quinta-feira, 2 de outubro de 2014

Afeganistão e EUA assinam acordo sobre permanência de tropas
Soldados americanos poderão ficar no país até o fim de 2016; outro acordo foi assinado entre Cabul e a Otan, também sobre segurança 
O Estado de S. Paulo Shah Marai/AFPO assessor de segurança nacional do Afeganistão, Hanif Atmar (direita) cumprimenta o embaixador dos EUA em Cabul, James Cunningham (esquerda)
CABUL - Autoridades do Afeganistão e dos Estados Unidos assinaram nesta terça-feira, 30, o aguardado Acordo Bilateral de Segurança (BSA, sigla em inglês) para permitir a permanência de tropas americanas no país após o fim deste ano. Essa era uma promessa de campanha do novo presidente afegão, Ashraf Ghani, que tomou posse na segunda.
O novo assessor de segurança nacional do Afeganistão, Hanif Atmar, e o embaixador dos EUA em Cabul, James Cunningham, assinaram o acordo bilateral por volta das 15h15 (7h45 pelo horário de Brasília) no palácio presidencial afegão, em uma cerimônia transmitida pela televisão.
O antecessor de Ghani, Hamid Karzai, recusou-se durante muito tempo a assinar o acordo, o que afetou as relações do Afeganistão com os EUA.
Sob os termos do acordo, cerca de 12 mil soldados estrangeiros (sendo 9,8 mil americanos) devem ficar no Afeganistão para treinar e ajudar as forças de segurança afegãs após o encerramento formal da missão militar liderada pelos EUA e de sua missão de combate e a retirada da Otan, no fim de 2014.
O número de militares americanos será reduzido progressivamente até o mínimo necessário para operações de segurança e trabalhos diplomáticos até dezembro de 2016. Países como Alemanha e Itália também terão efetivos em solo afegão junto com os americanos.
Um novo acordo de segurança com a Otan também foi assinado, entre Atmar e o embaixador da organização no Afeganistão, Maurits R. Jochems. O acordo com os EUA era uma precondição para o acordo com a Otan, que estabelece a estrutura de uma missão focada em treinamento, consultoria e no equipamento das tropas afegãs.
Atualmente, 48 países participam da missão da Isaf com 41.124 soldados, dos quais 28.970 são dos EUA, segundo os últimos dados da Otan.
Gani afirmou, em um discurso feito após as assinaturas, agradecendo Karzai por ter estipulado todos os detalhes dos tratados e afirmou que a Loya Jirga, a assembleia tradicional afegã, "aprovou" os dois acordos. "Garanto à nação que os acordos foram feitos com base em nosso interesse nacional", acrescentando que se for necessário, os tratados podem ser modificados com o respaldo da outra parte signatária.


Injeção de recursos dos EUA já supera Plano Marshall
Desde o início da guerra, em 2002, tentativas de estabilizar o Afeganistão já consumiram cerca de US$ 109 bilhões
O Estado de S.Paulo
Nos 13 anos desde a invasão do Afeganistão, em 2001, os Estados Unidos gastaram no país mais do que destinaram à reconstrução da Europa depois do fim da 2.ª Guerra com o Plano Marshall. Mais da metade dos recursos foi usada na criação e armamento das forças de segurança, que desde o ano passado são responsáveis pelo comando das operações de combate no território afegão.
O restante foi canalizado a diferentes programas de ajuda, que incluíram a criação de um arcabouço institucional nos moldes ocidentais, construção de escolas e hospitais e realização de obras de infraestrutura.
Apesar da enorme injeção de recursos, o Afeganistão tem o mais elevado índice de mortalidade infantil do mundo e um dos maiores de mortalidade materna. Trinta e seis por cento da população vive abaixo da linha da pobreza e apenas 30% do país está conectado a fontes permanentes de eletricidade.
Outro ranking explica, em parte, os números: segundo a Transparência Internacional, o Afeganistão é o terceiro país mais corrupto do mundo, atrás de Somália e Coreia do Norte.
No período de 2002 a junho de 2014, os Estados Unidos gastaram US$ 104 bilhões no esforço de reconstrução e ajuda ao Afeganistão, mostram as estatísticas da entidade governamental responsável por supervisionar os recursos, conhecida pela sigla Sigar. Atualizada, a cifra chega a US$ 109 bilhões.
Em relatório enviado ao Congresso americano no mês de julho, a instituição estimou que a quantia supera o que os EUA destinaram ao Plano Marshall. Em valores corrigidos pela inflação, o esforço de reconstrução de 16 países europeus no período de 1948 a 1952 custou aos americanos US$ 103,4 bilhões.
A diferença é que os gastos no Afeganistão contemplaram não apenas a reconstrução do país, mas também a criação de Exército, Força Aérea e polícia com um contingente total de 340 mil pessoas, esforço que consumiu US$ 62 bilhões dos US$ 104 bilhões. Mas os restantes US$ 42 bilhões representam quase o dobro do que os EUA gastaram na reconstrução da Grã-Bretanha no pós-guerra: US$ 24,7 bilhões em valores atualizados, de acordo com cálculos da Sigar.
Os principais avanços na área social ocorreram na educação, com a matrícula em escolas de milhões de crianças, especialmente meninas. Durante os seis anos do governo do Taleban, mulheres foram proibidas de estudar e só podiam trabalhar em situações especiais. Apesar de o Afeganistão continuar a ter o maior índice de mortalidade infantil do mundo, o indicador melhorou nos últimos 13 anos, quando também houve aumento da expectativa de vida da população.
A mobilização de recursos também não criou uma economia local capaz de prover receita suficiente para a manutenção do Estado afegão. De acordo com a Sigar, a receita tributária do país em 2013 foi de US$ 2 bilhões, para gastos orçados em US$ 5,4 bilhões. A diferença foi coberta pela ajuda internacional, que tem acompanhado o movimento de retirada de tropas do país e está em retração.
Estimativa do Banco Mundial citada no relatório indica que as receitas do governo afegão permanecerão aquém das despesas pelo menos até 2025, em um valor equivalente a 20% do PIB do país, que soma US$ 21 bilhões - o PIB brasileiro é de US$ 2,25 trilhões.

Nenhum comentário: