Países asiáticos trabalham para que século 21 seja da Ásia
Sylvie Kauffmann - Le Monde
Saurabh Das/AP - 25.set.2014
Narendra Modi é o primeiro-ministro da Índia
"Persona non grata" nos EUA quando dirigia o Estado de Gujarat, tristemente famoso por suas violências inter-religiosas em 2002, Narendra Modi retorna pela porta da frente. O mínimo que podemos dizer é que o novo chefe do governo indiano aproveita a visita oficial a Nova York e Washington para recuperar o tempo perdido; nada menos que 35 reuniões em cinco dias, um discurso na ONU, um triunfo no Madison Square Garden, encontros com presidentes de empresas - Google, PepsiCo, Goldman Sachs, GE, entre outros - e um jantar com Barack Obama: um verdadeiro turbilhão.
Naquilo que voltamos a chamar de lado ocidental, como na época da Guerra Fria, e que corresponde ao das "economias avançadas" na terminologia do início da globalização, os abalos são igualmente poderosos, mas negativos. Os EUA e alguns de seus aliados europeus estão novamente envolvidos militarmente no Oriente Médio, em um combate de fôlego contra o extremismo islâmico, depois de terem se esforçado para sair dele. Na Europa, a crise ucraniana arruinou por um momento a esperança de uma convergência entre a Rússia e a UE, que colocou no gosto do dia organizações da Guerra Fria como a Otan e a Organização para Segurança e Cooperação na Europa (OSCE).
As dinâmicas que agitam a Ásia são menos sombrias. A China, cuja ascensão econômica e política é uma fonte de grande preocupação para seus vizinhos, certamente não abandonou suas pretensões territoriais no mar da China, mas a tensão baixou um pouco; o presidente Xi Jinping, na chefia da segunda economia mundial, reforçada por um índice de crescimento que se mantém em 7,4%, está muito ocupado pregando a boa notícia da nova rota da seda. Essa versão chinesa do futuro radiante, lançada no ano passado, incentiva os países da Ásia Central a seguir Pequim na via do comércio e da prosperidade e a compartilhar seu gosto pelas infraestruturas. Mais recentemente, Xi acrescentou uma variante marítima à rota da seda, destinada aos países da Ásia meridional e do sudeste. Se por acaso os EUA se encontrassem tão ocupados no Oriente Médio que negligenciassem sua política de pivô em relação à Ásia, Pequim saberia ocupar o terreno.
Aproximação russo-chinesa
Xi viaja bastante. Ele fez uma visita histórica a Modi, com resultados brandos porque o conflito territorial entre a Índia e a China irrompeu no meio das promessas de investimento. Os dois gigantes dialogam, mas a desconfiança não desapareceu. O último giro regional de Xi, ao Sri Lanka e às Maldivas, no quintal da Índia, não ajudou a dissipar essa desconfiança.A dinâmica Modi confirma outra tendência forte, que é a dinâmica Abe. O primeiro-ministro japonês e seu novo colega indiano se entendem maravilhosamente: os dois são democratas, nacionalistas e reformistas declarados, trocam conselhos sobre a gestão de suas diferenças territoriais em relação à China e se dizem, talvez, que em dois poderiam evitar que a Ásia-Pacífico se torne uma esfera de influência chinesa. Shinzo Abe se ativa ao máximo que pode. Fortalecido pela reforma constitucional deste verão, que abriu as amarras das forças armadas japonesas, ele percorre a região para reafirmar os laços com países que, como o Japão, são democráticos e aliados dos EUA.
Outra dinâmica em operação na Ásia: a aproximação russo-chinesa, por iniciativa de Vladimir Putin, que as sanções ocidentais levam a enxergar mais longe. O alcance geopolítico do espetacular contrato de gás de US$ 400 bilhões assinado em maio entre a China e a Rússia não deve ser superestimado, avisam os especialistas. Mas isso não impede que os japoneses temam um endurecimento da posição ocidental sobre a Ucrânia e leve a Rússia para os braços da China.
Há muitas outras ramificações dessas reorientações. O Ártico e seus recursos petrolíferos, para cuja exploração russos e chineses têm necessidade de tecnologias ocidentais, é particularmente sensível aos novos ventos. A evolução das relações de força entre China, Índia e Rússia no seio dos Brics; a reunião em 11 e 12 de setembro no Tadjiquistão da Organização de Cooperação de Xangai (OCS na sigla em inglês), instituição que quer ser uma alternativa ao sistema ocidental, dominada pela China e a Rússia e pela qual a Índia tem grande interesse. Esses elementos também podem trazer os germes de uma nova ordem mundial.
Por enquanto, explica um diplomata indiano, diante de Pequim, grandes e pequenos atores asiáticos trabalham sobretudo para que o século 21 seja o "século da Ásia", mais que o "século chinês". Esse "século da Ásia", exatamente, que Narendra Modi proclamou diante de 18 mil indianos-americanos reunidos no Madison Square Garden.
Tradutor: Luiz Roberto Mendes Gonçalves
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