candidato a
deputado cujo "raio
privatizador" tomou a mídia
de assalto.
Acho
ótimo. Peguei ainda criança a telefonia estatal. Por mais falhas que a atual
tenha, a coisa melhorou muito. Outros bons exemplos estão por aí, como empresas
de tratamento e distribuição de água cujas inovações apontam o caminho para o
setor no Brasil. Deixar nas mãos do estado é matar inovação e eficiência;
apostar no preço determinado politicamente é apostar no saldo negativo, no
atraso e na fila. O exemplo máximo é a Venezuela, que com
reservas abundantes de petróleo sofre de falta de gasolina, queda na produção e
já está até pensando em começar
a importar o produto.
O
que poucos do meu lado gostam de apontar, no entanto, é que a
privatização sozinha também tem seus riscos. Ela é uma bandeira incompleta. Não
basta privatizar uma empresa; é preciso desregulamentar (ou liberalizar) o
setor.
Liberalizar
é retirar entraves à concorrência; é
permitir que quem tenha uma ideia possa entrar no mercado para prover o serviço
da forma que julgar melhor, arcando com as consequências — lucros ou prejuízos
— de sua tentativa. Liberalizar é deixar nas mãos das interações voluntárias o
papel de avaliar e certificar empresas e serviços, sem proibir que alguém opere
fora da certificação. É essa concorrência que fornece o incentivo para que
empresas ofereçam serviços melhores e/ou mais baratos, inovando e encontrando
soluções.
Se
uma empresa é privatizada, mas o monopólio (ou oligopólio) é mantido — que é
exatamente o que ocorre quando o setor é controlado por uma agência reguladora,
que existe apenas para proteger
os interesses dessa empresa privada —, cria-se um incentivo dúbio: por um
lado, a empresa agora buscará ser lucrativa, e portanto eficiente na geração de
valor. Por outro, a restrição à concorrência permite que ela cobre preços mais
altos e ofereça serviços inferiores ao que faria se tivesse que se virar no
livre mercado.
Os
consumidores continuam reféns de um mesmo provedor. Do preço artificialmente
baixo que as estatais gostam de praticar (nem sempre), passa-se a preços
artificialmente altos. Que o dono deixou de ser o estado e agora é um grupo
privado importa pouco, dado que em ambos os casos a relação fundamental é a
mesma: uso do aparato coercitivo para garantir que o negócio opere fora do
processo de trocas voluntárias.
Quatro
combinações são possíveis. A péssima: empresa estatal, setor restrito. A ótima:
empresas privadas, setor livre. E duas intermediárias: empresa privada com
setor restrito, e empresa estatal com setor livre. Se for para escolher uma dessas intermediárias, prefiro a última.
Desregulamentação
sem privatização raramente é tentada ou proposta. De fato, desregulamentação é
das bandeiras mais difíceis de emplacar, uma vez que tira poder de órgãos e
engrenagens sem gerar dinheiro ao estado. Mas exemplos involuntários, não
planejados, ocorrem a todo o momento.
Os
Correios, por exemplo, são monopolistas. Novas tecnologias, contudo, têm
tornado sua função — entrega física de cartas — obsoleta. A estatal resiste:
falida, ineficiente, um verdadeiro pesadelo para quem tem que usá-la. Conforme
a inutilidade cresça, e a sangria de recursos aumente, ela terá que ser sacrificada.
(Ou então os Correios podem entrar no jogo da concorrência e sair vitorioso.
Lembram do email dos Correios?)
Pensemos
agora na saúde. O setor é altamente regulamentado, sem dúvida, mas ainda assim
permite alguma liberdade. Mesmo nesse mundo restrito, muita gente prefere sair
do sistema estatal — gratuito — para pagar por serviços melhores e mais
rápidos no mercado. É o caso da minha empregada; para vários exames, ela
prefere fazer pago em laboratórios privados a ter de esperar meses no sistema
estatal.
Agora,
imagine um mundo com saúde desregulamentada (podemos começar pequeno: dar mais
autonomia a enfermeiros, farmacêuticos etc.). Os serviços privados seriam ainda
mais acessíveis, sem por isso extinguir a alternativa estatal "gratuita".
Quem
quiser terá total acesso a serviços gratuitos com o selo de qualidade do estado
brasileiro (boa sorte). Ao mesmo tempo, se puder pagar, pode comprar serviços em
um mercado de livre concorrência, com regulamentações privadas,
criatividade e inovação. Um sistema assim culminaria provavelmente no fim da
saúde estatal por puro desuso. Mas esse fim gradual, ao contrário da
privatização, não tira o serviço "gratuito" de quem depende dele.
Talvez
melhor do que propor privatizar o serviço estatal — que sempre contará com o
trunfo de, de fato, ser necessário à população mais pobre — devamos propor a
liberalização dos diversos setores. O gratuito continuará existindo; mas será
que ele é páreo para o livre?
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